Bancos reagem à pressão por cotas

Sob ataque do Ministério Público, instituições testam formas de elevar o número de funcionários negros


Ivan Martins e Hugo Studart


Com atraso de algumas décadas, a chamada democracia racial brasileira foi parar na Justiça. Neste exato momento, procuradores do Ministério Público do Trabalho preparam duas centenas de ações contra os grandes bancos privados, acusando-os de discriminação racial. O MP está exigindo que os bancos implementem políticas afirmativas para aumentar o número de funcionários afro-descendentes. Os procuradores querem que os bancos estabeleçam prazos para melhorar as suas estatísticas raciais. Alegam que 43% da população brasileira é de afro-descendentes e que o percentual de funcionários negros no mercado financeiro flutua entre 2% e 15%, dependendo do Estado. “O objetivo é obrigar as empresas a implementar políticas afirmativas”, diz, Otávio Brito Lopes, sub-procurador Geral do Trabalho e autor dessas primeiras ações. “Aceitamos negociar acordos, mas os bancos precisam apontar metas e prazos.”
Essas ações são parte de um processo crescente de politização das relações raciais no País. Depois de 118 anos de desconforto silencioso, o cenário criado pela Abolição parece estar batendo à porta. “Chegou a hora de levar a questão das cotas raciais para a economia”, diz o advogado Humberto Adami Santos Jr., presidente do Instituto de Advocacia Racial e autor da representação que levou o MP a acionar os bancos. O primeiro sintoma de que o quadro está mudando surgiu na universidade pública. Ali, desde 2004, estão sendo criadas cotas para jovens negros ou esquemas de compensação para minorias nos vestibulares. Agora a onda chegou aos bancos. “Temos uma cultura democrática, não praticamos qualquer espécie de discriminação”, reage Milton Matsumoto, diretor de Recursos Humanos do Bradesco. Do ponto de vista do maior banco brasileiro, que tem cerca de 13% dos seus 73 mil funcionários auto-identificados como negros ou pardos, seria uma violência adotar cotas ou metas de elevação percentual de grupos minoritários. Mesmo assim, a pressão do Judiciário e dos grupos organizados está fazendo efeito.
Sob ataque, os bancos estão recorrendo a instituições como a faculdade paulistana Zumbi dos Palmares, voltada para formação de jovens negros, em busca de quadros. “A empresas perceberam que há vantagens na diversidade e estão dispostas a fazer parcerias”, diz o reitor José Vicente. O Bradesco está treinando 30 estagiários da Zumbi e o Itaú recebeu outros 20 estudantes. A idéia é admitir pelo menos parte deles depois do curso. “É preciso ter ações afirmativas. A sociedade tem uma dívida”, diz Fernando Perez, diretor de RH do Itaú. Preocupado com a mesma questão, o ABN-Amro eliminou a exigência de inglês nos testes de ingresso, porque ela barrava jovens negros no processo seletivo. Maria Cristina Carvalho, do RH do banco, diz que a orientação é mudar a cultura interna e abrir espaço para minorias. “Vamos avançar devagar”, diz ela. Cotas ou metas, nem pensar. Nenhum banco aceita – para indignação dos ativistas. “As empresas trabalham com metas numéricas em todas as suas atividades, mas quando se trata de inclusão de funcionários negros elas se recusam. Por quê?”, indaga o professor Hélio Silva, do Instituto Brasileiro de Diversidade.

Fonte: Isto É Dinheiro