Consciência negra e reparação histórica

Almir Aguiar *


20 de Novembro é o Dia Nacional da Consciência Negra, dedicado à reflexão sobre a importância do povo africano na formação da sociedade brasileira. Mais que uma data no calendário de incontáveis feriados enforcados pela população, é um marco que assinala o fim da consciência ingênua e do mito do agradecimento a uma princesa. É o despertar da consciência crítica de que com a Lei Áurea milhões de brasileiros foram libertados do cativeiro das senzalas para serem atirados, sem qualquer política de Estado, na escravidão do preconceito, das calçadas nas metrópoles, das subhabitações. da desigualdade salarial e de oportunidades, e dos baixos índices das estatísticas que medem o desenvolvimento humano.


A escolha desta data não é fruto do acaso. Em 20 de novembro de 1695 Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, foi morto em combate numa emboscada na Serra dos Dois Irmãos, em Pernambuco, na defesa da liberdade de seu povo. Os quilombos representavam uma resistência organizada ao sistema escravista das classes dominantes e também uma forma coletiva de reproduzir, aqui no Brasil, um sistema da vida comunitária africana. A reverência a Zumbi é importante passo para a democratização da galeria dos heróis nacionais, até então povoada por imperadores, barões, generais, todos brancos, quando o Brasil tem tantos heróis populares como João Cândido, o “almirante negro” que comandou a Revolta da Chibata, e a legião de escravos anônimos, muitos deles descalços, que enganados pelo Império foram combater na Guerra do Paraguai, no lugar dos “filhos de família” da burguesia branca, em troca de uma alforria que não receberam – eram os Voluntários da Pátria.


Hoje, irmanados com o Movimento Negro Unificado (o maior do gênero no país), estamos todos engajados na luta por um amplo processo de reparação histórica, e procuramos fazer com que esta seja uma data que lembre a resistência do povo negro à escravidão, que começou quando a primeira embarcação transportou africanos seqüestrados da Mãe África para o solo brasileiro.


Com o avanço da luta, novos temas vêm se incorporando aos debates, como a inserção do negro no mercado de trabalho, as cotas universitárias, a discriminação por parte da polícia, a identificação de etnias, moda, gastronomia, beleza negra, etc. Dentre esses temas, um que vem sendo discutido mais profundamente ocorre no setor da economia e trata da invisibilidade do trabablhador negro. Números recentes da Contraf (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Área Financeira) informam que os negros são 35,7 % da população economicamente ativa no brasil, mas ocupam apenas 19 % dos postos de trabalho no sistema financeiro. E creiam, os negros ganham em média 36 % a menos do que a remuneração dos brancos. A discriminação é ainda mais grave quando se trata da mulher bancária negra.


A ideologia racista é um problema histórico da sociedade brasileira. Para vencê-la é preciso, antes de tudo, reconhecer a sua existência e as suas formas disfarçadas no mundo globalizado contemporâneo. Merece destaque histórico o gesto do ex-Presidente Lula quando, em recente visita à África, ainda no exercício do mandato, pediu perdão aos africanos em nome da nação brasileira, pela barbárie do tráfico negreiro.


Com a implementação da Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, o governo brasileiro incluiu 20 de Novembro no calendário nacional e tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira, as lutas dos negros no Brasil e a sua importância na formação da nossa sociedade. É muito pouco. É indispensável que aprofundemos a discussão sobre a reparação histórica ao povo negro, enxergar as péssimas condições sociais em que este coletivo se encontra, em razão de crimes praticados em nossa História contra seus antepassados.


Na vida é preciso combater o bom combate e a reparação histórica é uma luta que vale a pena ser lutada e que precisa ser trazida para o centro dos debates das questões nacionais. Promover reflexões em torno da democracia racial e de uma educação escolar antirracista (como propôs Darcy Ribeiro), constitui estratégia que possibilitará a formação de consciências criticas capazes de uma leitura moderna da nossa História. É também papel dos segmentos organizados da sociedade, entre eles os sindicatos de trabalhadores, refletir e apontar ações que diminuam a desigualdade e eliminem a discriminação.



* Almir Aguiar é presidente do Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro.

Fonte: Almir Aguiar