As mudanças no Setor Elétrico Brasileiro

Renovação das concessões, redução de tarifas e possíveis impactos aos trabalhadores


O governo federal anunciou, por meio da Medida Provisória 579, um conjunto de ações para o setor elétrico. Para diminuir as tarifas de energia, serão eliminados dois encargos, outro será reduzido em 75 % e será antecipada a data final das concessões(1) do setor elétrico, que terminariam nos próximos 60 meses. Com a antecipação do vencimento das concessões, empresas que fizerem a adesão a este modelo e que tenham investimentos a serem amortizados(2) receberão antecipadamente esses recursos e passarão a gerar e transmitir energia recebendo um valor pela prestação dos serviços de operação e manutenção, que deverá ser regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).


De acordo com o governo, com essas mudanças haverá uma redução das tarifas de 20,2 % , em média, sendo 7,0 pontos percentuais por conta das mudanças nos encargos e 13,2 pontos percentuais devido à renovação das concessões. O efeito para os consumidores residenciais está estimado em 16,2 % de queda nas tarifas. Para os demais – consumidores de energia de alta tensão – a redução variará de 19 a 28 % , já que os custos com transmissão e distribuição variam entre eles, a depender da tensão.


Para melhor entender as razões dessas medidas, é preciso considerar que o setor elétrico brasileiro passou por profundas mudanças desde a década de 1990. As mudanças significaram a introdução de uma lógica fundamentalmente mercantil no setor, especialmente na geração e na comercialização da energia, com muitas privatizações. O argumento foi, por um lado, de garantir o fornecimento por meio da ampliação da oferta e, por outro, através da concorrência, conquistar a modicidade tarifária. Contraditoriamente, ao longo desses anos, vivemos um período de racionamento, pequenos e grandes apagões, enquanto a tarifa tornou-se uma das mais caras do mundo, apesar de a energia elétrica brasileira ser proveniente de hidrelétricas – uma das fontes mais limpas e baratas. Apesar de o aumento dos preços estar associado a essa lógica mercantil, essa situação tem sido atribuída por muitos à estrutura tributária e de encargos incorporados na tarifa. No entanto, mesmo quando se mede apenas os custos com geração, transmissão e distribuição, o país figura entre os que têm a energia elétrica mais cara do mundo.


Por esta razão, apesar de ser um serviço público, o setor se transformou em um dos grandes geradores de lucros. Para se ter uma ideia, só nos últimos cinco anos, entre as 12 maiores distribuidoras de dividendos aos acionistas, nove são empresas de energia elétrica privadas. Essa situação ocorreu ainda em um contexto de profunda precarização das condições de trabalho, marcada pela regressão nas condições de segurança, aumento do número de mortes no setor, especialmente entre os trabalhadores terceirizados, já que mais de 50 % do pessoal ocupado não são do quadro próprio das empresas.


Em grande medida, a precarização do trabalho nos últimos anos pode ser atribuída ao modelo tarifário existente na distribuição, em que as empresas são fortemente estimuladas à redução dos custos operacionais. Para a agência reguladora, empresa eficiente é aquela que tem custo operacional abaixo do regulatório(3), independentemente da forma como se dá essa redução. A consequência tem sido a precarização das condições de trabalho com reduzidos efeitos sobre a tarifa, tendo em vista que o peso das despesas com pessoal no custo final ao consumidor é muito pequeno.
No modelo tarifário aplicado às tarifas nas empresas de distribuição, não é reconhecida grande parte do conteúdo dos acordos e normas de trabalho acertados com as entidades sindicais. Desse modo, apesar da necessária redução da tarifa de luz, é correto avaliar que, a partir do momento em que a Aneel passar a regular as tarifas de geração e transmissão dos empreendimentos renovados, deverá ser reproduzido o mesmo modelo de exploração dos trabalhadores existente nas empresas de distribuição, com possíveis impactos negativos sobre o funcionamento geral do sistema. Como o modelo é incentivador da redução de custos, a cada revisão é estabelecido um novo padrão de custo operacional, sempre abaixo do anterior, reproduzindo de forma cíclica a degradação das condições de trabalho. Essa situação, hoje restrita aos que trabalham no segmento de distribuição, deverá em breve atingir os demais que atuam no setor, o que exigirá forte organização sindical para que o preço da redução tarifária não recaia sobre os trabalhadores.


(1) Concessão pública é a forma pela qual a Administração Pública – nesse caso do setor elétrico é a União – transfere a outra entidade jurídica – uma empresa, por exemplo – a execução de um serviço público.


(2) Nesse caso, a amortização significa o total pagamento do investimento realizado, feito ao longo dos anos por meio de “abatimento” no balanço contábil das empresas. Trata-se de investimentos na construção ou na manutenção de ativos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.


(3) O custo regulatório é calculado pela Aneel com base em informações de custos das empresas do setor. Tem como finalidade estabelecer um “padrão” de estrutura de custos “eficiente”, para servir como referência ao setor. Em tese, essa estrutura tende a beneficiar o consumidor, uma vez que não permite que custos acima do estabelecido sejam repassados para as tarifas de energia elétrica. Ao mesmo tempo que, na prática, esse custo regulatório eficiente tem levado às empresas buscarem a redução de custos com pessoal, que tem levado à terceirização e à precarização das condições de trabalho.

Fonte: Dieese