Fórum pela Visibilidade Negra discute relação entre racismo e extermínio de jovens negros

A primeira mesa do II Fórum Nacional pela Visibilidade Negra no Sistema Financeiro, que aconteceu na tarde desta quarta-feira, discutiu a relação entre a violência que tira a vida dos jovens negros nas favelas e o racismo arraigado na cultura brasileira. Os números apresentados pela pesquisadora Raquel Willadino Braga, do Observatório das Favelas, e o histórico do pensamento racista mostrado pelo historiador Amauri Mendes Pereira se complementaram e traçaram um panorama aterrador.


Os dados apresentados por Raquel Willadino chocaram os presentes. A pesquisadora mostrou os resultados de pesquisas que apontam que, nos últimos 30 anos, o número geral de homicídios no país vem se mantendo estável, enquanto as mortes de jovens negros nas periferias dispararam. A matemática é simples: morrem mais jovens negros, e menos não negros.


Mas Raquel informou que, apesar desta diferença significativa, todas as iniciativas de prevenção da violência realizadas no país, apenas 8 % se preocupam em fazer o recorde de raça. O Programa de Redução da Violência Letal Contra Adolescentes e Jovens (PRVL), que nasceu da soma das experiências do Observatório de Favelas e de iniciativas do Unicef e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidencia da República em 2007, é um dos poucos estudos que se debruçam sobre este segmento específico.


Os resultados do Índice de Homicídios na Adolescência, apurado pelo PRVL, apontam que as chances de ser assassinado são 12 vezes maiores para jovens do sexo masculino e 3 vezes maiores para negros. “Verificamos que 46 % das mortes de adolescentes são por homicídio, a maioria por arma de fogo. Fizemos uma projeção do número de mortes que devem acontecer se esta tendência se mantiver e um dos objetivos da pesquisa é informar o poder público para que tome medidas capazes de evitar que esta projeção se realize”, esclarece Raquel.


O historiador Amauri Mendes Pereira, professor de História da África e do negro no Brasil, demonstrou com citações de grandes intelectuais e registros das casas legislativas do país como o racismo está presente no pensamento e nas leis brasileiras. “A alta intelectualidade produz as condições para naturalizar o racismo. E cultura é muito mais difícil de mudar do que política”, analisa Amauri. Trechos de obras de autores respeitados apontam a miscigenação como causa da instabilidade brasileira. Leis, propostas de legislação e discursos de parlamentares apontam como solução para este problema o “branqueamento” da população, através do estímulo à migração europeia – principalmente do norte do continente – e restrições à entrada de asiáticos e africanos no país. A perplexidade diante das citações apresentadas tomou conta da assistência.


Polícia para quem?


A discussão enveredou pela questão da violência policial. Raquel apontou que a instalação de UPPs em favelas do Rio de Janeiro trouxe alguns avanços, mas também muitos novos conflitos. “De positivo, tivemos uma redução dos confrontos armados e da exposição ostensiva dos armamentos. Mas continuou havendo um controle armado do território. É como se, ao invés do tráfico ou da milícia, a polícia tenha passado a ser a nova dona da favela. E isso tem permitido que aconteçam muitas violações de direitos”, critica a psicóloga.


Outra ponderação que a pesquisadora faz é relativa à resolução do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana feita em dezembro do ano passado. O texto recomenda que os registros, boletins de ocorrência e inquéritos policiais não usem mais as expressões “auto de resistência” ou “resistência seguida de morte”. Estes termos são oriundos de uma medida administrativa criada durante a ditadura militar e são amplamente usados para encobrir os homicídios praticados por agentes de segurança pública, vitimando principalmente jovens negros das periferias. Pesquisa divulgada no início deste mês pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que os autos de resistência tiveram uma redução de 69 % no estado do Rio de Janeiro e as autoridades apontam a instalação das UPPs como principal motivo para esta diminuição. “Mas temos que avaliar se o que aconteceu foi só a mudança da nomenclatura ou se, de fato, mudaram as práticas”, questiona Raquel.


Para o professor Amauri, a questão da segurança pública passa por mudanças profundas no aparelho oficial. “Sem mexer na banda podre da polícia, nada de bom se faz em segurança pública”, acredita o historiador.


Raízes profundas


Amauri Mendes Pereira ressaltou que o Brasil não foi apenas a última nação das Américas a abolir a escravidão. “Fomos o primeiro país a receber escravos africanos, a mais antiga notícia de desembarque de negros escravizados é de 1522. O Brasil também foi o único país a ter escravidão em todo o território nacional e, por isso, é o que tem negros em todos os estados. O único outro país das Américas que tem população negra em toda sua extensão é o Haiti, que é pequeno. Outro dado importante é que, de todos os negros que foram tirados da África e traficados como escravos, a metade veio para o Brasil. Nenhum outro país do mundo teve uma escravidão tão longa e tão ampla como a que tivemos aqui”, ressalta o historiador.


A posição do professor quanto à questão da população afrodescendente – e de outras minorias – é muito clara. “O problema não é o negro, é o racismo. Assim como o problema não é a mulher, é o machismo. Não é o homossexual, é a homofobia”, defende. Mas o professor vai além e propõe um enfrentamento conjunto dos problemas. “Ao contrário do que muitas pessoas de esquerda defendem, a discussão sobre a luta de classe não é a única que importa. Pelo contrário, ela reúne outras questões, como o racismo, o machismo, a homofobia. As discussões devem ser feitas separadamente para que possam ser aprofundadas, mas não para que se criem fronteiras entre elas”, acredita Amauri.


Livro


Acadêmico tardio, segundo definição dele mesmo, o professor Amauri Mendes Pereira só conquistou seus títulos de Mestre e Doutor mais tarde. Mas não por falta de vontade ou empenho. “Quando eu quis estudar História da África na década de 70, nenhuma universidade oferecia o curso. Então, só pude fazer meu mestrado e meu doutorado na maturidade”, relata. “E, mesmo hoje, ainda são poucas as universidades que têm estudos nesta área”, acrescenta Amauri.


Mas a especialização que conquistou ao longo de sua carreira acadêmica não o impediu de produzir conhecimento para as pessoas comuns. Seu livro “Encruzilhadas na luta contra o racismo no Brasil” é, segundo ele mesmo, para todos. “É de leitura fácil, não é muito longo, custa barato”, esclarece.


O Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro fará um lançamento da publicação em sua sede, no próximo dia 26.

Fonte: Da Redação – Fetraf-RJ/ES