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A mulher

Joana Almeida *
 


Aproximamo-nos de mais um 8 de março e permanece em pauta a luta das mulheres pela igualdade no trabalho, na vida e na sociedade. Apesar da causa centenária, permanece o desafio de garantir a superação na desigualdade salarial, do preconceito racial, da repressão à escolha sexual e de condições efetivas de equidade.


 


Evidências trazidas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012 mostraram que 38 % dos arranjos familiares tinham como pessoa de referência as mulheres, quando, em 2002, o percentual foi 28 % , o que demonstra o crescimento da presença da mulher no mercado de trabalho. Contudo, a pesquisa aponta que o rendimento médio das mulheres ocupadas é cerca de 38 % inferior ao dos homens, permanecendo evidente a disparidade salarial, mesmo em sua maioria, ambos assumindo a mesma função.


 


Fato que ainda nos deixa perplexos é o alto índice de violência. Conforme o Mapa da Violência 2012, no Brasil uma mulher é assassinada a cada duas horas. A Lei Maria da Penha, que tem profunda relevância nessa luta, por si só não responde a necessidade de ações preventivas, de atendimento e acompanhamento adequado às vitimas. Não podemos esmorecer na exigência por políticas especificas de combate à violência contra as mulheres, seja ela doméstica, urbana, moral ou sexual, além da conscientização pelo respeito à dignidade da pessoa independente do sexo.


 


Seguramente as mudanças sociais, culturais e políticas pelas quais passamos nas últimas décadas, como a eleição da presidenta Dilma, tem demonstrado que nossa luta não tem sido vã. O esforço em galgar degraus no mundo do trabalho tem referendado nosso potencial para ocuparmos qualquer espaço de poder com competência. Fato que não nos exime dos papeis de mãe, esposa, dona de casa, e mesmo isso gerando a jornada tripla, por vezes quádrupla, ainda há espaço para o esmero na aparência, qualificação através do estudo e para tantas outras incumbências do dia-a-dia.


 


É com passos fortes e sem titubear, que as mulheres cada vez mais se organizam e encontram razões para superação dos desafios postos. O mês de março traz simbolicamente uma oportunidade para aprofundarmos reflexões rumo a novas conquistas. É com esse espírito que as diversas organizações de mulheres saem unificadas às ruas dia oito, com concentração às 8h na Praça da Bandeira, por ampliação de direitos. A luta não é fácil, mas tem que acontecer.


 
* Joana Almeida é Presidenta da CUT-CE


Artigo publicado originalmente no Jornal “O povo” do dia 06/03

Fonte: Joana Almeida

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8 de março: mulheres em todos os espaços

Rosane Silva *


 


Em setembro de 2013, a Plenária Nacional dos Movimentos Sociais aprovou a realização de um plebiscito popular cuja pergunta será “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?”.


 


O plebiscito é uma forma de  garantir que a participação e a opinião popular sejam  levadas em consideração para além das eleições que ocorrem de 4 em 4 anos. Nesse sentido, o plebiscito popular é um instrumento que permite que os cidadãos e as cidadãs opinem e decidam sobre temas de interesse de todos e todas.


 


Nossa proposta é que nesse plebiscito seja realizada uma Constituinte, ou seja, uma assembleia para a qual escolheremos representantes que irão definir e modificar, exclusivamente, as regras e funcionamento do nosso sistema político.


 


Com a realização de uma Constituinte Exclusiva e Soberana teremos a oportunidade para transformar a política brasileira. Atualmente, nosso sistema político é dependente e serve as elites econômicas de nosso país.


 


As mulheres e o Estado: pautar a atuação das mulheres no espaço público

Nosso Estado é liberal e patriarcal. Liberal, pois se estrutura a partir da lógica de que o mercado é a esfera prioritária das relações sociais, invisibilizando o espaço privado e de reprodução da vida. Patriarcal, na medida em que parte do pressuposto que há um antagonismo entre homens e mulheres e uma superioridade masculina.


 


A estruturação do Estado não apenas separa os espaços de homens e mulheres entre público e privado, como também hierarquiza as relações, em que as mulheres devem tornar-se subalternas aos homens. Isso significa que nossa atuação no espaço público, da política e do mercado,  foi  ocupada e somente reconhecida a partir de muita luta das mulheres. Lembremos que na maioria dos países as mulheres só conquistaram o direito ao voto durante o século XX e a partir de mobilizações e passeatas.


 


Ainda que tenhamos ampliado nossa presença no mercado de trabalho, ainda recebemos menos que os homens exercendo as mesmas  tarefas, mesmo as mulheres conquistando uma maior escolaridade em relação aos homens.  As mulheres assumiram  a Presidência da República de diversos países, porém o espaço privado e da família é ainda considerado como local prioritário e exclusivo das mulheres, recaindo sobre nós as responsabilidades domésticas da limpeza, alimentação, e o cuidado com as crianças, doentes e idosos. Todavia, falta o reconhecimento por parte do Estado de toda a nossa carga de trabalho e dedicação à manutenção e reprodução da vida, assim como o compartilhamento dessas tarefas com os homens.


 


Seja pela ausência de mais canais diretos de participação e consulta popular, ou pela pouca presença das mulheres em nosso Parlamento, o fato é que mesmo sendo indispensáveis para as tarefas do lar e do cuidado, continuamos excluídas da possibilidade de tomar decisões políticas.  A ausência das mulheres nos espaços de poder significa que os homens conduzem as políticas e tomam decisões nas questões pertinentes a vida das mulheres.


 


Mudar o sistema eleitoral: mais mulheres nos representando

Em 2010 elegemos 594 representantes no Congresso Nacional (513 deputados e 81 senadores). Destes 273 são empresários, 160 fazem parte da bancada ruralista, 66 da bancada evangélica e apenas 91 são considerados/as representantes dos e das trabalhadoras. Nos chama a atenção o fato de que, mesmo sendo a maioria da população, os e as trabalhadoras estejam sub-representados no parlamento.


 


Na Câmara dos Deputados as mulheres ocupam apenas 9 % das cadeiras e no Senado 12 % . Nas eleições municipais de 2012 apenas 12 % das vagas disputadas foram ocupadas por mulheres.


 


Precisamos mudar o sistema eleitoral brasileiro para que tenhamos um parlamento capaz de representar os anseios e demandas da classe trabalhadora. E se nós, mulheres, somos mais da metade da população brasileira temos que ter condições reais para garantir nossa representatividade no Parlamento.


 


 A CUT defende que tenhamos financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. Em 2010, 91 % dos recursos para a campanha eleitoral vieram de empresas, fato que leva candidatos e candidatas a se aproximarem de empresários e se distanciarem das demandas do povo.


 


Nesse aspecto, o financiamento público de campanha garante a igualdade de acesso aos recursos financeiros entre homens e mulheres no momento de fazer a campanha política eleitoral, algo que não interessa às empresas, que preferem financiar homens e brancos.


 


Projeto coletivo versus projeto privado

No atual sistema eleitoral brasileiro votamos nominalmente, ou seja, num indivíduo, tornando a disputa muito mais centrada em propostas individuais ao invés de serem pautadas por projetos coletivos.


 


Nossa proposta é o “voto em lista fechada”, o que significa que os partidos realizam uma lista de candidatos dispostos a defender o mesmo projeto político, e assim a população vota num programa de governo e não em pessoas.


 


Para as mulheres essa proposta só faz sentido se houver paridade nas listas. Ou seja, metade dos candidatos são homens e outra metade é composta por mulheres. Ainda: a lista deve ter alternância de sexo, se o primeiro da lista fechada for um homem, a próxima será uma mulher e assim por diante.


 


Mulheres em todos os espaços

O “Plebiscito Popular por uma Constituinte Soberana e Exclusiva” é uma ação da qual devemos participar, colocando nossa visão sobre o Estado que queremos. Só teremos democracia representativa quando houver igualdade na participação entre homens e mulheres nos postos de poder e decisão.


 


Essa será uma importante conquista, mas mesmo assumindo as tarefas legislativas e executivas em nosso país, continuaremos denunciando o machismo toda vez que formos rotuladas pela maneira como nos vestimos ou pelo corte de cabelo, e até mesmo com quem nos relacionamos afetivamente, em detrimento de nossa atuação política.


 


Precisamos atuar em todos os espaços para defender os nossos territórios levando em conta os bens comuns como a moradia, água e a terra. Somos nós, mulheres, que devemos estar à frente das decisões referentes à nossa vida sexual e reprodutiva, construindo e propondo políticas que levem em conta a autonomia sobre nossos corpos e uma saúde integral e pública, defendendo o aborto legal e seguro. Assim como, queremos ter representantes que reconheçam que a luta por creches e a garantia de uma educação infantil para nossos filhos, é uma política pública essencial e determinante para a autonomia das mulheres, portanto uma luta de todas as mulheres.


 


Queremos um Estado forte com investimentos em políticas públicas que possibilitem o rompimento com o machismo e o patriarcado, que reconheça nossas atividades para o bem estar de todos, e  exigimos o compartilhamento das tarefas domésticas e familiares.


 


Se queremos construir uma sociedade justa, igualitária, livre dos preconceitos e discriminações, devemos nos engajar com muita determinação, garra e feminismo neste processo de construção do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva para mudar o sistema político brasileiro, pois teremos a oportunidade de dialogar com as mulheres trabalhadoras sobre qual projeto de sociedade queremos e acreditamos que é possível construir.Mulheres trabalhadoras, neste 8 de março vamos reforçar nossa luta dizendo que o espaço público é o nosso lugar!


 


* Rosane Silva é Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT

Fonte: Rosane Silva

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Os BRICS e a Ação Sindical

Nova agenda dos BRICS será discutida em março de 2014 em Fortaleza (CE)



Atualmente, quando se faz referência à sigla BRICS, a citação remete a um agrupamento de cinco países (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, esta última referida pelo nome em inglês, South Africa), mas nem sempre foi assim. No período inicial, BRICs (apenas com o “s” em minúsculo) referia-se ao grupo dos quatro países listados inicialmente, sem a África do Sul (que só se juntou ao grupo em 2011), e o “s” denotando apenas o plural.



Somente em setembro de 2006, em uma reunião dos Ministros de Relações Exteriores dos quatro países iniciais, realizada durante a Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, a sigla vira uma efetiva articulação política. O passo seguinte foi estruturar um esquema de reuniões gerais e temáticas, envolvendo desde encontros de Chefes de Estado/Governo, até ministros e negociadores. A primeira reunião de Chefes de Estado destes países aconteceu na Rússia, em 2009.



O grupo BRICS é, hoje, um importante bloco na política e na economia internacional. Composto por lideranças regionais, o bloco representa quase metade da população mundial (especialmente pela participação de China e Índia) e cerca de um quinto da superfície terrestre (pelas dimensões de Rússia, China e Brasil). É formado por economias diversificadas com elevado crescimento nos últimos 15 anos e uma enorme abundância de recursos naturais, que propiciam produção agrícola, mineral e energética expressivas. O peso econômico é inegável, com uma participação no PIB mundial equivalente à União Europeia ou EUA, embora muito disso se deva à importância da China, da mesma forma que ocorre quando a referência é feita com relação à participação do grupo no comércio internacional.



Os BRICS se articulam, ainda, buscando formas de aumentar a influência que podem exercer nos rumos da economia e da política internacional. A constituição formal do grupo no âmbito de uma Assembleia da ONU é uma forma de confirmar esse interesse. Outra forma é por meio das parcerias nas discussões das instituições financeiras internacionais (como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial), em que defendem reorganização na estrutura de poder por meio da alteração das quotas de participação dos países nessas instituições, ou na Organização Mundial do Comércio (OMC), onde se articulam no chamado “G20 comercial”(1). Ativo desde meados da primeira década do século XXI, o G20 busca e obtém protagonismo nas negociações comerciais multilaterais, o que também ajuda a ilustrar essa atuação concreta.



A institucionalização maior do funcionamento dos BRICS se dá, especialmente, através das Cúpulas de Chefes de Estado/Governo que passaram a acontecer a partir de 2009, na Rússia. A esta se seguiu a Cúpula de Brasília, em 2010; a Cúpula de Sanya, China, em 2011; a Cúpula de Nova Delhi, Índia, em 2012 e, finalmente, a 5ª Cúpula, em Durban, África do Sul, neste ano.



Um ponto especial, que garante a expressividade do novo grupo, é que todos os cinco países participam ativamente do chamado G20, grupo articulado para lidar com a crise mundial a partir de 2008 e que acabou refletindo uma nova dinâmica da geopolítica internacional.



Realizada em Durban, África do Sul, um pouco antes da Páscoa deste ano, a 5ª Cúpula dos BRICS não representou nenhuma grande surpresa em relação aos temas tratados, mas algumas sinalizações presentes na Declaração Final de 27 de março merecem ser acompanhadas.



Muitos pontos da declaração final falam, ainda, da necessidade de investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento e o crescimento econômico da África, o que de fato parece ser absolutamente essencial. Para muitos, entretanto, especialmente os presentes nas atividades paralelas à cúpula oficial, a linguagem cifrada das declarações oficiais não representava o desenvolvimento de uma infraestrutura social, com água, saneamento, transportes públicos, habitação e serviços sociais para as populações africanas. Relacionar-se-iam mais com a realização de obras de enorme interesse para as empresas de construção, especialmente de China, Brasil e Índia, e o desenvolvimento de uma infraestrutura de transportes (rodovias, ferrovias, portos) para o escoamento das riquezas minerais da África, alavancando poderosas mineradoras mundiais – algumas delas dos países que compõem o BRICS – e abastecendo o crescente consumo chinês e, em menor escala, indiano.



Nos temas econômicos, o ponto nove da Declaração Final fala do chamado “Novo Banco de Desenvolvimento”, conhecido também como o Banco de Desenvolvimento dos BRICS. Apesar de apontar para a concordância quanto à criação do banco – avaliado como factível e viável -, não é apontada nenhuma medida mais concreta quanto a essa criação, o que talvez demonstre, ainda, alguma dúvida ou limite de parceiros. De outro lado, caminhou mais rapidamente (ponto 10) a ideia da formação de um Arranjo Contingente de Reservas, uma espécie de cooperação entre os cinco países para a criação de uma rede de segurança financeira (leia-se, um apoio entre os países no caso de eventuais fugas de capitais) formada a partir da possibilidade de disponibilizar, nesses casos, parte das reservas internacionais para a defesa solidária dos países membros do BRICS. A orientação do documento da Cúpula foi de que os ministros de Finanças (Fazenda, no caso brasileiro) e presidentes do Banco Central continuem trabalhando para estabelecer esse mecanismo.



As centrais sindicais dos BRICS já se articulam, de alguma forma, há algum tempo, e durante a reunião da 5ª Cúpula, em Durban, também aconteceu uma reunião da Cúpula Sindical dos BRICS (oficialmente o 2º Fórum Sindical dos BRICS), organizada pela central sindical sul-africana Cosatu, da qual participou a CUT do Brasil. Neste Fórum, foram discutidas esperanças, mas também preocupações dos trabalhadores dos cinco países a respeito não só da situação mundial, como também da própria dinâmica dos BRICS. Entre os temas centrais está a preocupação de seguir acompanhando, pressionando e articulando, o que para os sindicatos brasileiros é uma preocupação a mais, em especial porque a próxima reunião dos BRICS, no ano que vem, será em Fortaleza, no Brasil, provavelmente no mês de março.



Um aprofundamento de alguns dos pontos aqui levantados, assim como a Declaração Final do Fórum Sindical dos BRICS completa, pode ser encontrado na Nota Técnica no. 128, do DIEESE, de agosto deste ano, disponível em http://www.dieese.org.br/notatecnica/2013/notaTec128BricsAcaoSindical.pdf.


 






(1) O G20 Comercial, da OMC, é composto pela África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Guatemala, México, Nigéria, Paquistão, Peru, Paraguai, Tailândia, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue.

Fonte: Dieese-RJ

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Salário Mínimo, uma conquista

Frei Betto *



Nesses dez anos de governo PT, talvez o principal acerto seja a política de valorização do salário mínimo. Eis um raro exemplo nesta década em que o governo federal, tão atento às demandas patronais, escutou e assumiu proposta do movimento sindical.



Houve real melhoria de renda do trabalhador e redução da desigualdade social no Brasil. Porém, foi menos do que deveria e poderia ter sido feito, uma vez que a desigualdade de renda é uma pequena parte da desigualdade social, dada à crescente concentração de riqueza. Segundo a mais recente lista de bilionários da revista Forbes, as 124 pessoas mais ricas do Brasil acumulam um patrimônio equivalente a R$ 544 bilhões, cerca de 12,3 % do PIB.



Apesar do aumento da renda média e da massa salarial dos trabalhadores, verificada nos últimos dez anos, a participação deles na riqueza nacional continua estagnada. Em 1980, os salários respondiam por 50 % da renda nacional; em 2000, haviam caído para 38 % ; e atualmente estão em torno de 46 % .



O avanço político e econômico no salário mínimo resulta da ação unitária das Centrais Sindicais, com subsídio técnico do DIEESE, entidade de assessoria sindical criada em 1955 pelo movimento sindical e, até hoje, dirigida pelos sindicatos brasileiros.



Em 2004, as Centrais Sindicais lançaram a campanha de valorização do salário mínimo. Foram realizadas três marchas conjuntas em Brasília, com o objetivo de pressionar os poderes Executivo e Legislativo e alertar para a importância social e econômica da proposta.



Como consequência dessas marchas, em maio de 2005 o salário mínimo passou de R$ 260,00 para R$ 300,00. Em abril de 2006, foi elevado para R$ 350,00. E em abril de 2007, corrigido para R$ 380,00. O mais importante resultado dessas negociações, entretanto, foi acordado, em 2007: uma política permanente de valorização do salário mínimo até 2023. Essa política tem como critérios o repasse da inflação do período entre as atualizações do salário mínimo; o aumento real pela variação do PIB; além da antecipação da data-base de revisão – a cada ano – até ser fixada em janeiro, o que aconteceu em 2010. Assim, em janeiro deste ano o valor do salário mínimo passou a R$ 678,00, acumulando ganho real – acima da inflação – de 70,49 % , desde 2002.



Considerando a série histórica do salário mínimo, e trazendo os valores médios anuais para janeiro de 2013, o  atual mínimo corresponde ao maior valor real da série das médias anuais desde 1984, de acordo com o DIEESE.



Para se ter ideia do impacto do salário mínimo no Brasil, basta dizer que, conforme estimativas do DIEESE, 45,5 milhões de pessoas têm o salário mínimo como referência de seus rendimentos, o que gera aumento de renda da ordem de R$ 32,7 bilhões na economia, considerando-se apenas a elevação do salário mínimo em janeiro deste ano.



Os trabalhadores que entraram no mercado de trabalho nos últimos dez anos recebem, em sua maioria, salários muito próximos ao mínimo. Na primeira década de 2000, a parcela dos ocupados com até 1,5 salário mínimo voltou a crescer, aproximando-se de quase 59 % de todos os postos de trabalho. Número considerável dos postos de trabalho gerados desde 2003 concentrou-se na base da pirâmide social, uma vez que 95 % das vagas abertas tinham remuneração mensal de até 1,5 salário mínimo.



No primeiro semestre de 2013, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, do total de trabalhadores admitidos, 55,4 % foram contratados para receber entre 1,01 e 1,50 salário mínimo. Ou seja, o trabalhador brasileiro ganha pouco.



A previsão do governo federal, que consta da proposta de Projeto de Lei Orçamentária Anual enviada ao Congresso no final de agosto, é de que o salário mínimo que passará a vigorar em janeiro de 2014 chegará a R$ 722,90 – aumento de 6,6 % . Ainda será pouco.



Resta um longo caminho a percorrer. Com base no custo apurado para a cesta básica de São Paulo, e levando em consideração a determinação constitucional que estabelece que o salário mínimo deve ser capaz de suprir as despesas de um trabalhador e sua família –  alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência -, o DIEESE estima, mensalmente, o valor do salário mínimo necessário. Em agosto deste ano, o menor salário pago deveria ser de R$ 2.685,47, ou seja, 4 vezes o valor do mínimo em vigor, de R$ 678,00. Este seria, hoje, o salário mínimo justo.


 

* Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto





Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los, propomos assinar todos os artigos do escritor. Contato – MHGPAL – Agência Literária (
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Fonte: Frei Betto

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Buraco no peito

Frei Betto *



Fome não se combate apenas com prato de comida. Digerida a esmola em forma de alimento, abre-se de novo o oco na barriga, buraco negro da cidadania. Não basta dar de comer ao faminto. Nem Bolsa Família. É preciso evitar que existam pessoas desprovidas dos bens essenciais à vida, capazes de prover o próprio sustento, como preconizava o Fome Zero.



Para que o direito à cidadania não fique restrito aos discursos políticos, o combate à fome exige, no mínimo, reforma agrária, distribuição de renda e escolarização compulsória de todas as crianças.



O mesmo se aplica à violência. Não é um fenômeno restrito a São Paulo e outras cidades populosas. Nova York é mais perigosa que a favela da Rocinha. Em Goiânia, Salvador ou Porto Alegre os assassinatos fazem parte do cotidiano.



O grave é quando os narcotraficantes infiltram-se nas malhas da polícia, corrompendo juízes e delegados, obtendo armas privativas das Forças Armadas e delimitando territórios sob o seu comando.



O traficante, como o político corrupto e o empresário especulador, é filho da impunidade. Porém, é preciso que não se cometa o erro de certo telejornalismo espúrio que já não distingue morador da favela de traficante. Não se pode aplicar às favelas o que recomendava o grande inquisidor: “Matemos todos, Deus saberá quem são os inocentes e quem são os culpados.” Medida, aliás, que Obama vem aplicando com seus drones no Afeganistão.



A violência do narcotráfico não é causa, é fruto da violência maior de uma elite que manteve este país amordaçado ao longo de 21 anos de ditadura militar, ceifando ideais e utopias. Esses filhos e netos nascidos durante ou logo após os anos de chumbo não tiveram a educação para a cidadania dos grêmios escolares e dos movimentos estudantis, das academias literárias e dos cineclubes.



Perdidos na noite, muitos buscam a luz na maconha e a onipotência na cocaína. Se o tráfico de drogas é tão bem organizado não é por causa dos assalariados que, quando perdem a cabeça, no máximo recorrem à cachaça. É graças ao sofisticado mercado de consumo que paga bem pela droga. E, na falta de dinheiro, apela para o crack.



Na espiral da violência, o garoto “avião” que conduz a droga, a “mula” que cobre os pontos de venda, o traficante que dirige e não mora em favela – tem casa com piscina e carro do ano – são o resultado da política equivocada do governo em relação aos direitos sociais. Não basta assegurar renda, encher o bolso, é preciso sobretudo encher a cabeça, dar acesso à cultura, de modo a que haja protagonismo empreendedor.



Tivesse a maioria do povo brasileiro terra para plantar, melhores salários e educação escolar de alta qualidade, não haveria favelas nem favelados. Contasse a nossa juventude com áreas de lazer, de esportes e de criatividade artística e cultural, não teríamos tantos mortos-vivos destruídos pelo crack e outras drogas.



“E se a TV decidisse fazer o bem?”, indagou um dia o jornalista Ricardo Gontijo. O que se pode esperar de crianças e jovens que passam horas diante das caixinhas de mágicas eletrônicas, embotados pelo entretenimento consumista, pela publicidade hedonista, encharcados de filmes, sites e programas que nada adicionam à formação de sua subjetividade e ao aprimoramento de sua cultura? Impelidos pelo desgoverno de si, na falta de quem lhes indique o caminho do Absoluto, eles buscam o do absurdo, sustentando o narcotráfico.



Quem são os ídolos dos jovens de hoje? Gente altruísta como Jesus, Gandhi, Luther King, Mandela e Che Guevara? Quais os valores mais perseguidos, hoje em dia, pela mocidade? Riqueza, beleza, fama e poder. Ora, quanto mais  ambição, maior o tombo. E o rombo no coração. O buraco no peito precisa ser compensatoriamente preenchido de alguma forma.



A sociedade se laicizou. Eis uma conquista da modernidade. O ser humano, no entanto, é sempre o mesmo, desde que foi expulso do Paraíso por ter se equivocado e querer ser Deus, quando sua vocação é ter Deus. Impregnar-se do Absoluto. Saciar-se no Poço de Jacó (Evangelho de João, cap. 4).



Acho no mínimo estranho quando, em cerimônias litúrgicas, observo crianças e jovens, acompanhados de pais e avós cristãos, que não sabem sequer rezar Ave Maria e Pai Nosso. O que esperar de uma geração desprovida de espiritualidade?


 


 


* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros. 
www.freibetto.org      twitter: @freibetto


 





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Fonte: Frei Betto

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Cultura segregacionista

 Frei Betto *


A segregação é uma cultura e impregna o instinto. A reação ao diferente é impulsiva, irracional. Como a do ianque que despreza muçulmano por identificar nele um terrorista em potencial; do judeu sionista em relação a árabes; do branco racista frente ao negro; do cristão homofóbico diante de um homossexual.

Essa cultura nefasta impregna também governos e instituições. Chega a ser atávica, inconsciente. A família diz não ser racista, até o dia em que a filha, branca, loura, de olhos claros, apresenta o namorado negro…

Caso recente foi a obstrução do voo de Evo Morales, de Moscou a La Paz, em julho deste ano. Supondo que viajava a bordo o jovem Edward Snowden, que revelou como os serviços secretos estadunidenses espionam o mundo, os EUA convenceram França, Itália, Portugal e Espanha a impedirem escala técnica em seus territórios, obrigando a aeronave a pousar em Viena, onde foi revistada.

A 18 de agosto, David Miranda, companheiro do jornalista Glenn Greenwald, que mora no Rio e divulgou as denúncias de Snowden, ficou 9 horas retido no aeroporto de Londres, onde faria uma escala de duas horas ao viajar de Berlim ao Rio. Confiscaram seus equipamentos eletrônicos, incluindo celular, computador, câmera, cartões de memória, DVDs e jogos.

O objetivo da polícia britânica, monitorada pelos EUA, era obrigar Miranda a revelar senhas e códigos do material que trazia de Berlim, onde havia se encontrado com a documentarista Laura Poitras, para dar prosseguimento ao documentário que Glenn Greenwald está fazendo sobre as informações da NSA, reveladas por Snowden sobre como os EUA espionam o planeta.


 


Eis a lógica do poder: pune-se quem denuncia o crime e não quem o comete.

O pior é como a grande mídia dá pouca importância a tais atos segregacionistas. Aconselhados por Paulo Freire, façamos o exercício contrário e coloquemos o opressor no lugar do oprimido. Como reagiria a mídia se o avião de Obama fosse interceptado por caças de um país africano? Qual seria o impacto se a filha de George W. Bush fosse detida, ao desembarcar no Brasil, por ter um pai que defende a tortura de supostos terroristas, crime considerado inafiançável por nossas leis?

Nossa cultura segregacionista reduz a pessoa à sua função, origem, cor, condição social. Quem de nós indaga o nome do garçom que lhe serve?

Em julho, a atriz estadunidense Oprah Winfrey entrou em uma loja de Zurique, na Suíça, e pediu para ver uma bolsa que custava o equivalente a R$ 90 mil. A lojista se recusou, supondo que, por ser negra, a consumidora não tinha como pagar aquele preço.

Um amigo que pesquisa o tema fez, há pouco, um teste em um restaurante de luxo de São Paulo. Vestiu duas mulheres e um homem, todos brancos, com jeans esfarrapados, como dita a moda, e enviou-os ao restaurante. Foram acolhidos com derramadas cortesias.

Uma semana depois, um trio de negros chegou ao mesmo restaurante vestindo a mesmas roupas do trio de brancos. O porteiro encarou-os como se fossem mendigos, chamou o maitre, que chamou o gerente, que chamou o dono. O ingresso foi permitido, mas o clima segregacionista perdurou no ambiente.

* Frei Betto é escritor, autor de “Aldeia do Silêncio” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.




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Fonte: Frei Betto

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Arapongagem

Frei Betto *


A araponga é uma ave que não perde a oportunidade de meter o bico em todo fruto que encontra pela frente. E possui uma propriedade especial: as sementes engolidas não perdem o poder germinativo, que inclusive é maximizado.



Sob a ditadura, os espiões do SNI ganharam o apelido de arapongas. Metiam o bico na vida de todo mundo, até mesmo de quem apoiava o regime militar.



Agora, graças ao jovem Snowden, sabemos que a maior arapongagem praticada na história da humanidade é “made in USA”. Os EUA, que consideram a segurança mais importante que a liberdade, e o capital, que os direitos humanos, metem o nariz na vida de pessoas, governos, empresas e instituições. Aprenderam com Clausewitz que a surpresa é o trunfo do inimigo.



O governo estadunidense, através de sua Agência Nacional de Segurança (ANS), espionou (ou ainda espiona?) a presidente Dilma e a Petrobrás. Com certeza, fez e fará muito mais.



Para mim, a notícia não constitui nenhuma novidade. Sei, por documentos oficiais obtidos no Arquivo Nacional (Habeas Data), que fui monitorado pelos arapongas do regime militar de junho de 1964, quando me prenderam pela primeira vez, a 1992 – sete anos apos o fim da ditadura!



Em agosto de 2003, quando eu trabalhava no Planalto, aparelhos de escuta foram descobertos na sala do presidente Lula. Meses depois, deparei-me com uma equipe do Exército fazendo uma varredura no gabinete presidencial. Indaguei de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete, o que era aquilo. Disse que, periodicamente, os militares conferiam se havia ali algum sistema de escuta. Frente à resposta, retruquei: “E quem garante que eles não ‘plantam’ na sala novo sistema de escuta?”



Uma informação governamental vale fortunas. Se acionistas e correntistas sabem, de antemão, que o Banco Central decretará a falência de um banco, isso não tem preço. Quem soube que o presidente Collor confiscaria toda a poupança dos brasileiros, deve estar rindo até hoje da multidão que foi apanhada de surpresa.



A Guerra Fria só não esquentou porque a União Soviética espionava os EUA, assim como os EUA a União Soviética. Com frequência o espião de um lado era trocado por outro que servia à potência inimiga. Não é à toa que a Rússia decidiu conceder asilo a Snowden. Ele sabe demais a respeito da arapongagem ianque.



Em março de 2012 conheci, no México, um professor universitário que, durante 20 anos, atuou nos EUA como espião da Inteligência Militar soviética. Sua tarefa era localizar bases de mísseis nucleares. Graças à autobiografia de um ex-agente do FBI, ele soube, anos após ter sido expulso dos EUA, que o seguiram durante sete anos. Queriam saber quem era o seu mentor, o que nunca descobriram.



No tempo da máquina de escrever era impossível o araponga conhecer o conteúdo da mensagem, a menos que obtivesse cópia do texto ou pudesse fotografá-lo. Agora, todos os meios eletrônicos, de computadores a celulares, podem ser “radiografados” pelos serviços de segurança dos EUA. O “Big Brother” sabe tudo que se passa em nossa casa.



Ainda que a Casa Branca apresente desculpas à presidente Dilma, isso não significa que a ANS deixará de rastrear os computadores do Planalto e saber o que, quando e com quem a presidente conversou. Informação é poder – de nos submeter aos interesses do mais poderoso império já existente na história da humanidade.



Apenas uma nação tem conseguido driblar a arapongagem estadunidense: Cuba. Isso tanto irrita a Casa Branca que, contrariando todos os princípios do Direito, mantém presos nos EUA os cinco heróis cubanos que tinham por missão evitar atos terroristas preparados sob as barbas de Tio Sam.



Encerro com uma pergunta que não quer calar: por que, em vez de atacar o povo sírio, os EUA não bombardeiam fábricas de armas químicas, como a Combined Systems, localizada na Pensilvânia? Que o digam os vietnamitas atingidos, mortos e deformados pelo “agente laranja” espalhado pelas Forças Armadas dos EUA durante a guerra do Vietnam.


 


* Frei Betto é escritor, autor de “Hotel Brasil – o mistério das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org twitter: @freibetto.


 





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Fonte: Frei Betto

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Espaços urbanos

Frei Betto *


Restam nas cidades brasileiras poucas casas erguidas antes de 1930. A especulação imobiliária, associada à nossa insensibilidade à preservação da memória histórica, derrubou-as.


Observe esses detalhes: casas antigas têm a porta de entrada colada na calçada. Tempo em que havia quintais e os moradores punham cadeiras na calçada para um dedo de prosa à hora do crepúsculo. A sala de visitas, e mesmo quartos, davam diretamente para a rua, já que quase não havia ruído exterior.


Aos poucos, as casas recuaram das calçadas. Trocou-se o quintal da parte de trás pelo jardim na parte da frente. O ruído de bondes, ônibus, caminhões, exigiu sala na ala posterior e quartos nos fundos.


Ainda morei em casa de esquina rodeada de jardim. O muro baixo era um detalhe estético. Criança, eu preferia saltá-lo que atravessar o portão.


A explosão urbana e sua violência desfiguraram o casario. Agora, com seus muros altos e grades intransponíveis, as casas escondem a “cara”. Muitas adotam perfil penitenciário: cercas eletrificadas, câmeras de vigilância, portões acionados por controle remoto etc. Algumas têm até guaritas e holofotes para clarear a calçada quando alguém transita ali.


Os prédios verticalizaram os moradores e, na medida do possível, abriram espaços para eles evitarem ao máximo transitarem neste lugar “perigoso” chamado rua. Assim, surgiram edifícios de luxo dotados de piscina, academia de ginástica, playground, churrasqueira, salão de festa etc.


Havia, contudo, um inconveniente para os moradores imbuídos da síndrome de agorafobia ou dromofobia: teriam que sair à rua para se abastecer. Percorrer armazéns, mercearias, quitandas, lojas.


O supermercado engoliu quase tudo isso ao concentrar em um único espaço tudo que se necessita para o lar, de alimentação a produtos de limpeza. Com a vantagem de as mercadorias ficarem expostas à mão do freguês e sem ninguém a exigir que seja rápido na escolha.


Não combinava, porém, o supermercado dispor de prateleiras de joias, sapatos e roupas. Criou-se, então, o shopping center, onde se embute todo tipo de comércio, de supermercado (dotado de verduras frescas) a artefatos de pesca, incluindo lanchonetes, restaurantes e salas de cinema e espetáculos.


Agora surge um novo conceito: o Atoll, um super shopping (71 mil metros quadrados) erguido próximo à cidade francesa de Angers. Todo ele é “ecologicamente correto”. Nenhuma logomarca em sua carcaça de alumínio. Nada de poluição visual.


Além de 60 lojas e 12 restaurantes, o Atoll abriga academias de ginástica, salão de beleza, playground, parques com fontes, árvores e alamedas ajardinadas. Enquanto os pais fazem compras, as crianças brincam em grandes módulos ou assistem a DVDs sob cuidados de funcionários especializados.


A filosofia de marketing do Atoll é simples: saia de sua casa apertada, do estresse familiar, e ingresse no Jardim do Éden do consumismo, onde você desfrutará de requinte, espaço verde, atenção de elegantes recepcionistas. Em suma, o Atoll vende algo mais que produtos materiais: a ilusão de que o consumidor se iguala em status àqueles que têm alto poder aquisitivo.


Ora, como em sociedade de classes sonhos e ambições são socializados, mas não o acesso real a eles, o Atoll oferece um lounge a quem gasta pelo menos 1.500 euros, onde o consumidor tem acesso gratuito a internet, bebidas, revistas e jornais, máquinas de café expresso e até fraldário.


Pelo andar da carruagem, não ficarei surpreso se os shoppings do futuro oferecerem serviço de hotelaria, permitindo que o consumidor, abraçado a seu individualismo, se livre do convívio familiar.


 



* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.

Fonte: Frei Betto

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PL 4330/04, o exterminador de direitos

Por Marcello Azevedo *

Primeiro aprovarão o projeto com o apoio de deputados financiados por banqueiros, empresários e latifundiários. Com a aprovação irão terceirizar tudo e demitir em massa. Os sindicatos irão começar a desaparecer, pois haverá pulverização total das categorias formais como são hoje. O adoecimento e mortes no local de trabalho se multiplicarão, pois as condições de trabalho serão precarizadas ao máximo.

Não haverá qualquer proteção social, pois será uma relação entre duas empresas sem qualquer controle do Ministério do Trabalho ou dos sindicatos. A previdência pública e o INSS estarão feridos de morte, pois com a rotatividade da mão de obra e a ausência de contribuições para ambos eles se extinguirão. O concurso público irá virar peça de Museu, pois tudo será passível de terceirização. Todas as ilegalidades serão permitidas, tudo em nome da “Segurança Jurídica” dos donos da Chibata, ou melhor, da caneta que demite e contrata.

Esse roteiro de filme de terror não é uma obra de ficção, pois os riscos são reais e os interesses patronais também. Precisamos jogar todas as nossas forças para enfrentar o projeto, pois a nossa existência física e política está em jogo e não podemos deixar que esse crime, que é o projeto Sandro Mabel, seja perpetrado contra a classe trabalhadora e suas representações.

A verdade dos fatos

1) Demissão em Massa – Os terceirizados recebem em média 25 % a menos que os contratados diretamente e tem jornada de trabalho em Média 22 % maior, ficando muito mais barato terceirizar do que contratar diretamente.

2) Adoecimento e morte no local de trabalho – Os terceirizados respondem por 82 % das mortes e adoecimento de trabalhadores no local de trabalho. Com a terceirização escancarada os números de mortes e adoecimentos só tende a aumentar.

3) Precarização sem limites – os trabalhadores hoje tem em sua defesa o enunciado 331 da CLT que proíbe a terceirização em atividades fins. Todo serviço poderá ser terceirizado e com isso aumentará ainda mais a rotatividade de trabalho em busca do menor custo e a ameaça constante dá demissão recairá sobre todos os trabalhadores.

4) Nenhum direito trabalhista – O projeto prevê que seja uma relação entre duas empresas, buscando eximir totalmente as empresas contratantes de qualquer responsabilidade. Na prática hoje há um grande número de empresas terceirizadoras que somem do dia para a noite e os trabalhadores ficam sem receber nada. Já vimos isso com as cooperativas de trabalho.

5) Sem qualquer controle – Por ser uma relação entre duas empresas não existe qualquer possibilidade de fiscalização ou acompanhamento por parte do Ministério do Trabalho ou dos sindicatos, será uma relação simples e desigual entre o patrão e o trabalhador. Podemos ver exemplos dessa relação desigual nas sucessivas autuações do Ministério do Trabalho no tocante a trabalho análogo ao escravo que se repetem a cada dia.

6) Sem representação sindical – O projeto fragiliza a organização dos trabalhadores que terão sua representatividade pulverizada facilitando a exploração do trabalho. A importância da representação dos trabalhadores em processos de negociação é reconhecido e apoiado inclusive pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) onde estão representados Trabalhadores, Estados e Empregadores.

7) Riscos à previdência pública e às aposentadorias – O projeto incentiva a rotatividade de mão de obra e a precarização com os trabalhadores ficando por diversas vezes sem receber salários e sem que as verbas referentes ao INSS e ao FGTS sejam recolhidas e com tal prática a aposentadoria de milhões de trabalhadores e até mesmo a previdência pública ficam ameaçadas.

8) Fim do concurso público – O projeto permite a terceirização em todos os níveis (Federal, Estadual e Municipal) acabando com o concurso público. Acabam todas as formas de contratação conforme o estabelecido na Constituição e passam a valer as regras do mercado. Acabam os sonhos de milhões de brasileiros em conseguir um emprego público decente. Um exemplo disso é a Petrobrás que tem hoje cerca de 70 % de terceirizados no seu quadro.

9) Ilegalidades – O projeto contraria preceitos fundamentais da Constituição Federal, sobretudo os expressos no art. 7º, que consagra o princípio da progressividade dos direitos sociais, e preconiza a redução dos riscos inerentes à saúde do trabalhador. O citado projeto atenta contra a essência de pilares históricos do Direito do Trabalho, previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, que estabelecem a regra geral de o tomador dos serviços ser presumido como empregador.

10) Insegurança jurídica e social – O projeto só garante alguma segurança jurídica aos empregadores e total desamparo jurídico aos milhões de trabalhadores. Defendemos a regulamentação equilibrada onde se garantam os direitos trabalhistas básicos. O que teremos com a aprovação do mesmo é uma grande insegurança social que pode ter consequências trágicas para a jovem democracia brasileira.

* Marcello Azevedo é bancário e secretário de Relações de Trabalho da CUT-RJ

Fonte: Marcello Azevedo

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Contrapoder popular

Frei Betto *


 


Reduzidas as manifestações de rua, cujo auge se atingiu em junho, temos agora, em vários pontos do país, ocupações de espaços públicos: câmaras municipais, assembleias legislativas, calçadas da casa de políticos etc.



Nossas autoridades estão surpresas e assustadas. Antes, contavam com o concurso da grande mídia, que não dava importância a manifestações pontuais ou criminalizava-as, e a polícia agia contra elas com ação preventiva e repressiva.



Agora, novos atores, difíceis de serem controlados, entraram em cena. É o caso das mobilizações convocadas através de redes sociais. Fura-se o bloqueio da grande mídia por meio de iniciativas como a rede Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação).



O que há de novo é a inversão do poder político. O contrapoder popular. Até junho, autoridades e partidos ditavam a pauta política na qual a população devia ser enquadrada. A classe política, do alto de seu elitismo, acreditava que só devia dar atenção ao povo de dois em dois anos, nos períodos eleitorais. Considerava a política uma roda gigante movida pelo mecanismo de alianças e pactos partidários e cujos ocupantes miravam de cima a plebe ignara.



Súbito, movimentos sociais decidiram recorrer à democracia direta e ocupar espaços que, de direito, são “casas do povo”, frequentemente usurpados por aqueles que deveriam nos representar, como no caso da CPI das empresas de ônibus no Rio, na qual a maioria dos vereadores que a integram foi contra a sua instalação. É a raposa investigando quem ataca o galinheiro…



Eis o incômodo: o movimento social escapa do controle governamental. O poder público o ignorava ou, quando muito, o cooptava. Os raros representantes desses movimentos nas esferas legislativas e executivas não tinham vez nem voz. Basta conferir a paralisação dos projetos de reforma agrária no Congresso Nacional e no governo federal.



Os movimentos sociais buscaram, então, uma alternativa: a pacífica insurreição popular. Por vezes violada por vândalos que são policiais infiltrados ou fazem o jogo da direita, e cujas máscaras deveriam ser arrancadas por quem prefere a não violência ativa. Minha geração foi para as ruas, de cara limpa, se manifestar contra a ditadura.



O risco político desse processo (e protesto) popular é confundir o saudável suprapartidarismo com o nefasto antipartidarismo. Partidos políticos são, como o Estado, um mal necessário. Se é fato que muitos traem suas origens e discursos, chafurdam na corrupção, estabelecem alianças promíscuas, fazem na vida pública o que fazem na privada… a saída não é virar-lhes as costas e torcer o nariz, erguendo a bandeira do voto nulo.



Quem tem nojo de política é governado por quem não tem. E tudo que desejam os maus políticos é que haja bastante nojo, para que eles fiquem à vontade com a rapadura nas mãos… O que temem é a interferência de novos atores na esfera política e, nas eleições, a dança das cadeiras.



A alternativa é a reforma política. Eis uma demanda urgente. Não apenas para decidir se o voto será distrital ou misto e se as campanhas poderão ou não ser financiadas por recursos privados. A reforma precisa abranger também exigências, como o fim do voto secreto no legislativo, do sigilo dos cartões de crédito dos poderes da República, das parcerias público-privadas, dos empréstimos de recursos públicos na boca do caixa e na calada da noite, da privatização de bens estatais e públicos etc.



A reforma política, se não for profunda, permitirá que continuemos a ter eleições viciadas pelo poder econômico, pelo “toma lá, dá cá”, pelos conchavos de cúpula, pelo percentual de votos dados ao candidato honesto que acabam contabilizados para eleger o corrupto.



A reforma política terá ainda que incluir mecanismos de transparência no exercício da atividade política, de modo que a soberania popular possa exercer controle sobre o desempenho dos políticos e das instituições públicas.



Pior do que aquele presidente-ditador que não gostava do cheiro de povo é o político que se diz democrata e detesta a proximidade do povo, preferindo que ele seja mantido à distância pelas forças policiais.


 


* Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto






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Fonte: Frei Betto