Nancy Cardoso Pereira *
Ainda o 8 de março feminista e camponês
Vem aquele sujeito que um dia foi de esquerda, um dia foi companheiro e diz assim:
Aah! Mas as mulheres foram longe demais! Invadir e destruir um laboratório de pesquisa?! Isto é vandalismo. Pesquisa é produção de conhecimento novo. A pesquisa deveria ter sido preservada. Blá blá blá!”
Esnobismos de um esquerdismo que se encantou com a universidade e nunca mais acertou o caminho de volta para as lutas do povo. Parece ser uma posição ilustrada, crítica, iluminada e superior se comparada à ação bárbara, selvagem, impensada e atrasada das mulheres camponesas nas instalações da Aracruz. Parece… mas não é. Quem diz isso, só lê jornaleco e assiste Globo… mas não faz pesquisa.
Se utilizam desse artifício, se escondem atrás da pesquisa como desculpa para uma posição confortável na vida. No Brasil existe esta confusão, esta permissão, esta permissividade: ser pesquisador significa não ter que se comprometer com nada. Estar num lugar especial como observador privilegiado, consumindo bolsa e contando os artigos Qualis.
Mas neste caso do 8 de março camponês e feminista, a pesquisa não vai poder ser usada como desculpa para a covardia de ninguém! Ninguém vai poder justificar a sua falta de informação e a ausência de posição política em nome e em defesa da pesquisa. Muito menos os que não pesquisam nada, não escrevem nada, não socializam conhecimento… e só vivem da defesa vazia da educação como mecanismo de reprodução de poderes institucionais privados.
Valei-me ensino público e gratuito!!
Ajudai-me, pesquisa pública e a serviço dos interessas das maiorias!!
Olhai por nós, extensão como apropriação e socialização dos conhecimentos!!!
Vamos pesquisar! O documento oficial do Ministério de Ciência e Tecnologia/Instituto de Pesquisa e Estudos Florestais se chama: Diagnóstico, Prioridades e Modelos de Financiamento. É o Relatório Final de um encontro acontecido em Piracicaba, em Junho de 2002. O relatório reúne dados sobre a pesquisa na área florestal com os objetivos de monitorar a evolução destes esforços reconhecendo o papel fundamental que a pesquisa florestal representa para o desenvolvimento equilibrado e justo do nosso país.
Quem quiser ler/pesquisar todo o relatório:
http://www.abipti.org.br/Agropolos/PDF/Cadeias/ipef_mct_diagnostico_final.pd
A apresentação é detalhada e minuciosa sobre as potencialidades e contradições das pesquisas florestais em nosso país. Quando chega na análise da pesquisa sobre papel e celulose, o texto dispara (o grifo é meu!):
“No setor de celulose e papel, observa-se que a estrutura de investigação científica e tecnológica está dividida entre setor privado e setor público. Esta divisa, entretanto, deve ser avaliada de forma criteriosa, pois as atividades desenvolvidas pelas empresas do setor de celulose e papel estão voltadas, quase que exclusivamente, para a solução de problemas intrínsecos de cada empresa, não podendo ser efetivamente classificados como investigação científica e tecnológica. Na área de celulose e papel as atividades efetivas de investigação científica e tecnológica estão ligadas ao setor público, neste caso, representados pelas universidades. Deve se destacar que no Brasil existem atualmente dois centros de pesquisa e ensino atuantes na área de celulose e papel, sendo o principal, localizado na Universidade Federal de Viçosa – MG e o outro na Universidade de São Paulo – SP… Com relação à iniciativa privada, observa-se que as atuações definidas como pesquisa, são na realidade atividades visando a solução de problemas pontuais e particulares de cada empresa – “troubleshooting”. (pp. 101/103)
Pronto! Está dito: a Aracruz Celulose não faz pesquisa!! Faz acertos tecnológicos visando soluções de problemas pontuais de sua mercadoria. Isso não é pesquisa. Não existe nada – nem na pesquisa, nem no planejamento, nem no projeto de desenvolvimento da Aracruz Celulose que esteja de fato dialogando com a construção de um modelo de economia regional sustentável, que considere interesses ecológicos, sociais, científicos.
A própria Aracruz (www.aracruz.com.br/shared/ri/20f_2004_port.pdf ) diz que das toneladas e toneladas de celulose branqueada que produz no Brasil 98% é exportado especialmente para abastecer as necessidades de consumo da América do Norte, Europa Ocidental e Ásia. Existe uma expectativa de crescimento deste setor da ordem de 5% ao ano até 2010:
Espera-se que aproximadamente 84% do referido crescimento em capacidade ocorra na América Latina, onde a capacidade de celulose de mercado branqueada kraft de eucalipto deverá aumentar de aproximadamente 6,2 milhões de toneladas em 2004 para aproximadamente 10,9 milhões de toneladas em 2008.
(www.aracruz.com.br/shared/ri/20f_2004_port.pdf , p. 39)
Agora vamos juntar as informações:
A Aracruz produz papel e celulose para o mercado externo; seus laboratórios tratam de resolver demandas de produtos voltados para estas demandas do consumo externo; enormes quantidades de terra e água do Rio Grande do Sul estão sendo facilitados para empresas como a Aracruz que não investem nem na produção nem na pesquisa do desenvolvimento regional. O governo do Rio Grande do Sul (apoiado pelos falsos ambientalistas e os falsos defensores da pesquisa) inviabiliza a reforma agrária no estado tirando as condições de vida das comunidades camponesas e não desenvolvendo um modelo agrícola que garanta a soberania alimentar.
Feita a pesquisa!!! Construído o conhecimento novo. A Aracruz precisa ser desmascarada. O laboratório da Aracruz é de mentirinha!!! A Aracruz não faz pesquisa!!! Pra discutir a questão do papel e da celulose de modo sério e responsável dentro do horizonte da reforma agrária e da soberania alimentar temos que chamar os companheiros da USP e de Viçosa e criar um verdadeiro projeto de papel e celulose para o Brasil.
Depois da aula da ensino-pesquisa-extensão do 8 de março feminista e camponês esta conversa (e outras ) pode começar! Já começou: uma discussão sobre as florestas brasileiras, os manejos, as pesquisas que levam em consideração a luta pela reforma agrária e a construção de um projeto popular para o Brasil.
Um laboratório de pesquisa não é um bunker contra a vida do povo. Um laboratório é um espaço de responsabilidade e de encontro mediado e monitorado pela sociedade na busca de conhecimentos novos. Os movimentos sociais do campo, as mulheres camponesas querem continuar se encontrando com pesquisadores e pesquisadoras (de verdade!) em laboratórios (de verdade!) para pensar as florestas e o Brasil! Esta continua sendo uma tarefa urgente!!
Os sem-pesquisa que se escondem na pesquisa? … Deixa pra lá!
Estes não fazem falta nenhuma agora!
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=21800
* Pastora metodista. Agente de pastoral da CPT
Fonte: Adital