Nos dias 14, 15 e 16 de julho o secretário-geral da Fetraf-RJ/ES, Sérgio Farias, esteve em Lima, no Peru, participando do Seminário Internacional dos Bancos Públicos, uma iniciativa da Aliança Latino-Americana em Defesa dos Bancos Públicos, ligada à Uni-América Finanças, o braço latino-americano da Uni Global Union para o marcado financeiro. Ao retornar do evento, Sérgio Farias preparou um relatório do que viu o e ouviu durante o evento.
Logo de início, houve um painel em que foi apresentada a tendência mundial, hoje, do esvaziamento dos bancos federais, já que o setor bancário nos Estados Unidos, Europa e Japão se caracteriza quase que 100 % como privado. Mesmo em outras economias emergentes como China, Índia, Rússia e África do Sul, a atuação de bancos federais se apresenta em setores muito específicos, e com pouquíssima atuação real de mercado.
Somente na América Latina, há uma atuação forte dos bancos federais, principalmente no Brasil, pois em outros países como o próprio Peru, além da Colômbia e Chile existe a tendência de privatização desses bancos. Mas também é importante refletir que o PL 4330 corrobora com a tese de enfraquecer a existência dos bancos federais.
Isso nos faz pensar que a existência de bancos federais nas economias latino-americanas se justifica pela necessidade de ofertar crédito de curto e longo prazos em setores que não interessam ao setor privado. O financiamento de investimentos de longo prazo com baixa taxa de retorno, bem como o incentivo ao desenvolvimento regional, também justifica a sua existência.
Com efeito, os empresários precisam alongar a estrutura de seus passivos. Este alongamento de prazos (funding) pode ser provido via mercado de capitais ou de crédito. E como no caso ocorre em países latino-americanos, suas economias, com mercados de capitais pouco desenvolvidos, é comum o uso de instituições financeiras de desenvolvimento, em geral constituídas sob a forma de bancos federais, operando com crédito direcionado e taxas de juros inferiores às de mercado, para permitir que os investidores tenham acesso a fontes de recursos e instrumentos financeiros indisponíveis pelo setor privado. Pelo menos é isso que ocorre, em tese.
Estes recursos possibilitam a constituição de passivos de prazos mais longos, adequados às estruturas de ativos, permitindo, assim, a expansão dos investimentos. Nessa perspectiva, os bancos federais comerciais e de desenvolvimento desempenham papel crucial no financiamento e na coordenação dos projetos de investimento, reduzindo seus riscos.
Lembrando que no caso do Brasil, existe grande necessidade desse fomento nos Estados do Norte e Nordeste.
Conforme foi citado no evento, os críticos da existência de bancos federais apresentam alguns argumentos que justificam a sua não existência: 1) comprometimento do caráter de banco público, pela necessidade de concorrer pela captação de recursos utilizando expedientes típicos de bancos privados; 2) Efeito Crowding-out com os bancos privados, o que significa que o banco federal ocupa o espaço que poderia ser utilizado pelo banco privado; 3) prestação de serviços em condições de menor eficiência que o setor privado, com ônus para o controlador e para a sociedade.
Não obstante as críticas acima, foi destacado que, principalmente no Brasil, podemos elencar diversas razões para justificar a existência de bancos federais. Em primeiro lugar, um banco público permite ampliar a oferta de crédito em condições mais favoráveis, em um país marcado por crédito caro e com dificuldades de oferta para diversos segmentos. Neste caso, destacam-se os benefícios da capilaridade da rede comercial para alcançar beneficiários potenciais, em especial nas condições de concentração dos serviços da rede bancária privada nas áreas de renda mais alta dos centros urbanos. Este é o caso de bancos comerciais ou de desenvolvimento atuando no desenvolvimento regional.
Todos foram unânimes em afirmar que, de fato, a concentração de crédito no Brasil, muito ressaltada no evento como a mais desigual do continente, vem revelando a importância de atuação de bancos federais como coadjuvantes no processo de desconcentração regional. Segundo estudos, mesmo com a intensa atuação desses bancos nos últimos 12 anos, a concentração de crédito não diminuiu, o que coloca um desafio adicional aos bancos públicos no Brasil, que é contribuir para a desconcentração regional.
Em segundo lugar, ampliar a capacidade de atendimento das demandas financeiras dos beneficiários de programas públicos que incluem o recebimento e o acesso regular a recursos financeiros. Os beneficiários de programas de microfinanças e crédito agrícola, além de programas para microempreendedores urbanos, são alguns dos programas que, em geral, o setor financeiro privado não encontra incentivos para atuar.
Finalmente, é de se destacar o papel anticíclico e de apoio à política econômica em momentos de instabilidade que os bancos federais podem exercer, o que colocou o Brasil numa posição diferenciada na Crise de 2008, diferente do que ocorreu nas economias da Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Guianas. Naquela ocasião, se não fosse a atuação do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal que, sob ordens expressas do governo federal, baixaram os juros, o Brasil teria sofrido uma grave crise provocada pela baixa oferta de crédito, já que os bancos privados praticavam uma taxa de juros que inviabilizava a tomada de empréstimos pela população. Foi destacada que o caso da Venezuela é muito singular e não entra nesta estatística.
A relevância da presença de grandes bancos comerciais públicos se verifica em momentos de crise econômica, quando os riscos de fragilização de bancos privados podem provocar retração do crédito interbancário e fuga de recursos para moeda estrangeira. Os problemas de desconfiança podem ser minimizados com o acúmulo de depósitos nos bancos comerciais públicos, o que lhes permite manter o crédito de curto prazo para o público, bem como o interbancário.
Dentre os exemplos citados foram as relevantes atuações dos bancos federais como fornecedor de liquidez ao sistema financeiro no Brasil ocorreu na crise cambial e financeira de 1995, com a desconfiança gerada pelos problemas que conduziram à intervenção em grandes bancos, e mais ainda nos episódios de 2008. Não apenas nesses casos da crise, os bancos públicos federais exerceram papel importante na diminuição dos spreads bancários, ao forçar uma maior concorrência.
O importante papel dos bancos federais na América Latina, principalmente no Brasil, nas crises evitaram o agravamento das dificuldades de liquidez no final de 2008, o Proer e o Proes modificaram substancialmente a estrutura do sistema bancário no Brasil após 1995. Lembrando que, na época, dos bancos estaduais existentes, dez foram extintos em 1996, seis privatizados pelos governos estaduais, sete federalizados para posterior privatização, cinco reestruturados com recursos do Proes e três não participaram da reestruturação.
Conforme um painel sobre a expansão dos bancos estrangeiros na América Latina, foi mostrado que houve um relativo encolhimento do segmento privado, mas em maior proporção do segmento público, de tal sorte que a participação dos bancos privados no total de ativos do sistema recuou, segundo dados da Uni Américas, de 41 % em 1994 para 33 % em 1999, vindo a recuperar-se em seguida, atingindo 50 % em 2007. A participação no total de depósitos dos bancos federais reduziu-se de 16 % para 7 % entre 1994 e 2008; no total de créditos, de 19 % para 6 % ; no patrimônio líquido total, de 11 % para 7 % . Lembro mais uma vez que a Venezuela não entra nessa estatística.
A despeito desta queda, segundo a Uni-Américas, no Brasil o papel das instituições federais no setor bancário permaneceu relevante, seja no volume de depósitos, seja nas operações de crédito, em razão da presença do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, que representavam 23,2 % do total de ativos em 2008. Exatamente por isso, o fornecimento de liquidez pelos desses bancos na crise de 2008 amenizou um pouco seus efeitos deletérios, confirmando a importância dos bancos públicos comerciais e de desenvolvimento no Brasil.
Ao final participamos de um ato publico contra a privatização do Banco de La Nación, no centro financeiro de Lima. Embora que o sindicato do banco (lá como nos Estados Unidos e Europa, o sindicato eh por empresa) esteja bastante mobilizado, a tendência eh que o Congresso aprove a sua privatização. Como essa eh a tendência mundial, fiquemos atentos.
Fonte: Da Redação – Fetraf-RJ/ES