Categorias
Artigos

Copa & cozinha

Frei Betto *


 


Em manifestação de rua em São Paulo, um homem maltrapilho segurava um cartaz: “Sou morador de rua. Quero Copa… cozinha, banheiro, sala, quarto e tudo que tenho direito.”

Estamos às vésperas da Copa do Mundo. Receberemos visitas em uma casa que ainda não está devidamente arrumada. Estádios são maquiados para disfarçar obras inacabadas e aeroportos se parecem a praças de guerra tamanha a poeira e os ruídos.

Se a sala da Copa ainda exige faxina, na cozinha o caldeirão ferve. O governo tem o azar de a Copa coincidir com o ano eleitoral. E demonstra que não aprendeu a lição das manifestações de rua na Copa das Confederações, em 2013.

Aquelas foram manifestações pacíficas, mobilizadas pelas redes sociais e “acéfalas”: sem discursos, partidos, siglas embandeiradas e propostas. Apenas protestos.

A opinião pública deu amplo apoio enquanto elas se mantiveram imunes aos provocadores que, ao depredar os patrimônios público e privado, jogaram parcela considerável da população contra os manifestantes.

Marx já advertira os operários, no século 19, que de nada adiantava quebrar máquinas de fábricas. A luta não é contra os patrões, é contra o sistema, dizia ele. Contudo, ainda hoje o esquerdismo perdura como “doença infantil do comunismo”, como diagnosticou Lênin, e a repressão policial se infiltra para desvirtuar os protestos.

O governo erra ao não dialogar com os movimentos sociais, em especial os da juventude. Parece não perceber o paradoxo: fez-se inclusão social, através de políticas sociais e medidas “contracíclicas”, mas não se promoveu inclusão política. Por mais espantoso que soe, esses doze anos de governo petista, sustentado por um esdrúxulo balaio de alianças, foram despolitizantes. Nutriram o bolso, não a consciência crítica.

É fato que o governo favoreceu o acesso do povo a bens pessoais. Qualquer barraco de favela contém geladeira, TV, máquina de lavar e telefones celulares. Desonerou-se a “linha branca”, congestionaram-se as ruas de carros graças ao crédito facilitado.

O que parecia um avanço resultou em equívoco. E os bens sociais? As manifestações pedem educação, saúde, transporte público e segurança “padrão FIFA”.

O processo de “aceleração do crescimento” deveria ter feito o percurso inverso, a exemplo da Europa Ocidental a partir da Revolução Industrial. Primeiro, educação de qualidade, sistema de saúde socializado e adequado, saneamento, metrôs e ferrovias. O que favoreceu o acesso aos bens pessoais, malgrado as duas guerras que afetaram o Velho Continente.

O PT não chegou ao Planalto graças à “Carta aos brasileiros” endereçada aos banqueiros e empresários. Chegou pela acumulação de forças dos movimentos pastorais, sociais e sindicais ao longo de 24 anos (1978-2002).

Não soube, porém, administrar esse capital político. Isolou-se no Planalto sem dar ouvidos à planície. Abandonou o trabalho de base, a ponto de já não dispor de militância voluntária em períodos eleitorais e se ver obrigado a remunerar jovens desocupados para segurar cartazes nas esquinas…

Agora, a cozinha invade a Copa. Tomara que o governo não troque as bolas pelas balas. Vamos torcer pelo Brasil! Para que vença a Copa e saiba ouvir o clamor da cozinha, cujos manifestantes, na falta de canais políticos confiáveis, aprenderam que governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão.

* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.


www.freibetto.org     twitter: @freibetto


 


 





Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele – em português, espanhol ou inglês – mediante assinatura anual via
[email protected]

Fonte: Frei Betto

Categorias
Artigos

Renasce o fascismo

Frei Betto*

Jean-Marie le Pen, líder da direita francesa, sugeriu deter o surto demográfico na África e estancar o fluxo migratório de africanos rumo à Europa enviando, àquele sofrido continente, “o senhor Ebola”, uma referência diabólica ao vírus mais perigoso que a humanidade conhece. Le Pen fez um convite ao extermínio.

O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy propôs a suspensão do Tratado de Schengen, que defende a livre circulação de pessoas entre trinta países europeus. Já a livre circulação do capital não encontra barreiras no mundo… E nas eleições de 25 de maio a extrema-direita europeia aumentou o número de seus representantes no Parlamento Europeu.

A queda do Muro de Berlim soterrou as utopias libertárias. A esquerda europeia foi cooptada pelo neoliberalismo e, hoje, frente a crise que abate o Velho Mundo, não há nenhuma força política significativa capaz de apresentar uma saída ao capitalismo.


 


Aqui no Brasil nenhum partido considerado progressista aponta, hoje, um futuro alternativo a esse sistema que só aprofunda, neste pequeno planeta onde nos é dado desfrutar do milagre da vida, a desigualdade social e a exclusão.

Caminha-se de novo para o fascismo? Luis Britto García, escritor venezuelano, frisa que uma das características marcantes do fascismo é a estreita cumplicidade entre o grande capital e o Estado. Este só deve intervir na economia, como apregoava Margareth Thatcher, quando se trata de favorecer os mais ricos. Aliás, como fazem Obama e o FMI desde 2008, ao se desencadear a crise financeira que condena ao desemprego, atualmente, 26 milhões de europeus, a maioria jovens.

O fascismo nega a luta de classes, mas atua como braço armado da elite. Prova disso foi o golpe militar de 1964 no Brasil. Sua tática consiste em aterrorizar a classe média e induzi-la a trocar a liberdade pela segurança, ansiosa por um “messias” (um exército, um Hitler, um ditador) capaz de salvá-la da ameaça.

A classe média adora curtir a ilusão de que é candidata a integrar a elite embora, por enquanto, viaje na classe executiva. Porém, acredita que, em breve, passará à primeira classe… E repudia a possibilidade de viajar na classe econômica.

Por isso, ela se sente sumamente incomodada ao ver os aeroportos repletos de pessoas das classes C e D, como ocorre hoje no Brasil, e não suporta esbarrar com o pessoal da periferia nos nobres corredores dos shopping-centers. Enfim, odeia se olhar no espelho…

O fascismo é racista. Hitler odiava judeus, comunistas e homossexuais, e defendia a superioridade da “raça ariana”. Mussolini massacrou líbios e abissínios (etíopes), e planejou sacrificar meio milhão de eslavos “bárbaros e inferiores” em favor de cinquenta mil italianos “superiores”…

O fascismo se apresenta como progressista. Mussolini, que chegou a trabalhar com Gramsci, se dizia socialista, e o partido de Hitler se chamava Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista (de Nationalsozialist).

Os fascistas se apropriam de símbolos libertários, como a cruz gamada que, no Oriente, representa a vida e a boa fortuna. No Brasil, militares e adeptos da quartelada de 1964 a denominavam “Revolução”.

O fascismo é religioso. Mussolini teve suas tropas abençoadas pelo papa quando enviadas à Segunda Guerra. Pio XII nunca denunciou os crimes de Hitler. Franco, na Espanha, e Pinochet, no Chile, mereceram bênçãos especiais da Igreja Católica.

O fascismo é misógino. O líder fascista jamais aparece ao lado de sua mulher. Como dizia Hitler, às mulheres fica reservado a tríade Kirche, Kuche e Kinder (igreja, cozinha e criança).

O fascismo é anti-intelectual. Odeia a cultura. “Quando ouço falar de cultura, saco a pistola”, dizia Goering, braço direito de Hitler. Quase todas as vanguardas culturais do século XX foram progressistas: expressionismo, dadaísmo, surrealismo, construtivismo, cubismo, existencialismo. Os fascistas as consideravam “arte degenerada”.

O fascismo não cria, recicla. Só se fixa no passado, um passado imaginário, idílico, como as “viúvas” da ditadura do Brasil, que se queixam das manifestações e greves, e exalam nostalgia pelo tempo dos militares, quando “havia ordem e progresso”. Sim, havia a paz dos cemitérios… assegurada pela férrea censura, que impedia a opinião pública de saber o que de fato ocorria no país.

O fascismo é necrófilo. Assassinou Vladimir Herzog e frei Tito de Alencar Lima; encarcerou Gramsci e madre Maurina Borges; repudiou Picasso e os teatros Arena e Oficina; fuzilou García Lorca, Victor Jara, Marighella e Lamarca; e fez desaparecer Walter Benjamin e Tenório Júnior.

Ao votar este ano, reflita se por acaso você estará plantando uma semente do fascismo ou colaborando para extirpá-la…


 


 



* Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.


 






Você acaba de ler este artigo de Frei Betto e poderá receber todos os textos escritos por ele – em português, espanhol ou inglês – mediante assinatura anual via
[email protected]

Fonte: Frei Betto

Categorias
Artigos

Impostos e maus serviços públicos. Quem são os culpados?

Artigo publicado em CartaCapital em 28/05/2014


 


Vagner Freitas *


 


Sei que o título soa inquisitório, porém parece adequado diante da guerra aberta em relação ao tema. Ainda sob o reflexo das jornadas de julho do ano passado e à espera dos protestos que provavelmente devem ressurgir neste ano de Copa do Mundo, precisamos voltar ao tema para fazer frente ao discurso predominante de que a carga tributária é abusiva e o poder público é o único culpado por todas as mazelas.


Não, não vamos absolver o poder público. Sua responsabilidade nesse estado de coisas, no mínimo, é não reunir força necessária para combater o imenso poder encastelado em suas estruturas a serviço de grandes grupos empresariais e do setor financeiro e especulativo. A disputa por esses espaços é um dos principais desafios de nossa democracia e uma das mais difíceis tarefas dos movimentos de origem popular, entre eles a CUT.


Mas é óbvio que apontar o dedo unicamente na direção da classe política é má-fe, especialmente quando por parte dos meios de comunicação, conhecedores dos meandros do poder, e tentativa de manipulação do justo descontentamento popular. Um desserviço ao debate político.


Portanto, vamos nos concentrar aqui em algumas diabruras praticadas pelo poder econômico, o mesmo que faz campanhas publicitárias para dizer que são amigos das pessoas de bem.


A começar pela montanha de dinheiro dos impostos que os bancos sugam todos os dias para receber os juros da dívida pública. Só no ano passado, 5, 14 % do PIB, segundo cálculos do tributarista Amir Khair, foram usados para rolar os juros da dívida que os governos das três esferas têm com os bancos. Isso representa a bagatela de R$ 257 bilhões, saídos do bolso dos trabalhadores direto para o caixa dos banqueiros.


Dívidas na maioria das vezes contraídas há muito mais tempo do que têm de vida os jovens que hoje clamam por melhores serviços de transporte, educação e saúde. Dívidas que já tiveram seu valor original pago múltiplas vezes, como qualquer auditoria provaria – e já provou no passado.


O poder econômico – destaque para as empreiteiras – agem em outras tantas frentes, como nas obras de grande porte que via de regra estouram o tempo de conclusão e o orçamento. No poder Legislativo, a representação de empresas e bancos é muito mais forte que qualquer outra, gerindo projetos destinados a servir uma minoria ou interferindo em outros para preservar essas mesmas minorias, como no caso recente dos planos de saúde.


Como os meios de comunicação atuam fortemente para disseminar um senso comum de que a culpa é toda do governo, perde-se a oportunidade de fomentar o protesto e a pressão contra o poder econômico que tantas vezes age contra os interesses nacionais, seja por suas ligações com multinacionais, seja por sua visão de curtíssimo prazo, mais atenta ao iate ou ao carro importado que os executivos querem comprar pra si do que num projeto de desenvolvimento digno do nome.


E essa confusão entre as responsabilidades do poder público e do grande capital nas mazelas brasileiras cola no imaginário. Evidência recente disso foi trazida por pesquisa feita pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Ao entrevistar 409 jovens entre 15 e 29 anos na capital paulista, a escola revelou que 75 % acreditam ser a cidade um bom lugar para se consumir, fazer compras, gastar dinheiro. Já os serviços públicos foram reprovados pela maioria.


Os dados deixam entrever que o prazer do consumo relaxa a imaginação e o espírito crítico do jovem em relação ao poder econômico que atua na cidade, aquele mesmo historicamente responsável pela desastrosa ocupação do solo, pela especulação que empurra os trabalhadores para as periferias, pelos graves problemas de mobilidade urbana, pela ausência de água e esgoto, entre outros problemas.


Os movimentos sociais devem insistir na denúncia do papel do poder econômico usurário e concentrador para que o debate político não caia no simplismo almejado pelos conservadores, sem se esquecer que tal denúncia será um instrumento a mais para pressionar os governos a enfrentar a questão. Se essa faceta das relações de poder permanecer escamoteada, será mais difícil de trazer a população para essa luta.


Luta que pretendemos fazer crescer em volume com nosso Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, já em plena fase de organização por todo o Brasil e que ganhará as ruas em setembro. Precisamos aprovar a reforma política e para tanto é indispensável definir todos os atores envolvidos, com o objetivo de reduzir ao máximo a influência do poder econômico nas decisões que afetam a maioria do povo.


Por fim, uma rápida passagem pela questão tributária, tantas vezes debatida pela CUT. Nossa carga tributária – em torno de 35 % do PIB – não sai do espectro encontrado em outros países em desenvolvimento ou desenvolvidos. Por outro lado, países com carga muito abaixo desse percentual enfrentam duros problemas para atender a demanda de suas populações, como é o caso de vizinhos na América Central. Não podemos desejar cenário semelhante. O nosso problema real é que os mais pobres brasileiros é que pagam a maior parte dos impostos, o que deveria ser alterado, com a inversão da pirâmide tributária. Voltaremos a esse tema.


 


* Vagner Freitas é presidente nacional da CUT

Fonte: Vagner Freitas

Categorias
Artigos

Envelhecer jovem

Frei Betto *

O título pode parecer paradoxal, mas faz sentido. Hoje em dia quase ninguém curte a velhice. Ou se assume como velho. Mesmo quem já atingiu idade avançada costuma fazer questão de dar a impressão de ser mais jovem.

Chamar alguém de “velho” é quase uma ofensa. Eu, que velho estou, costumo brincar que sou “seminovo”, como em revendas de veículos. O carro é velho, mas o adjetivo ajuda a iludir o freguês.

Ficar velho está cada vez mais caro. Tanto para o governo, obrigado a arcar com o crescente número de aposentadorias e pensões, e atendimento pelo SUS, quanto para o cidadão, impelido a investir em plano de saúde, academia de ginástica, medicamentos fitoterápicos e alimentação saudável, como frutas e legumes orgânicos.

Agora a Cellectis, empresa francesa de biotecnologia, coloca no mercado a iPS (sigla em inglês para designar células-tronco de pluripotência induzida). A última novidade em medicina regenerativa.


 


Para produzir iPS basta introduzir quatro genes em células maduras e, assim, estas regridem ao estado de células-tronco. Esse processo, descoberto pelo cientista japonês Shinya Yamanaka, assegurou-lhe o prêmio Nobel de Medicina, em 2012. As células-tronco obtidas por esse método (iPS) teriam a mesma capacidade que caracteriza as células embrionárias: transformar-se em novos tecidos e órgãos.

Quem deseja evitar a natural degradação de seu organismo e, desde já, estocar células da pele para que se tornem iPS, basta recorrer à empresa francesa Scéil, braço da Cellectis. A saúde em idade provecta não custa barato. A Scéil cobra US$ 60 mil (pouco menos de R$ 140 mil) para coletar as células, e uma taxa anual de US$ 500 (cerca de R$ 1,1 mil) para armazená-las. Por enquanto esse luxo está disponível apenas nos EUA, Reino Unido, Suíça, Dubai e Cingapura.

“As pessoas devem poder viver jovens”, alardeia André Choulika, presidente da Cellectis. Por enquanto é um luxo adotar esse procedimento de recauchutagem genética, mas pode-se recorrer, a preços mais em conta, a cirurgias plásticas por mero capricho estético. De preferência em regiões predominantemente frias, para justificar o uso de cachecol e luvas. Pescoço e mãos são traiçoeiros à vaidade senil: denunciam que o nosso corpo e a nossa idade não são tão jovens quanto o rosto remodelado.

No México, o Instituto de Medicina Regenerativa promete operar curas via células-tronco. Basta extrair 200 mililitros de gordura da coxa do paciente e, em seguida, colher cerca de 130 milhões de células-tronco para implantá-las no órgão enfermo. O procedimento custa, em média, US$ 13,5 mil (em torno de R$ 30 mil).

Além de jovialidade perene, muitos buscam a imortalidade (sem entrar para academias de letras). Como o limite natural da célula humana é de 130 anos, há esperança de que, graças às células-tronco, haja possibilidade de substituir células envelhecidas, com prazo de validade vencido, por novas.

O título de pessoa mais velha do mundo é atribuído à francesa Jeanne Calment, que viveu 122 anos (1885-1997). Passeou de bicicleta até os 100 anos, andou até os 115, e tinha o hábito de beber um copo de vinho e fumar um cigarro todo dia.

O boliviano Carmelo Flores Laura, índio Aimara, alega ter 123 anos, graças às longas caminhadas como pastor de gado e ovelhas. Para o Guinness de Recordes, ninguém ainda superou a japonesa Misao Okawa, de 115 anos. A chinesa Alimihan Seyiti afirma ter 127 anos. Seus maiores prazeres são beber água gelada, e cantar e brincar com crianças.

O curioso é que, em geral, vive muito quem não teme morrer. E sobretudo quem imprime à sua vida um sentido altruísta. A ansiedade de prolongar a existência a qualquer custo pode gerar na pessoa um estresse que lhe abrevia os dias.

Vi na TV, há tempos, Datena entrevistando um casal longevo, habitantes da zona rural paulista. Ele com 111 anos, ela com 108. O marido se mostrava mais lúcido que a mulher. O entrevistador perguntou a ele a que atribuía tão longa existência. Dieta? “Adoro um torresminho”, reagiu o homem. E beber? Não se fez de rogado: “Uma cachacinha antes da comida cai muito bem.” E fumar?, perguntou Datena. “Fumar? Nem pensar. Parei desde os 108.”

Importa na vida é ser feliz. E a felicidade não resulta da soma de prazeres nem do acúmulo de bens. É fruto do sentido que se imprime à existência.

* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.


 


 





Copyright 2014 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (
[email protected])

Fonte: Frei Betto

Categorias
Artigos

Publicidade e crianças

Frei Betto *



A visita de três dias do papa Francisco ao Oriente Médio, a partir de sábado, 24 de maio, visa a comemorar os 50 anos da viagem de Paulo VI à região, em 1964, quando se encontrou com o patriarca de Constantinopla, Athénagoras.


A viagem tem muitas implicações políticas. Ocorre em um contexto geopolítico complexo, agravado pela guerra na Síria, que entra em seu terceiro ano consecutivo e provoca forte impacto nos países vizinhos, sobretudo no que se refere à segurança e aos refugiados (1 milhão provenientes da Síria, acampados na Jordânia).


Após voar de Roma a Amã, o papa irá de helicóptero diretamente a Belém, onde será recebido por Mahmoud Abbas, presidente do Estado da Palestina. Será o terceiro chefe de Estado a dispensar Israel como “porta de entrada” nos territórios palestinos. Os dois primeiros foram o rei da Jordânia e o emir do Qatar.


À beira do rio Jordão, onde Jesus foi batizado por seu primo e precursor João Batista, Francisco encontrará refugiados sírios e palestinos. Em Belém, receberá famílias palestinenses e crianças dos campos de refugiados de Dheisheh, Aida e Beit Jibrin.


Hóspede de Mahmoud Abbas, o papa dará visibilidade e confirmará reconhecer o Estado da Palestina (reconhecido pelo Brasil desde 2010), o que sem dúvida cria um constrangimento diplomático aos países que ainda não o reconhecem, como Israel, EUA e toda a Europa Ocidental, excetuando Islândia e Malta.


No domingo, 25, e na segunda, 26, a agenda de Francisco em Israel prevê encontros com autoridades políticas e religiosas. Acompanhado por dois velhos amigos de Buenos Aires, o rabino Abraham Skorka e o professor muçulmano Omar Abboud, o papa enfatizará a importância do diálogo entre as religiões monoteístas.


O tríduo na Terra Santa, que abrange vinte etapas e quinze pronunciamentos, entre homilias e discursos, ocorre em um momento difícil entre o governo israelense e a Autoridade Palestina, cujas relações estão congeladas desde o acordo entre a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e o Hamas, no mês passado. O discurso papal diante do muro que separa a Cisjordânia está sendo aguardado com expectativa por palestinos e israelenses.


A questão mais delicada que Francisco terá de enfrentar é o caráter religioso de Israel, oficialmente um “Estado judeu e democrático”. Sobretudo porque a Palestina decidiu, há pouco, suprimir da carteira de identidade de seus cidadãos o item de identificação religiosa.


A diplomacia vaticana teme que a declaração de uma nação religiosa hebraica incentive países árabes a se proclamarem estados islâmicos, o que poderia favorecer o fundamentalismo e dificultar ainda mais o atribulado caminho da paz no Oriente Médio.


O recomendável seria estados democráticos, laicos, constituídos sobre a igualdade de direitos e deveres para todos os cidadãos. Ocorre que Francisco se encontra no olho do paradoxo: o Estado do Vaticano também é religioso, e seu chefe de Estado se confunde com o líder de uma determinada confissão religiosa, o catolicismo.


 


 


* Frei Betto é escritor, autor do romance “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org      twitter: @freibetto.






Copyright 2014 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (
[email protected])


 

Fonte: Frei Betto

Categorias
Artigos

Francisco em terreno minado

Frei Betto *



A visita de três dias do papa Francisco ao Oriente Médio, a partir de sábado, 24 de maio, visa a comemorar os 50 anos da viagem de Paulo VI à região, em 1964, quando se encontrou com o patriarca de Constantinopla, Athénagoras.


A viagem tem muitas implicações políticas. Ocorre em um contexto geopolítico complexo, agravado pela guerra na Síria, que entra em seu terceiro ano consecutivo e provoca forte impacto nos países vizinhos, sobretudo no que se refere à segurança e aos refugiados (1 milhão provenientes da Síria, acampados na Jordânia).


Após voar de Roma a Amã, o papa irá de helicóptero diretamente a Belém, onde será recebido por Mahmoud Abbas, presidente do Estado da Palestina. Será o terceiro chefe de Estado a dispensar Israel como “porta de entrada” nos territórios palestinos. Os dois primeiros foram o rei da Jordânia e o emir do Qatar.


À beira do rio Jordão, onde Jesus foi batizado por seu primo e precursor João Batista, Francisco encontrará refugiados sírios e palestinos. Em Belém, receberá famílias palestinenses e crianças dos campos de refugiados de Dheisheh, Aida e Beit Jibrin.


Hóspede de Mahmoud Abbas, o papa dará visibilidade e confirmará reconhecer o Estado da Palestina (reconhecido pelo Brasil desde 2010), o que sem dúvida cria um constrangimento diplomático aos países que ainda não o reconhecem, como Israel, EUA e toda a Europa Ocidental, excetuando Islândia e Malta.


No domingo, 25, e na segunda, 26, a agenda de Francisco em Israel prevê encontros com autoridades políticas e religiosas. Acompanhado por dois velhos amigos de Buenos Aires, o rabino Abraham Skorka e o professor muçulmano Omar Abboud, o papa enfatizará a importância do diálogo entre as religiões monoteístas.


O tríduo na Terra Santa, que abrange vinte etapas e quinze pronunciamentos, entre homilias e discursos, ocorre em um momento difícil entre o governo israelense e a Autoridade Palestina, cujas relações estão congeladas desde o acordo entre a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e o Hamas, no mês passado. O discurso papal diante do muro que separa a Cisjordânia está sendo aguardado com expectativa por palestinos e israelenses.


A questão mais delicada que Francisco terá de enfrentar é o caráter religioso de Israel, oficialmente um “Estado judeu e democrático”. Sobretudo porque a Palestina decidiu, há pouco, suprimir da carteira de identidade de seus cidadãos o item de identificação religiosa.


A diplomacia vaticana teme que a declaração de uma nação religiosa hebraica incentive países árabes a se proclamarem estados islâmicos, o que poderia favorecer o fundamentalismo e dificultar ainda mais o atribulado caminho da paz no Oriente Médio.


O recomendável seria estados democráticos, laicos, constituídos sobre a igualdade de direitos e deveres para todos os cidadãos. Ocorre que Francisco se encontra no olho do paradoxo: o Estado do Vaticano também é religioso, e seu chefe de Estado se confunde com o líder de uma determinada confissão religiosa, o catolicismo.

* Frei Betto é escritor, autor do romance “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org      twitter: @freibetto.



Copyright 2014 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária ([email protected])

Fonte: Frei Betto

Categorias
Artigos

Como nascem os preconceitos

Frei Betto *


 


García Márquez, em Doze contos peregrinos, conta a história de um cachorro que, todos os domingos, era encontrado no cemitério de Barcelona, junto ao túmulo de Maria dos Prazeres, uma ex-prostituta.

Com certeza se inspirou nas histórias reais de Bobby, um terrier de Edimburgo, Escócia, que durante catorze anos guardou o túmulo de seu dono, enterrado em 1858. Pessoas comovidas com a sua fidelidade cuidavam de alimentá-lo. O animal foi sepultado ao lado e, hoje, há ali uma pequena escultura dele e uma lápide, na qual gravaram: “Que a sua lealdade e devoção sejam uma lição para todos nós.”


 


Em Tóquio, ergueram também uma estátua, na estação Shibuya, em homenagem a Hachiko, cão da raça Akita que todos os dias ali aguardava seu dono retonar do trabalho. O homem morreu em 1925. Durante onze anos o cachorro foi aguardá-lo na mesma hora em que ele costumava regressar. Hoje, a estação tem o nome do animal.


 


Cães e seres humanos são mamíferos e, como tal, exigem cuidados permanentes, em especial na infância, na doença e na velhice. Manter vínculos de afeto é essencial à felicidade da espécie humana. A Declaração da Independência dos EUA teve a sabedoria de incluir o direito à felicidade, considerada uma satisfação das pessoas com a própria vida.


 


Pena que atualmente muitos estadunidenses considerem a felicidade uma questão de posse, e não de dom. Daí a infelicidade geral da nação, traduzida no medo à liberdade, nas frequentes matanças, no espírito bélico, na indiferença para com a preservação ambiental e as regiões empobrecidas do mundo.


 


É o chamado “mito do macho”, segundo o qual a natureza foi feita para ser explorada; a guerra é intrínseca à espécie humana, como acreditava Churchill; e a liberdade individual está acima do bem-estar da comunidade.


 


O darwinismo social é uma ideologia cujos hipotéticos fundamentos já foram derrubados pela ciência, em especial a biologia e a antropologia. Basta ler os trabalhos do pesquisador Frans de Waal, editados no Brasil pela Companhia das Letras. Essa ideologia foi introduzida na cultura ocidental pelo filósofo inglês Herbert Spencer, que no século XIX deslocou supostas leis da natureza, indevidamente atribuídas a Darwin, para o mundo dos negócios.


 


John D. Rockfeller chegou ao ponto de atribuir à riqueza um caráter religioso ao afirmar que a acumulação de uma grande fortuna “nada mais é que o resultado de uma lei da natureza e de uma lei de Deus.”


 


Na natureza há mais cooperação que competição, afirmam hoje os cientistas. O conceito de seleção natural de Darwin deriva de sua leitura de Thomas Malthus, que em 1798 publicou um ensaio sobre o crescimento populacional. Malthus afirmava que a população que crescer à velocidade maior que o seu estoque de alimentos seria inevitavelmente reduzida pela fome.


 


Spencer agarrou essa ideia para concluir que, na sociedade, os mais aptos progridem à custa dos menos aptos e, portanto, a competição é positiva e natural. E os que são cegos às verdadeiras causas da desigualdade social alegam que a miséria decorre do excesso de pessoas neste planeta, e que medidas rigorosas de limitação da natalidade devem ser aplicadas.


 


Nem Malthus nem Spencer se colocaram uma questão muito simples que, em dados atuais, merece resposta: se somos 7 bilhões de seres humanos e, segundo a FAO, produzimos alimentos para 12 bilhões de bocas, como justificar a desnutrição de 1,3 bilhão de pessoas? A resposta é óbvia: não há excesso de bocas, há falta de justiça.


 


Quanto mais são derrubadas barreiras entre classes, hierarquias, pessoas de cor de pele diferente, mais os privilegiados e seus ideólogos se empenham em busca de possíveis justificativas para provar que, entre humanos, uns são naturalmente mais aptos que outros.


 


Outrora os nobres eram considerados uma espécie diferente, dotada de “sangue azul”. Como quase não tomavam sol e tinham a pele muito branca, as veias das mãos e dos braços davam essa impressão.


 


Com a Revolução Industrial, gente comum se tornou rica, superando em fortuna a nobreza. Foi preciso então uma nova ideologia para tranquilizar aqueles que galgam o pico da opulência sem olhar para trás. “Que o Estado e a Igreja cuidem dos pobres”, insistiam eles. E tão logo o Estado e a Igreja passaram a dar atenção aos pobres (e é bom frisar, sem deixar de cuidar dos ricos, que o digam o BNDES e a Cúria Romana), como no caso do Estado de bem-estar social, do socialismo e da Teologia da Libertação, os privilegiados puseram a boca no trombone, demonizando as políticas sociais, acusadas de gastos excessivos, e a “opção pelos pobres” da Igreja.


 


Preconceitos e discriminações não nascem na natureza. Brotam em nossas cabeças e contaminam as nossas almas.


 


 


* Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.


 






Copyright 2014 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (
[email protected])

Fonte: Frei Betto

Categorias
Artigos

Um papo com minha filha

Adriana Nalesso *

Outro dia, conversando com uma das minhas filhas (tenho duas), ela me dizia que vê na imprensa tantas coisas contra a política e os políticos, que não entendia como os trabalhadores e seus sindicatos podiam se envolver com essas questões.


 


Expliquei, então, que também já tive essa dúvida. Pensava que sindicato era só para reivindicar melhores salários e condições de trabalho, e que a política era coisa para os políticos resolverem. Como bancária, comecei a participar das campanhas salariais, das lutas contra as privatizações e da defesa dos lesionados por motivos de trabalho. E, em pouco tempo, compreendi que muitas daquelas situações dependiam de leis que reconheciam, ou não, direitos conquistados, muitas vezes como resultado de lutas mais antigas, como a jornada de seis horas, fruto de uma greve da categoria ocorrida em 1933.


 


A vida do trabalhador ou, no meu caso, trabalhadora, não se resume ao local de trabalho, e a remuneração que nós, bancários, recebemos a cada mês depende muito das vendas que conseguimos ou não fazer. Se os transportes são ruins e caros, por exemplo, gastamos mais dinheiro e tempo, que não estica como elástico, indo e voltando do trabalho. E, consequentemente, ficamos menos tempo com a família, mais cansados, além de sobrar menos grana para outras coisas. Influir aí na questão da mobilidade urbana passa a ser uma necessidade. E assim é com outras políticas públicas, como saúde, educação, cultura e tantas outras situações que nos atingem diretamente.


 


Como mudar isso?


 


Minha filha acrescentou ainda as condições ambientais e comentou sobre a recente aprovação do marco civil da internet, assuntos que ela vem acompanhando com maior interesse. E retomou a questão inicial: “Por que a imprensa dá tantas notícias ruins sobre a política e os políticos? Como se pode mudar isso?” Bom, temos que reconhecer duas coisas. Primeiro que a imprensa defende seus interesses que muitas vezes se confundem com os dos grandes grupos empresariais que anunciam e utilizam as mídias na defesa de seus negócios. Segundo, reconhecer também que, salvo algumas heroicas exceções, nossa estrutura política tem gerado uma enorme desqualificação da classe política.


 


Esta estrutura está cheia de vícios e meandros, onde se amesquinha a atuação parlamentar e sobressaem os interesses de grupos econômicos, geralmente em detrimento das verdadeiras necessidades do cidadão ou da cidadã comum. E se nós, que trabalhamos e lutamos, não participarmos, não cobrarmos, sem vigiar e propor mudanças na vida política, não tenha dúvida que eles avançarão sobre nossos direitos, nossas conquistas.

Ela lembrou que, nesse caso, só votar não resolve o problema, porque vai ter sempre uma maioria que se beneficia dessas regras viciadas. Reconheci que ela estava certa. Votar é uma parte fundamental, e nosso povo lutou muito para reconquistar esse direito. Mas não podemos mais aceitar as regras atuais que priorizam os interesses da minoria que controla ou se vende ao capital. É por isso que várias entidades, como nosso sindicato e a CUT, estão se unindo para batalhar por uma ampla reforma política.


 


Disse a ela também que é preciso corrigir os vícios do atual modelo e estimular o surgimento de novas lideranças, por exemplo, jovens como ela que hoje estão descrentes da política, por considerá-la distante e injusta. É necessário melhorar os instrumentos de controle social sobre os políticos, acabando com os privilégios. Os atuais representantes eleitos pelo poder econômico estão distantes do Brasil real.


 


Este país é, na prática, feito por aqueles que realmente ralam para conquistar, pelo trabalho, seu espaço na sociedade.


 


Minha filha acrescentou: “Leis tipo ‘pisou na bola, dançou!’.”


 


Concordei, é por aí.

* Adriana Nalesso é vice-presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro

Fonte: Adriana Nalesso

Categorias
Artigos

Balanço das Negociações dos Reajustes Salariais 2013

87 % das categorias acompanhadas pelo DIEESE conquistaram ganhos reais


O DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, através do Sistema de Acompanhamento de Salários (SAS-DIEESE), anualmente divulga estudo sobre os resultados das negociações coletivas dos reajustes salariais. Em 2013, em cerca de 87 % das 671 unidades de negociações acompanhadas pelo DIEESE, em todo o Brasil, os trabalhadores conquistaram reajustes salariais com aumentos reais; em 7 % obtiveram a reposição da inflação e, por fim, em aproximadamente 6 % tiveram reajustes inferiores à inflação medida pelo INPC-IBGE.


Os dados de 2013 revelam um recuo frente a 2012 – o melhor ano da série iniciada em 1996 – e próximo aos resultados alcançados em 2011. O aumento real médio verificado em 2013 foi de 1,25 % , inferior ao dos últimos três anos, quando tivemos, respectivamente, aumentos reais médios de 1,70 % , 1,36 % e 1,98 % ,de 2010 a 2012.


O decréscimo no aumento real médio, em 2013, era esperado em virtude dos resultados do primeiro semestre, no qual apenas cerca de 83 % das negociações resultaram em ganhos reais frente ao INPC-IBGE, alcançando um reajuste médio de 1,11 % . No segundo semestre, devido, sobretudo, à queda nas taxas mensais de inflação e à concentração de negociações coletivas de categorias com forte poder de mobilização, 94 % dos acordos registraram aumentos reais, perfazendo um reajuste real médio de 1,52 % .


Quando se observa o painel por data-base, novamente, percebe-se que a maior incidência de aumentos reais foi registrada no segundo semestre, mais especificamente, em agosto e dezembro (100 % de negociações com aumentos reais), julho (96 % ) e outubro (95 % ). As menores incidências foram em fevereiro (76 % ), março e abril (80 % cada).


Contudo, a data-base com maior aumento real médio foi janeiro (1,65 % ), fortemente influenciada pela política de valorização do salário mínimo, que, em janeiro de 2013, obteve um aumento real de 2,64 % sobre o INPC-IBGE.


Dentre as negociações coletivas que resultaram em ampliação do poder de compra dos trabalhadores, aproximadamente 67 % situaram-se na faixa de até 2 % acima do INPC, reforçando tendência dos anos anteriores. Em cerca de 15 % das negociações coletivas alcançaram-se ganhos dentre 2,01 e 3 % acima da inflação, resultado próximo ao visto entre 2009 e 2011. Nas faixas dos maiores ganhos, aqueles acima de 3 % , em 2013, os resultados foram inferiores aos três anos anteriores, com apenas 5,2 % dos aumentos reais concentrados nessa faixa (Tabela a seguir)




Uma análise setorial das negociações salariais acompanhadas em 2013 mostra que o Comércio foi o setor com maior percentual de reajustes salariais com aumentos reais (98 % das 111 unidades analisadas), seguido pela Indústria, cujo percentual de aumentos reais foi de 89 % das 343 negociações coletivas estudadas e, por fim, o setor de Serviços, no qual 78 % das 217 categoriais conquistaram ganhos reais. Essa estrutura de maior freqüência de aumentos reais no Comércio e menor nos Serviços é observada em todos os anos da série histórica.


Exceto nas negociações coletivas de abrangência nacional ou inter-regional, cuja incidência de aumentos reais foi de 69 % , nas negociações restritas a uma única região geográfica observaram-se ganhos reais numa proporção sempre superior a 80 % dos processos negociais acompanhados, com destaque para a região Sul, na qual esse percentual chegou a 94 % . No Sudeste, 86 % das categoriais registraram ganhos reais, em 8,5 % igualou-se à inflação e em 5,6 % não se logrou repor o poder de compra. No estado do Rio de Janeiro, em 2013, em cerca de 78 % das negociações houve a conquista de ganhos reais, em 14,3 % alcançou-se reposição da variação média dos preços e em aproximadamente 8 % houve perdas frente ao INPC-IBGE.


Por fim, vale ressaltar que este estudo busca apontar a tendência das negociações salariais estudadas. A partir do painel de 671 unidades de negociação analisadas em 2013, nota-se que apesar do recuo frente a 2012, o ano passado reforçou o desempenho positivo dos últimos 10 anos, nos quais, no mínimo, metade das categorias obtiveram ganhos salariais. Esses ganhos salariais conquistados pelos trabalhadores, somados a um contexto de crescimento econômico (ainda que baixo), manutenção e ampliação dos empregos formais e inflação sob controle amplia e protege o poder de compra da classe trabalhadora. Contudo, cabe destacar que se tomarmos o crescimento do PIB nacional (2,3 % ), em 2013, como indicador da riqueza oriunda do trabalho e o compararmos aos ganhos salariais médios observados a partir do painel do SAS-DIEESE (1,25 % ), no mesmo período, percebe-se que há espaço para ampliação dessas conquistas, sobretudo, devido aos baixos salários caracterizarem a estrutura do mercado de trabalho no Brasil e a distribuição funcional da renda ainda ser muito desigual.

Fonte: Dieese

Categorias
Artigos

O editado e o inédito

Frei Betto *

Meu amigo Alfredo não entende por que continuo frade, crítico ao capitalismo e convencido de que verdade e palavra de Jesus coincidem.

Não cabe na cabeça dele minha opção de não formar uma família e ter “desperdiçado” as oportunidades que a vida me ofereceu de sucesso profissional como leigo.

Aos 22 anos fui assistente de direção de José Celso Martinez Corrêa na montagem de “O rei da vela”, peça de Oswald de Andrade. Aprendi o ofício e fiquei tentado a dedicar-me de corpo e alma à direção teatral.

Aos 23, trabalhei como chefe de reportagem da “Folha da Tarde”, em São Paulo. E em 2004 renunciei à função de assessor especial da Presidência da República.

Segundo Alfredo, “tivesse cabeça, você não estaria enfiado em uma cela de convento, vivendo de minguados direitos autorais e eventuais palestras remuneradas.”

Embora Alfredo e eu sejamos amigos, há entre nós enorme diferença no modo de encarar a vida. Ele é alto executivo de uma empresa multinacional, tem um casal de filhos, possui fazenda e casa de praia, e adora passar temporadas em Nova York.

Em matéria de religião, ele cultiva um agnosticismo que não o impede de ser devoto de São Judas Tadeu e trazer no pescoço um cordão de ouro com a medalha de Nossa Senhora das Graças.

Repito sempre a Alfredo: “Você é um homem editado.” Devidamente moldado, como um boneco de gesso, pela cultura capitalista-consumista que respiramos.

Ele gosta de exibir roupas de grife, frequentar clubes sofisticados e restaurantes da moda, e trocar de carro a cada 15 mil km rodados.

Prefiro ser um homem inédito. Não invejo o estilo de vida de Alfredo, nem duvido de que ele seja feliz assim. Recuso-me, porém, a submeter-me aos “valores” do sistema que exalta a competividade, e não a solidariedade, e gera tanta desigualdade social.

Minha felicidade estaria em risco se eu me deixasse possuir por bens materiais que me exigiriam cuidados constantes. Minha existência não é norteada por status, finanças ou patrimônio. É o sentido solidário que imprimo à vida que me faz feliz. Nem me considero mais feliz que a média. Felicidade não se compara.

O poço no qual sacio a minha sede é aberto ao Transcendente. E me faz muito feliz não ter que me preocupar com bens materiais, pois nada possuo, exceto as roupas que visto, os livros que coleciono e um carro Fox básico que me foi presenteado.

Quem muito possui, muito tem a perder. Não é o meu caso. Meu bem mais precioso é também o de Alfredo e de todos nós – a vida. Sei que um dia haverei de perdê-la, como ocorre a todos. Alfredo fica horrorizado quando se toca neste tema. Ele quase se julga imortal. Porque terá muito a perder quando a morte chegar.

Esta diferença é marcante entre nós: o sentido que imprimo à minha vida justifica a minha morte. Não é o caso de meu amigo nem de homens e mulheres editados. Eles nutrem sempre a ambição de terem mais e mais. O necessário jamais é suficiente para eles. Não suportam a ideia de terem um futuro de quem mora de aluguel, anda de ônibus, e vai ao shopping apenas para ver as vitrines e tomar sorvete.

O homem e a mulher editados são aqueles que apostam tudo no sistema no qual vivem e acreditam. O homem e a mulher inéditos olham além do próprio umbigo e ficam indignados com tanta miséria e injustiça. Empenham suas vidas na busca de outros mundos possíveis. Acreditam em ideiais e utopia. E são felizes justamente por se sentirem como a cortiça na água, que nunca submerge. Por isso, raramente sofrem desilusões, temem o fracasso ou se enchem de medicamentos para evitar a baixa autoestima.

O homem inédito é apenas alguém que não se deixa editar por nenhuma força – política, econômica, religiosa – que insiste em fazer dele o que não é.

O homem e a mulher editados apreciam autoajuda. O homem e a mulher inéditos preferem a outroajuda.

* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.




Copyright 2014 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (
[email protected])

Fonte: Frei Betto