Banco paga palestras de juízes do trabalho que julgam seus processos

Publicado em 06/09/2015

Quatro ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) receberam pagamentos do Bradesco para proferir palestras no banco desde 2013, mas não se declaram impedidos de julgar processos que têm o banco como parte.

O mais frequente é o atual corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro João Batista Brito Pereira, que, em dois anos e meio, recebeu R$ 161,8 mil do banco por uma sequência de 12 palestras.

O site do TST informa que Brito Pereira relata hoje dez processos envolvendo o Bradesco no tribunal, a mais alta instância da Justiça trabalhista. Ele também atua em casos de interesse do banco sem ser relator, mas o site não informa esse total. Em seu histórico, já tomou decisões favoráveis e contrárias à instituição.

Os outros três magistrados que receberam do Bradesco são o presidente do TST, Antonio José de Barros Levenhagen, que ganhou R$ 12 mil por uma palestra e aparece como relator de seis casos; Guilherme Augusto Caputo Bastos, R$ 72 mil por seis palestras, 170 ações relatadas; e Márcio Eurico Vitral Amaro, que relata 152 processos, mas não informa quanto recebeu.

Os dados sobre as palestras e os pagamentos foram fornecidos pelos próprios magistrados em resposta a um pedido da Folha com base na Lei de Acesso a Informações.

Nesses eventos, os ministros trataram de temas como dano moral, terceirização e novas súmulas, entre outros. Eles sustentam que não há conflito de interesse em jogo e que os serviços prestados ao banco não interferem nos julgamentos.

A reportagem perguntou ao Bradesco quanto investe em palestras de magistrados e se membros de outras cortes também costumam ser contratados, mas o banco não respondeu. Afirmou apenas que proporciona “meios de atualização profissional aos seus colaboradores” e que esses meios “envolvem contratações de profissionais, conforme área de interesse”.

Regra

A Lei Orgânica da Magistratura, norma que define regras para a organização dos tribunais e o trabalho dos juízes, tem um artigo que permite o “exercício de cargo de magistério superior, público ou particular”. Mas não cita a hipótese de palestras fora de estabelecimentos de ensino.

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) já produziu resolução sobre patrocínio de empresas privadas em eventos da magistratura. Mas nunca abordou a questão específica de palestras remuneradas.

Em relação ao impedimento no instante de julgar, a legislação também é omissa.

Entre as regras do Código de Processo Civil que determinam o impedimento da atuação do juiz numa ação estão as situações em que o magistrado, seu cônjuge ou parente é parte do processo.

A mesma norma diz que o juiz pode declarar a própria suspeição quando sente que há algum conflito ético. Mas é uma decisão de foro íntimo, que depende da convicção do próprio magistrado.

Procedimento

Dos 27 ministros do TST, 24 responderam ao questionário da Folha que pedia a lista de palestras ministradas desde 2013 com data, local, contratante e remuneração bruta.

O maior grupo é o de oito ministros que nada cobraram por palestras. Entre eles estão Ives Gandra da Silva Martins Filho, que disse ter feito 17 palestras, e Kátia Magalhães Arruda, que listou 15 eventos.

Quatro ministros afirmaram que não deram nenhuma palestra desde 2013. E outros oito declararam remuneração em ao menos uma, mas na maioria desses casos foram eventos para faculdades, associações ou órgãos do próprio Judiciário. A maioria recebendo entre R$ 1.000 e R$ 2.000 por evento.

Os exemplos de empresas privadas que remuneraram ministros por palestras são minoria. Além do Bradesco, há uma firma de engenharia chamada LGF e o Grupo Libra, que administra concessões no setor portuário.

Nesses casos, porém, a Folha não identificou ações no tribunal. Na lista de contratantes também há entidades sindicais de patrões e de empregados. Caputo Bastos, por exemplo, diz ter recebido R$ 10 mil por uma palestra na Fecomércio (Federação do Comércio de São Paulo) e outros R$ 10 mil para falar à Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso.

A Firjan (Federação da Indústria do Rio) investiu R$ 15 mil para ouvir Levenhagen. E o ministro Douglas Alencar Rodrigues diz ter recebido R$ 15 mil da Força Sindical do Paraná e outros R$ 15 mil da confederação de metalúrgicos, ligada à Força Sindical.

Três ministros não informaram os contratantes de suas palestras: Aloysio Corrêa da Veiga, Cláudio Mascarenhas Brandão e João Oreste Dalazen. Só disseram que esses rendimentos foram declarados no Imposto de Renda.

Magistrados Palestrantes

Ministros receberam remuneração do Bradesco para dar palestra, mas não se declaram impedidos de julgar casos envolvendo o banco

 Magistrados palestrantes Antonio José
de Barros Levenhagen
Guilherme Augusto
Caputo Bastos
João Batista
Brito Pereira
Márcio Eurico
Vitral Amaro
Quantas palestras deu no banco* 1 6 12 Não informa
Quanto recebeu, em R$ mil 12 72 161,8 Não informa
Quantos casos do banco relata o TST 6 170 10 152

*De janeiro de 2013 a junho de 2015 Fonte: ministros TRANSPARÊNCIA

O TST foi mais transparente que o STF (Supremo Tribunal Federal) e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) diante dos pedidos da Folha sobre palestras de seus membros.

Dos dez ministros do STF à época, só Celso de Mello respondeu, dizendo que não deu palestras. Dias Toffoli deu resposta incompleta. A Folha reiterou os pedidos. Rosa Weber afirmou não ter dado palestras; Luís Barroso disse que isso constitui atividade particular. Os outros sete ignoraram.

O STJ reuniu os pedidos feitos aos 33 gabinetes, disse que não tem os dados organizados e não é obrigado a produzi-los.

Outro lado

Os ministros do TST que receberam do Bradesco para proferir palestras dizem que, nos eventos, jamais trataram de aspectos específicos das ações envolvendo o banco.

“As palestras não retiram minha isenção […] Foram de temas genéricos e não ensejaram discussão sobre caso específico”, disse João Batista Brito Pereira. A remuneração, afirmou, foi definida pelo banco sem sua interferência.

Antonio José de Barros Levenhagen disse que não se deu por impedido de apreciar recursos de agravo de instrumento que tem o Bradesco como parte pois, em sua palestra, não tratou “de nenhum caso concreto de interesse do contratante”: “A única palestra que proferi para advogados do grupo Bradesco enfocou, apenas, tema teórico relacionado à contemporaneidade do Direito do Trabalho”.

Guilherme Augusto Caputo Bastos disse que não se declara impedido porque o caso “não estaria enquadrado em nenhuma das hipóteses (de impedimento) tratadas no CPC (Código de Processo Civil)”. Ele ressalta: “Nunca mereci de nenhum demandante contra o Bradesco a arguição da pecha de impedido ou suspeito para atuar no caso”.

Márcio Eurico Vitral Amaro disse ter a consciência tranquila pois todas suas decisões seguiram a jurisprudência majoritária da corte.

“Desafio a quem quer que seja que demonstre que eu possa ter de algum modo distorcido o enquadramento jurídico que o tribunal normalmente confere às questões submetidas a seu julgamento.” Ele disse ainda que os honorários foram de acordo com os valores de mercado.

Douglas Alencar Rodrigues, que recebeu de entidades sindicais, disse que aceita todos os convites que recebe “por considerar que a participação em eventos de cunho científico, remunerados ou não, representa excepcional oportunidade para troca de experiências”.

O Bradesco não respondeu aos questionamentos da Folha sobre magistrados de outras cortes contratados, critérios para pagamento e gasto total em palestras desse tipo.

Diante das perguntas, informou, por nota: “O Bradesco, por meio de sua Universidade Corporativa, proporciona condições e diferentes meios de atualização profissional aos seus colaboradores. Esses meios incluem treinamentos formais técnicos, acadêmicos, palestras, cursos on-line, dentre outros programas que, por sua vez, envolvem contratações de profissionais, conforme área de interesse”.

 

 

Ricardo Mendonça, Editor-Adjunto de Poder
Alexandre Aragão, de São Paulo

Colaborou MARCELO SOARES editor de “Audiência e Dados”

 

 

 

Fonte: Folha de São Paulo