A festa do corpo

Frei Betto *

Corpus Christi é a festa em que a Igreja Católica celebra a instituição do sacramento da eucaristia. No século 13, santa Juliana, francesa, viu em sonho, aos 16 anos, a Lua com pequena mancha escura. Interpretou como sendo a Igreja iluminada por suas festas e, a mancha, sinal da ausência de data dedicada ao Corpo de Cristo.

O cristianismo é a religião do corpo, malgrado as sequelas platônicas. No Credo, proclamamos nossa fé, não na ressurreição da alma ou do espírito, mas na “ressurreição da carne”.

A cultura da morte faz do corpo objeto de sujeição. A pessoa é reduzida à força de trabalho. Suga-se de seu corpo toda a vida, sem que lhe pague o salário justo para que possa florescer em sua potencialidade espiritual: cultura, lazer, criatividade.

Tais direitos ficam restritos àqueles que podem gravitar em torno do culto hedonista do corpo. Há um infindável estímulo consumista para exaltar a estética do corpo: publicações, cosméticos, academias de ginásticas, cardápios diet etc.

A cultura da vida sacraliza o corpo. Para Jesus, ele é morada de Deus. A própria divindade se faz corpo no homem Jesus. A quem lhe indagou o percurso para a vida eterna (o doutor da lei, Zaqueu, Nicodemos etc.), Jesus respondeu com ironia.

A quem lhe pediu vida nesta vida, um corpo saudável como expressão do dom maior de Deus, Jesus atendeu com amor: o cego que pediu a cura para recuperar a visão, o paralítico que desejou andar, a mulher atormentada pela hemorragia, o homem da mão seca que suplicou por saúde.

Jesus restaurou corpos (milagres); alimentou corpos (partilha dos pães e dos peixes); celebrou corpos (bodas de Caná e o Reino de Deus comparado a banquetes).

ma sociedade que segrega corpos pela cor da pele ou submete-os por relações injustas de trabalho é contrária aos princípios do Evangelho.

O corpo de Deus, em Jesus, é rejeitado, difamado, preso, condenado, torturado, crucificado. Contudo, “no primeiro dia da semana”, seu corpo ressuscitou, primícia e promessa de que nossos corpos haverão de vencer a morte.

Jesus permanece entre nós na forma de pão. Todo pão que se partilha é eucaristicamente dotado de presença divina. Pães materiais – salário digno, emprego, direitos reconhecidos; e pães simbólicos – o gesto de carinho, a solidariedade, o amor.

Nosso corpo traz a história do Universo. Todas as células foram tecidas por moléculas feitas de átomos engendrados no Big Bang e cozinhados no calor das estrelas. Somos feitos de matéria estelar. Na intimidade atômica, cada partícula é também onda, como se a natureza risse de nossa lógica cartesiana incapaz de apreender que toda matéria, inclusive o nosso corpo, é energia condensada.

Espírito não é algo que se opõe à carne, mas sua expressão mais profunda e luminosa. É fantástico que a própria natureza, em trajes bordados pela química e em baile ritmado pela física, tenha aflorado em seres dotados de inteligência capaz de decifrar os seus enigmas e apreender o seu sentido.

* Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (Agir), entre outros livros.


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Fonte: Frei Betto