Minas do Ouro

Frei Betto*

No início dos anos 80, engravidei da pulsão de  escrever um romance sobre a história de Minas Gerais. É assim: o tema de uma  obra de ficção nos agarra na esquina da vida. É como paixão à primeira vista.  Ou a “eureka” dos gregos. Súbito, brota a ideia, e ela impregna o sentimento e  gruda nas dobras da subjetividade. Ali germina até que se consiga dar vazão à  pulsão.

Meu projeto inicial era escrever um  romance ambientado na mina de Morro Velho, em Nova Lima. Ali acampei quando  escoteiro. Dali ouvi histórias mirabolantes de desabamentos, inundações,  mortes, e muita pobreza em meio à riqueza gerada pela mais profunda mina de  ouro do mundo.

A cozinheira de minha família, Ana, era de Raposos e,  seus parentes, quase todos empregados da Morro Velho. Dela escutei incríveis  relatos do que ocorria naqueles subterrâneos em que se extraíam ouro das  galerias e saúde dos trabalhadores.

Graças à colaboração de Christina Fonseca e Maione R.  Batista, entrevistei ex-empregados da mina e, em especial, Dazinho, líder  sindical de Morro Velho que se elegeu deputado estadual e, mais tarde, teve o  mandato cassado pela ditadura, que o levou à prisão.

Tive acesso a livros raros sobre a história da mina, a  manuscritos antigos, a mapas e até papéis de contabilidade, e retornei a ela  um par de vezes.

Uma coisa leva à outra. De Morro Velho minha pesquisa  se ampliou para a história das Minas e das Gerais. Devorei, calculo, cerca de  120 livros, entre os quais o Códice Matoso, Autos da devassa, os  volumes das coleções Mineiriana e Brasiliana, textos de Diogo de Vasconcelos,  Lúcio dos Santos, Iglesias, Boschi, Neusa Fernandes, Laura de Mello e Souza,  Myriam A. Ribeiro de Oliveira, Júnia Ferreira Furtado  etc.

Em 1997 iniciei a redação de Minas do  Ouro. Havia que transformar os dados coletados em texto literário.  Escrever é como cozinhar: reúnem-se os ingredientes e, em seguida, faz-se a  mistura (aqui, o talento do escritor) e deixe fermentar até que a massa chegue  ao ponto (aqui, o estilo, o “sotaque” narrativo). Admito que os Sermões  do padre Antônio Vieira me inspiraram na busca da linguagem adequada a cada  período dos cinco séculos que o romance abrange.

Foram 13 anos de trabalho, sempre de olho nas  novidades editadas sobre a história de Minas, como os textos de Luciano  Figueiredo e a História de Minas Gerais – As Minas Setecentistas,  organizado por Maria Efigênia Lage de Resende e Luiz Carlos  Villalta.

Não é fácil elaborar um romance  histórico. Meu primeiro foi Um homem chamado Jesus (Rocco), em que  descrevo a vida do homem de Nazaré. Ali enfrentei o desafio de tratar de um  personagem cuja trajetória o leitor conhece de antemão.

Qualquer desatenção e a narrativa vira ensaio amador  com pitadas de ficção. Os fatos históricos de Minas são tão empolgantes  (bandeiras, guerra dos emboadas, Triunfo eucarístico, conjuração etc), que no  percurso se é tentado a deixar a realidade dos fatos falar mais alto que os  voos da imaginação.

Como não sou historiador, tratei de centrar a  narrativa na saga da família Arienim. Os fatos históricos de Minas ficaram  como pano de fundo. Os leitores dirão se acertei na receita e se ficou  saborosa. Fora os cabotinos, nenhum autor é juiz da própria  obra.

Minas do Ouro é uma narrativa de  anti-heróis. Romances históricos – gênero surgido na Inglaterra no século 18 –  costumam exaltar protagonistas, incensar poderosos, ocultar fraquezas e  desacertos de figuras célebres.

Em Minas do Ouro procurei demitizar personagens  históricos, situá-los com os pés no chão e não nos pedestais dos heróis da  pátria, e realçar a inusitada trajetória da família Arienim em busca de um  tesouro que produziria a alquimia de suas vidas.

Resta acrescentar que meu encanto pela história da  terra em que nasci se aprofundou graças à influência de meu pai, Antônio  Carlos Vieira Christo, de cuja biblioteca herdei boa parte da bibliografia  concernente ao romance, e de Tarquínio Barbosa de Oliveira, historiador, em  cuja Fazenda do Manso, em Ouro Preto, passei inesquecíveis  temporadas.




* Frei Betto é escritor, autor de Minas do Ouro,  que a editora Rocco faz chegar esta semana às livrarias. http://www.freibetto.org/    twitter:@freibetto.

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Fonte: Frei Betto