Pesquisa mostra que metade dos clientes de financeiras só sabe quanto custa a parcela
Bruno Rosa
Metade dos cariocas que tomam empréstimos numa financeira saem sem saber sequer a taxa de juros cobrada. Levantamento feito pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) revela que a maior preocupação dos consumidores é conferir se o orçamento comporta o valor mensal das parcelas. Pior: o dinheiro é o mais caro do mercado, seguido de perto pelo rotativo do cartão de crédito, mas a maioria dos consultados aproveita o crédito fácil e rápido para pagar outras dívidas, além de comprar bens e realizar obras em casa.
– Os consumidores não têm noção de quais são as taxas de juros cobradas. Eles só querem saber o valor mensal. Como, na maioria dos casos, as financeiras utilizam tabelas apenas com os valores das prestações, os entrevistados acabam não perguntando quais são os juros embutidos. – explica Cecília Mattoso, professora e pesquisadora da ESPM Rio, para quem o consumidor sabe perfeitamente que paga caro pelo crédito, mas vê nas financeiras a única saída para não ficar com o nome sujo na praça.
A maioria (56,2%) dos que tomam dinheiro emprestado integra as classes C e D. Por isso, na avaliação de Cecília, são mais suscetíveis a problemas como doença ou desemprego. Para ela, a máxima de que ”pobre é bom pagador” é enganosa. As financeiras atestam: a inadimplência aumentou este ano, atingindo 14%, contra 11% a 12% no fim do ano passado. Nos bancos, os maus pagadores respondem por 5% a 6% do total.
– A renda dessas famílias é muito pequena. Eles podem ficar sem emprego de um dia para outro e não possuem nenhum tipo de reserva financeira. Por isso, com medo de não conseguir pagar alguma parcela de um financiamento, recorrem a um dos créditos mais fáceis do mercado e, também, um dos mais caros – completa Cecília.
Na pesquisa, foram ouvidas 100 pessoas, na primeira quinzena de março, em financeiras do Centro do Rio. É um público geralmente sem acesso ao sistema bancário e que se sujeita às condições mais adversas do mercado de crédito, comparáveis apenas às impostas por agiotas.
– Como 65% dos entrevistados não têm acesso a bancos, comparam as taxas com as cobradas por agiotas. E, por isso, não acham as cobranças mensais tão caras. A maioria dos entrevistados é de trabalhadores informais. Por isso, têm de recorrer a empresas que não pedem comprovantes de renda – ressalta Cecília.
Cerca de 20% dos entrevistados pedem empréstimos superiores a R$ 1 mil. O valor é superior à renda média familiar, de R$ 950, o que eleva o risco de inadimplência.
– Com o boom do crédito, os brasileiros estão consumindo mais do que o orçamento comporta. Por isso, cerca de 70% dos entrevistados pagam uma dívida com outra. Além disso, mais da metade estão utilizando o crédito pela segunda ou terceira vez – afirma a pesquisadora.
Dívida para pagar outra
Sem saber quais os juros cobrados, a vendedora Dea Tereza, de 32 anos, faz parte dos 70% dos cariocas que quitam uma dívida enforcando-se com outra. Depois de entrar em um crediário de 24 meses para a compra de um fogão, perdeu o emprego. Com medo de ter seu nome sujo na praça e ainda ficar sem o produto, ela foi a uma financeira há dois meses e acertou um empréstimo de R$ 1 mil em 24 parcelas de R$ 80. No sexto mês, não conseguiu honrar o compromisso.
– Achei que seria mais fácil, mas me enganei. Estou na financeira novamente para tentar alguma negociação. Prefiro pagar as prestações em 36 meses, mas nem sempre consigo. É a única forma de ter valores mensais menores. Mas não sei qual a taxa de juros que são cobradas – reconhecia Déa, enquanto esperava atendimento.
Na avaliação de Miguel José Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), cerca de 95% dos brasileiros não sabem quais as taxas de juros quando se submetem a um empréstimo.
– Os consumidores não perguntam e as empresas não mostram as taxas. A maioria entra sem saber e, às vezes, arca com juros astronômicos – explica Oliveira, lembrando que os juros cobrados pela financeira são, em média, de 271,62% ao ano e de 11,56% ao mês, contra 49,71% ao ano e 3,42% ao mês no Crédito Direto ao Consumidor (CDC) dos bancos.
Para Cecília Mattoso, professora e pesquisadora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) do Rio de Janeiro, os cariocas têm apelado a diversas práticas para obter acesso ao crédito, incluindo pedir a parentes que peguem o dinheiro emprestado e fazer acordos com agiotas para quitar dívidas com financeiras. Segundo ela, as financeiras fazem o cálculo das prestações mensais obedecendo o orçamento. Assim, só oferecem ao consumidor parcelas que representem até 30% do rendimento mensal.
– É uma bola de neve sem fim com uma renda pequena. – completa Cecília.
Fonte: Jornal do Brasil