A permissão para o voto feminino no Brasil foi declarada há 90 anos, em 24 de fevereiro de 1932, com a chegada do primeiro Código Eleitoral brasileiro. Ainda que pareça muito tempo, o Brasil declarou esse direito mais de dez anos depois da maioria dos países, que o fizeram na primeira década do século 20.
Quase nove décadas se passaram, mas a representatividade das mulheres em cargos públicos ainda é baixa no país que tem apenas 15% de participação feminina no Congresso Nacional.
O direito de votar das mulheres gerou grandes polêmicas entre o fim do século 19 e o início do 20 e a luta para esse objetivo pode ser considerada um dos marcos do nascimento do feminismo no mundo.
A primeira mulher a votar no Brasil conquistou esse direito antes mesmo da declaração oficial. Isso se deu, pois a Constituição vigente na época, a de 1891, não proibia explicitamente que as mulheres participassem das eleições — de acordo com registros da Constituinte, essa cláusula não foi escrita, pois era “implícita”.
Usando essa justificativa, em 1928, Celina Guimarães Viana se tornou a primeira mulher a conquistar o direito ao voto no Brasil. O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado no país a aprovar uma lei que não permitia “distinção de sexo” para a votação, promulgada em 1927. Dessa forma, ao exigir seu direito de votar em Mossoró, RN, Viana não encontrou objeções.
Apesar de ter sido uma demanda em alta na sociedade da época, o voto feminino era uma questão polêmica. A liberdade das mulheres não era vista com bons olhos pela maioria, já que a crença geral era de que o lugar da mulher na sociedade era apenas como cuidadora do lar, portanto, não tinham o intelecto necessário para participar do debate público.
Por esse motivo, foram poucas as mulheres que votaram na primeira eleição em que podiam participar, em 1933: apenas 20 compareceram ao pleito.
Uma discussão antiga
De acordo com Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o direito ao voto feminino foi discutido ostensivamente nas Assembleias Constituintes prévias à aprovação do Código Eleitoral.
A Constituição monárquica, promulgada em 1824, não proibia explicitamente o voto feminino, mas também não apresentava nenhuma cláusula que explicitasse essa possibilidade — a interpretação geral era de que a proibição do voto feminino era evidente.
Em 1827, durante discussão sobre leis da educação básica, um marquês chegou a sugerir que as meninas aprendessem apenas as quatro operações matemáticas básicas, além de ler e escrever.
Segundo ele, havia “a frívola mania das mulheres de se aplicarem a temas para os quais parecia que a natureza não as formara, em um desvio, assim, dos verdadeiros fins para que foram criadas, e da economia de suas casas”, de acordo com trecho do livro O voto no Brasil, de Walter Costa Porto, reproduzido no site do TSE.
Muitas vezes, o direito ao voto foi negado às mulheres com o argumento de que apenas reproduziriam a escolha do marido e que seria um voto duplicado.
A conquista do voto feminino não foi uma progressão natural de eventos. Veio por meio da luta de movimentos sociais, em especial, do feminismo, que se consolidou nessa época.
O que hoje em dia é chamada de Primeira Onda do Feminismo se fortaleceu com o movimento sufragista, no qual mulheres tinham como bandeira a conquista de direitos políticos.
As primeiras ativistas pelo voto surgiram na Inglaterra e ganharam força em 1897, quando foi criada a União Nacional pelo Sufrágio.
A atuação do movimento se pautava principalmente em publicações de textos e manifestos em jornais, reuniões políticas e manifestações pacíficas. Posteriormente, França, Itália e Estados Unidos também começaram a ver mobilizações feministas.
No Brasil, a luta pelo sufrágio feminino se estabeleceu a partir de 1910, sob o comando de ativistas como Leolinda de Figueiro Daltro, professora e indigenista, e Bertha Lutz, que se aliou ao movimento feminista internacional.
Em organizações como a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, mulheres promoviam palestras, reuniões, distribuições de panfletos no Congresso e manifestações. A pressão, exercida desde a década de 20, encontrou respaldo apenas em 1932.
Na Constituição seguinte ao Código Eleitoral, de 1934, o voto das mulheres foi explicitado: eram considerados eleitores “os brasileiros de um ou de outro sexo, maiores de 18 anos”.
É importante destacar que a conquista não foi alcançada em um contexto de votação universal: na maioria dos países, apenas mulheres com posses ou renda foram autorizadas a participar de eleições.
Em geral, o feminismo era composto na época por mulheres de classe média alta, com acesso à instrução e estudo, uma minoria da população.
Ao redor do mundo
O primeiro país onde as mulheres conquistaram o direito de participar do sistema político foi a Nova Zelândia, em 1893.
Logo depois vieram a Finlândia, em 1906, e a Noruega, em 1907.
Na Inglaterra, um dos lares do movimento das sufragistas — composto por mulheres que se manifestavam pelo sufrágio feminino no século 19 — o direito só foi concedido em 1918. Nos Estados Unidos, em 1917.
Apesar de um pouco atrasado em relação a muitos países que aprovaram o voto ainda na primeira década do século 20, o Brasil declarou o direito antes da vizinha Argentina, que somente o fez em 1947, e o Chile, em 1949.
Na Arábia Saudita, o sufrágio feminino foi declarado apenas em 2011 e com uma série de restrições.
Atualmente, o único país onde mulheres não votam é o Vaticano. Apenas cardeais podem votar para eleger o chefe de estado e mulheres não podem assumir esse posto, de acordo com a lei da Igreja Católica.