Trapaceiros da novela desprezam trabalhador bancário

Que a novela Império tem mostrado um festival de absurdos elitistas e preconceituosos, não é novidade. Escrita pelo dramaturgo Aguinaldo Silva, o folhetim das 21h da TV Globo traz figuras caricatas e maniqueístas, quase sempre demonstrando os preconceitos e a linha ideológica conservadora do autor e da emissora.

O último alvo desta metralhadora de pretensões elitistas foi a categoria bancária. Numa cena em que discutem como gastar a alta quantia de dinheiro que ganharam inesperadamente, os personagens Magnólia, interpretada por Zezé Polessa, e Severo, vivido por Tato Gabus Mendes, desprezam o trabalho dos empregados dos bancos. O diálogo, transcrito abaixo, exala preconceito de classe e zomba da organização sindical da categoria.


Severo: Tô cismado com uma coisa que o gerente do banco me falou mais cedo.


Magnólia: Cuidado com essa raça! Se bancário entendesse de dinheiro não vivia pobre e fazendo greve.


Severo: Mas é claro que entendem. Eles veem grana o dia todo.


Magnólia: Igual flanelinha vê carro!

Os personagens que mantém o diálogo ficaram ricos de uma hora para outra, após ganharem uma aposta em corrida de cavalos, e decidiram depositar o dinheiro num banco. A origem do dinheiro apostado não é nada nobre: Magnólia conseguiu chantagear o namorado da filha, o poderoso Comendador José Alfredo, e arrancou dele uma boa quantia. O marido, Severo, pegou o dinheiro e apostou num cavalo azarão. Enriquecidos da noite para o dia – sem nenhum esforço honesto – escondem a situação dos filhos e conhecidos, enquanto esbanjam dinheiro.

O curioso é que os dois personagens são os maiores trapaceiros da trama. Não trabalham, vivem de pequenos golpes e extorquem dinheiro dos próprios filhos – e se orgulham disso. Usar justamente estes dois para criticar e menosprezar uma categoria de 400 mil trabalhadores e sua organização sindical é, no mínimo, um disparate. O casal de malandros não pode falar mal daqueles que enfrentam pressão por metas e assédio moral, sofrem acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, encaram uma rotina dura e desgastante todos os dias.

O agravante é que os dois atores são talentosos e criaram personagens que, apesar da má índole, têm empatia junto ao público. Representados de forma cômica, os dois são considerados “inofensivos” e suas peripécias são motivo de riso. Mesmo o segmento mais conservador do público, que brada contra a corrupção na política, não enxerga que as práticas de Magnólia e Severo são justamente aquilo contra o que se revoltam.

Passado distante

Impressiona que o autor seja uma figura que, em outros tempos, lutou contra preconceitos. Nordestino e homossexual, Aguinaldo Silva foi um dos fundadores do lendário jornal O Lampião da Esquina, publicação alternativa voltada para o público LGBT que circulou de 1978 a 1981. Ex jornalista policial, Aguinaldo Silva se tornou roteirista de TV com o seriado “Plantão de Polícia” justamente por sua experiência nas matérias “mundo cão”.

Mas o dramaturgo tem se mostrado conservador nos últimos anos e passou a humilhar todos os que cruzam seu caminho. Em seu blog, Aguinaldo Silva se diz “do povo e com o povo”, diz que faz novela para o povo, elogia os pobres que vivem com dignidade, mas tem o hábito de ostentar os luxos a que tem acesso. Ressalta que, por mais que ame ser jornalista, que diz ser sua real profissão, abandonou a carreira em busca dos altos salários pagos aos roteiristas de TV. Seus desafetos são tratados com desprezo e seus queridinhos são endeusados. Implica com o programa Bolsa Família e faz o elogio do sucesso obtido através do trabalho – a meritocracia.

Por mais que se diga a favor dos pobres, Aguinaldo Silva não consegue esconder sua postura elitista. A cena em que dois de seus personagens humilham a categoria bancária é um exemplo disso.

Fonte: Da Redação – Fetraf-RJ/ES