O deputado federal Wadih Damous, que presidiu a Comissão da Verdade-RJ e a Comissão de Direitos Humanos da OAB, está atento aos desdobramentos da intervenção das Forças Armadas na segurança pública do estado. Advogado com mestrado em Direito Constitucional, o parlamentar tem opiniões que se baseiam no conhecimento jurídico e na compreensão de que os direitos humanos são fundamentais.
Wadih relatou que toda a bancada petista está unida no repúdio à atuação de tropas do Exército na solução de problemas de segurança pública. “Parlamentares de todo o país, não só os deputados do Rio, apontaram a necessidade da bancada se posicionar contra”, ressaltou. Mas o advogado também destacou que um grande segmento da sociedade é favorável à intervenção. “A maioria da população apoia a intervenção, até porque a narrativa da violência é fabricada, construída pela Rede Globo. As pessoas foram trabalhadas no medo, foram aterrorizadas, ficaram com a impressão de que o Rio vive uma guerra civil. Este apoio vai se esboroar ao longo do tempo, mas num primeiro momento, em que existe uma sensação de segurança, ela vai ter apoio”, aponta.
Do ponto de vista jurídico, há muita controvérsia entre os favoráveis e contrários à intervenção e as instituições ainda não foram além de publicar notas de repúdio. “A Procuradoria Geral da República já disse que a intervenção é inconstitucional. Mas vai tomar alguma providencia quanto a isto?”, especula Wadih. Mas o parlamentar também enxerga um aspecto difícil neste processo: a opinião pública. “Há o temor de atuar contra um sentimento da população. Temos que reconhecer que a maioria, ainda que iludida, quer a intervenção. Nós mesmos (deputados petistas), achamos melhor, no momento, não entrar com nenhuma medida, para não sermos acusados, neste cenário de ódio, intolerância, predominância de elementos ideológicos de direita, de impedir que se combata a criminalidade”, justifica. Entretanto, isto não impede que medidas sejam tomadas para conter os abusos. “Estão revistando crianças, daqui a pouco vão usar o mandados de busca e apreensão coletivos, inominados. É este tipo de atuação que nós vamos ter que atacar. Do meu ponto de vista, o ataque tem que ser pontual”, acredita.
A crise financeira por que passa o Rio de Janeiro, que tem sido usada para justificar as deficiências das forças policiais, não é a única razão para a situação. “A polícia não ficou ineficiente ontem. E também não é de hoje que a Globo constrói cenários de catástrofe no Rio de Janeiro. Fez isso várias vezes no governo Brizola, no governo interino da Benedita da Silva. Não é novidade. Constrói-se uma narrativa para justificar e legitimar medidas como esta, medidas de exceção”, esclarece Wadih. As estatísticas mostram um aumento tímido dos índices de criminalidade neste início de ano em relação ao mesmo período de 2017 – e vale lembrar que a PM teve greve no Carnaval passado, o que fez cair o número de notificações de crimes. Portanto, a questão da segurança pública não passa de uma desculpa para intervir no estado.
Já a responsabilidade governamental sobre a situação não tem sido abordada com a mesma frequência que o alegado aumento da criminalidade. “O governo do golpe – e isto é, aparentemente, contraditório – desmanchou o Estado brasileiro. não se investe nada aqui, nem mesmo em segurança pública. Como podemos querer uma polícia eficiente se os policiais são mal pagos, não são motivados, e são estimulados somente para uma visão bélica do combate ao crime?”, questiona Damous.
Mas a ausência de propostas alternativas para o enfrentamento da violência urbana é um problema que precisa ser enfrentado. “Também precisamos ter as nossas propostas de segurança pública, coisa que até hoje a esquerda nunca desenvolveu. Não podemos nos limitar a defender os direitos humanos”, argumenta. A repulsa que a esquerda demonstra em relação às forças militares e policiais é, talvez, uma razão para esta omissão. “Isto é uma tolice, porque exatamente para colocar a polícia enquadrada na Constituição é que temos que ter propostas. A segurança pública tem suas especificidades, não se dilui na questão dos direitos humanos, que são um pressuposto. Deixamos a questão da segurança pública sempre na mão da direita e a vida está mostrando que não pode mais ser assim”, destaca o deputado.
As ameaças não se resumem à presença das Forças Armadas nas ruas de grandes cidades. A chamada Bancada da Bala está aproveitando o clima favorável à intervenção militar e já trabalha pela aprovação de mudanças na legislação sobre porte de arma. “Temos que nos posicionar e clamar contra esta mudança. Mas, se eles tiverem maioria no Congresso, vão aprovar”, lamenta. A proposta altera o Estatuto do Desarmamento que foi submetido a um referendo em 2005 e há quem defenda que qualquer mudança neste sentido tenha que passar por consulta popular. “Esta é uma tese, são coisas pelas quais podemos brigar. Mas a correlação de forças está muito desfavorável. O Direito está por baixo. Só a tese jurídica, hoje, não adianta”, avalia o advogado.
Como enfrentar
Não se sabe ainda qual a extensão das medidas que serão tomadas durante a intervenção, mas as favelas já estão sofrendo. Da parte das forças armadas, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, já declarou que considera necessário que haja garantias para que não seja montada uma nova Comissão da Verdade. “Ele sabe que a lógica do Exército é a guerra. Não é prender, é matar. Ele quer carta branca para matar. Os militares entendem que não foram chamados para fazer papel de polícia”, destaca Wadih.
Para o deputado, é importante usar as armas que estão disponíveis para constranger os militares, como as filmagens com celular, a denúncia, o uso de tribunas parlamentares para informar os abusos. Do ponto de vista jurídico, serão usados os recursos disponíveis para enfrentar ilegalidades, como os mandados de busca e apreensão coletivos. “Agora, isto é o máximo que podemos fazer, com esta correlação de forças desfavorável. Não temos um exército popular que vá barrar as forças armadas, enxotá-las”, pondera Wadih.
O deputado acredita que ceder ao medo não é uma opção. “Não vamos recomendar a ninguém que evite ficar na rua, não se baixou toque de recolher. As pessoas devem chegar em casa a hora que quiserem. Claro que temos que ter consciência de que não estamos numa democracia, mas chegar em casa na hora que quiser é um ato de resistência. São pequenos atos como este que formam o conjunto para enfrentar este cenário”, defende Damous. Como a repressão dos anos de chumbo da ditadura militar ainda está na memória de muitos militantes, é preciso usar o que já se aprendeu. “Já passamos por isto e estamos enfrentando novamente. Temos que usar a experiência do passado”, aconselha.
Diante dos riscos que a atuação dos militares representa, resta à sociedade se empenhar para evitar abusos. “A intervenção é uma realidade. O que nós temos que fazer é fiscalizar a atuação desta intervenção militar. Na Câmara vai ser criado um Observatório da Intervenção, com deputados a favor e contra”, adiantou. A comissão vai buscar viabilizar a participação de pesquisadores e especialistas nos temas envolvidos. O grupo ficará sediado em Brasília, mas haverá uma equipe deslocada para o Rio de Janeiro, para acompanhar a evolução da intervenção. Para Wadih, cabe aos movimentos sociais e comunitários observar a atuação dos militares. “Todas as violações de direitos e garantias fundamentais tem que ser denunciadas e enfrentadas. Neste momento, este é o nosso papel”, resume.
Fonte: Fetraf-RJ/ES