Muitos “Mas o que o autor da mais polêmica peça sobre a situação dos gays nos EUA faz em um thriller político ligado à questão Israel x Palestina?” foram ouvidos pelo dramaturgo nova-iorquino Tony Kushner desde que aceitou escrever o roteiro de “Munique”. Preconceito? Talvez. Mas, aos 49 anos, o homem que ganhou fama no teatro internacional (mais o cobiçado prêmio Pulitzer) com a peça “Angels in America” — que virou minissérie da HBO — já está suficientemente escaldado para saber que colaborar com o mais controverso filme de Steven Spielberg faria dele alvo de cobranças.
— As pessoas que atacam “Munique” politicamente, descrevendo-o como uma “traição a Israel”, não prestaram atenção às recentes mudanças de direção política daquele país. Todas as discussões sobre as políticas de segurança israelenses precisam ser revistas. De alguma forma, Ariel Sharon (ex-primeiro ministro de Israel, substituído por Ehud Olmert em janeiro após sofrer um derrame) as colocou em xeque com suas atitudes, que resultaram em massacres — afirma o roteirista de “Munique” (co-assinado por Eric Roth) em entrevista por telefone ao GLOBO, referindo-se ao bafafá gerado em torno da abordagem de Spielberg para a retaliação de Israel à célula terrorista palestina que assassinou 11 atletas da delegação israelense durante as Olimpíadas de Munique, em 1972.
“Munique” atesta que Spielberg gosta do risco
Filmado entre junho e setembro de 2005, com um orçamento de US$ 75 milhões (dos quais US$ 37 milhões já foram recuperados em menos de um mês só nas bilheterias americanas), “Munique” recebeu anteontem cinco indicações ao Oscar. Entre elas, as de melhor filme, direção e roteiro adaptado, contemplando o trabalho de Kushner e Roth. A dupla usou como base o livro “A hora da vingança” (recém-editado pela Record), de George Jonas, transposto para a TV em 1981, dirigido pelo inglês Michael Anderson. Kushner, que não viu o longa de Anderson, choca-se quando perguntam a um judeu como ele, autor de indignados ensaios políticos como os de seu livro “Save your democratic citizen soul!”, qual é seu interesse numa briga que já ceifou milhares de vidas.
— Não há um senso na comunidade judaica americana sobre o conflito em Israel. Alguns admiram Sharon. Outros, como eu, enxergam Sharon como uma figura problemática, um político reacionário que representa o que há de pior na vida política de Israel. Recentemente, ele teve uma mudança radical. E agora que está acamado, passa por um revisionismo histórico. E isso não é um acidente. Um furacão político varre o mundo. “Munique” é um presságio de mudanças que estão por vir — diz.
Kushner vê “Munique” como “um ensaio coletivo” sobre o episódio que levou cinco agentes do Mossad, o serviço secreto de Israel — vividos por Eric Bana, Mathieu Kassovitz, Hanns Zischler, Ciarán Hinds e Daniel Craig, o novo 007 — a correr o mundo atrás dos palestinos.
— Estive em territórios ocupados várias vezes. Mas não é essa experiência que guia “Munique”. Steven queria fazer da trama um somatório dos pontos de vista de toda a equipe, principalmente o de Eric Bana (que vive Avner, líder da missão) . Steven gosta do risco. Esse não é um filme característico dele, nem um assunto que ele domine. Mas ele o fez de modo ousado e sombrio. Não creio que “Munique” seja um enorme sucesso de bilheteria, pois dura 2h44m e não tem nenhum grande astro. Mas é um filme adulto, diferente das porcarias que Hollywood faz.
Apesar dos elogios, Kushner sabe que o Oscar 2006 será de “O segredo de Brokeback Mountain”.
— Dizer que a vitória do filme de Ang Lee é a afirmação do poder gay supõe institucionalização da homossexualidade. Torço por “Brokeback Mountain” porque é um filme tocante. Mas sua premiação não vai pôr um fim no preconceito contra homossexuais.
(Por Rodrigo Fonseca – Jornal O Globo – em 02/fev)
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