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Vende-se a natureza

 


Frei Betto*

Às vésperas da Rio+20 é imprescindível denunciar a nova ofensiva do capitalismo neoliberal: a mercantilização da natureza. Já existe o mercado de carbono, estabelecido pelo Protocolo de Kyoto (1997). Ele determina que países desenvolvidos, principais poluidores, reduzam as emissões de gases de efeito estufa em 5,2 % .

Reduzir o volume de veneno vomitado por aqueles países na atmosfera implica subtrair lucros. Assim, inventou-se o crédito de carbono. Uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivale a um crédito de carbono. O país rico ou suas empresas, ao ultrapassar o limite de poluição permitida, compra o crédito do país pobre ou de suas empresas que ainda não atingiram seus respectivos limites de emissão de CO2 e, assim, fica autorizado a emitir gases de efeito estufa. O valor dessa permissão deve ser inferior à multa que o país ricos pagaria, caso ultrapassasse seu limite de emissão de CO2.

Surge agora nova proposta: a venda de serviços ambientais. Leia-se: apropriação e mercantilização das florestas tropicais, florestas plantadas (semeadas pelo ser humano) e ecossistemas. Devido à crise financeira que afeta os países desenvolvidos, o capital busca novas fontes de lucro. Ao capital industrial (produção) e ao capital financeiro (especulação), soma-se agora o capital natural (apropriação da natureza), também conhecido por economia verde.

A diferença dos serviços ambientais é que não são prestados por uma pessoa ou empresa; são ofertados, gratuitamente, pela natureza: água, alimentos, plantas medicinais, carbono (sua absorção e armazenamento), minérios, madeira etc. A proposta é dar um basta a essa gratuidade. Na lógica capitalista, o valor de troca de um bem está acima de seu valor de uso. Portanto, tais bens naturais devem ter preços.

Os consumidores dos bens da natureza passariam a pagar, não apenas pela administração da “manufatura” do produto (como pagamos pela água que sai da torneira em casa), mas pelo próprio bem. Ocorre que a natureza não tem conta bancária para receber o dinheiro pago pelos serviços que presta. Os defensores dessa proposta afirmam que, portanto, alguém ou alguma instituição deve receber o pagamento – o dono da floresta ou do ecossistema.

A proposta não leva em conta as comunidades que vivem nas florestas. Uma moradora da comunidade de Katobo, floresta da República Democrática do Congo, relata:

“Na floresta, coletamos lenha, cultivamos alimentos e comemos. A floresta fornece tudo, legumes, todo tipo de animal, e isso nos permite viver bem. Por isso que somos muito felizes com nossa floresta, porque nos permite conseguir tudo que precisamos. Quando ouvimos que a floresta poderia estar em perigo, isso nos preocupa, porque nunca poderíamos viver fora da floresta. E se alguém nos dissesse para abandonar a floresta, ficaríamos com muita raiva, porque não podemos imaginar uma vida que não seja dentro ou perto da floresta. Quando plantamos alimentos, temos comida, temos agricultura e também caça, e as mulheres pegam siri e peixe nos rios. Temos diferentes tipos de legumes, e também plantas comestíveis da floresta, e frutas, e todo de tipo de coisa que comemos, que nos dá força e energia, proteínas, e tudo mais que precisamos.”

O comércio de serviços ambientais ignora essa visão dos povos da floresta. Trata-se de um novo mecanismo de mercado, pelo qual a natureza é quantificada em unidades comercializáveis.

Essa ideia, que soa como absurda, surgiu nos países industrializados do hemisfério Norte na década de 1970, quando houve a crise ambiental. Europa e EUA tomaram consciência de que os recursos naturais são limitados. A Terra não tem como ser ampliada. E está doente, contaminada e degradada.

Frente a isso, os ideólogos do capitalismo propuseram valorizar os recursos naturais para salvá-los. Calcularam o valor dos serviços ambientais entre US$ 16 e 54 trilhões (o PIB mundial, a soma de bens e serviços, totaliza atualmente US$ 62 trilhões). “Está na hora de reconhecer que a natureza é a maior empresa do mundo, trabalhando para beneficiar 100 % da humanidade – e faz isso de graça”, afirmou Jean-Cristophe Vié, diretor do Programa de Espécies da IUCN, principal rede global pela conservação da natureza, financiada por governos, agências multilaterais e empresas multinacionais.

Em 1969, Garret Hardin publicou o artigo “A tragédia dos comuns” para justificar a necessidade de cercar a natureza, privatizá-la, e assim garantir sua preservação. Segundo o autor, o uso local e gratuito da natureza, como o faz uma tribo indígena, resulta em destruição (o que não corresponde à verdade). A única forma de preservá-la para o bem comum é torná-la administrável por quem possui competência – as grandes corporações empresariais. Eis a tese da economia verde.

Ora, sabemos como elas encaram a natureza: como mera produtora de ‘commodities’. Por isso, empresas estrangeiras compram, no Brasil, cada vez mais terras, o que significa uma desapropriação mercantil de nosso território.


 



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* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de “O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros livros.
www.freibetto.org <http://www.freibetto.org> Twitter:@freibetto.

Fonte: Frei Betto

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Ninguém tem o direito de comemorar o 31 de Março

Por Almir Aguiar *


 


Os algozes da ditadura militar e seus seguidores, muitos deles atualmente entrincheirados em blogs e em associações, a bradar contra a democracia voltam a promover um ato no Clube Militar do Rio de Janeiro para comemorar os anos de chumbo, repressão e tortura. As viúvas da ditadura defendem o golpe militar de 31 de março de 1964, que teve o apoio da burguesia imperialista. Implantaram uma ditadura em nosso país e querem agora se utilizar da liberdade de expressão, fruto da nossa luta e de muitos companheiros que deram a vida por ela, hoje garantida pela Constituição soberana e democrática de 1988, para festejar os 48 anos do início de um golpe que manchou de sangue a História do Brasil.

Nós, militantes pela democracia, que lutamos para que o governo federal implante uma Comissão da Verdade capaz de recuperar para o povo brasileiro a sua história, também vamos nos manifestar. Em artigos e em atos públicos denunciaremos os crimes daqueles que destituíram um governo legitimamente eleito pelo povo em 1960 e, tendo como desculpa a salvação do Brasil do “perigo da ditadura comunista”, sufocaram a liberdade, suprimiram as eleições livres, prenderam e torturaram trabalhadores, estudantes, intelectuais, sequestraram, mataram e desapareceram com os corpos de centenas de brasileiros de todas as idades, que ofereceram à Pátria os seus melhores anos, as suas vidas, os seus ideais.


 


Nós, bancários, sempre na vanguarda do sindicalismo e ativos participantes dos movimentos sociais libertários, também demos a nossa dolorosa contribuição ao resgate da democracia,  com as vidas de muitos trabalhadores bancários. Nos remetemos sempre à figura do bravo companheiro Aluisio Palhano Pedreira Ferreira, ex-presidente do Sindicato dos Bancários,  preso, torturado e cujo corpo  jamais foi encontrado.


 


Todo país, cada povo, tem o direito de conhecer a sua trajetória, de honrar a sua memória. Nações do mundo todo que passaram por ditaduras reconstruíram, a seguir, os fatos históricos, condenando à prisão ou ao limbo do esquecimento aqueles que ousaram se insurgir ilegalmente contra a vontade do povo.
Que o Brasil possa vir a conhecer a realidade do que se passou entre 1964 e 1985. Que possamos ter uma Comissão da Verdade representativa, capaz de reconstruir com serenidade os atos e fatos que se abateram sobre o nosso país durante o longo período em que a ditadura militar reinou violentamente, suprimindo, entre outras, a liberdade de expressão, de reunião e da livre manifestação do pensamento.


 


Se a história oficial é a dos vencedores, a deles, a dos golpistas de 64, acabou em 1985. Apesar de todos os entraves e obstáculos que até agora vêm retardando a sua instalação, que venha imediatamente a Comissão da Verdade, independentemente de ser mantida ou não a Lei da Anistia. Uma coisa não exclui a outra. O tempo passa e os dias não se repetem.


 


A democracia que foi conquistada com sangue, prisões, torturas e exílios garante a liberdade de expressão. Mas será que a liberdade dá direito a nazistas comemorarem o holocausto e a militares brasileiros, de pijama, festejarem o golpe e a ditadura? Inaceitável. Ninguém tem o direito de comemorar as anomalias da história que foram extirpadas com o mais alto preço da vida humana.

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*Almir Aguiar é presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.

Fonte: Almir Aguiar

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ESPECIAL MÊS DA MULHER: A cidadania social como caminho para a cidadania politica – Parte II

Rita da Costa Pereira *


Após a paralisia provocada pela instalação da ditadura militar no Brasil, o país viveu um momento muito particular e rico politicamente no período de 1979 a 1985. Apesar de asfixiado, o movimento sindical recebeu uma importante ajuda para a retomada da luta dos trabalhadores e trabalhadoras. Com a pauperização da classe trabalhadora as periferias das grandes cidades se organizaram em associações de bairros e movimentos sociais que acabaram por pressionar os governos. É neste momento que condições de vida e trabalho se encontram, e nesse encontro as necessidades e reivindicações são assexuadas. Homens e mulheres se unem em um objetivo comum: por melhora da qualidade de vida.



No campo, seja pela “mãos” das pastorais ou grupo laicos, as mulheres começam o debate sobre seu papel como cidadãs – não que isso não tivesse acontecido antes, só que agora ele começa a tomar corpo. Num espaço onde o trabalho doméstico se confunde com o trabalho do campo, as trabalhadoras rurais começam a questionar o trabalho exaustivo e sua responsabilidade na renda familiar. Em um primeiro momento, essas organizações denunciaram a ausência do Estado nos seus direitos básicos à saúde e educação. Neste contexto nasceram abaixo-assinados, passeatas e encontros. Apesar de lutarem por inclusão social, esses movimentos levaram as trabalhadoras rurais a questionamentos mais profundos ligados ao feminino. Quando a discussão é saúde, despontam a maternidade e suas responsabilidades. Daí para o questionamento do “porque somente à mulher cabe a responsabilidade pela criação de seus filhos?”, é um pulo.



Com a redemocratização do Brasil, surgiu em 28 de agosto de 1983, em São Bernardo do Campo, SP, a Central Única dos Trabalhadores – CUT. Em seu estatuto, seus objetivos principais são: “… o compromisso com a defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, a luta por melhores condições de vida e trabalho e o engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo;”. As mulheres participaram ativamente deste processo histórico, e do mundo do trabalho surgiu seu principal palanque político: o movimento sindical. Neste espaço suas demandas foram expostas e soluções cobradas. Contra a discriminação por sexo – demanda que rompia as paredes de casa, reconhecimento da sua contribuição social e econômica pela sua força de trabalho – na casa ou na empresa. Enfim, a mulher conquistou sua cidadania social, antes restrita apenas aos homens. Finalmente saiu da sombra do trabalho masculino e mostrou sua força produtiva. Mas existiam demandas específicas das trabalhadoras, o que acabou na criação, no ano de 1986, da Comissão da Questão da Mulher Trabalhadorada CUT, em nível nacional.



Apesar do crescente aumento da presença das mulheres nos espaços políticos, esse número ainda é pequeno nas direções das entidades sindicais. Uma das tentativas da CUT para diminuir essa diferença de gêneros nas direções foi a implantação, em 1993, do sistema de cotas mínimas de mulheres. Mesmo com esta iniciativa, ainda temos poucas mulheres nas diretorias executivas das entidades. Não vou entrar aqui na questão do machismo que ainda faz parte de nossa sociedade, e que por isso também está presente dentro do movimento sindical. Essa prática é visível, porém cada vez a mulher se torna mais autônoma, mais crítica, mais escolarizada, o que tem dado a ela mecanismos para enfrentar e lidar com mais tranquilidade com essa prática. Prefiro pensar que o principal entrave da vivência política da mulher trabalhadora brasileira ainda é fruto de sua jornada dupla de trabalho: empresa e lar. As creches liberaram as mulheres para o trabalho, mas não para a vida política.



Neste importante espaço de atuação política conquistado pelas trabalhadoras brasileiras – as entidades sindicais –, seria interessante que fossem criadas unidades sindicais não por local de trabalho, mas pelo de moradia do trabalhador. Essas unidades devem ser equipadas com creches para que essas trabalhadoras possam participar mais ativamente das discussões sem comprometer suas outras tarefas diárias.



É preciso diminuir a distância entre o espaço político e a trabalhadora. Afinal os dados do último senso do IBGE, do ano de 2010, mostraram que em nosso país quase 40\ % \ das famílias são chefiadas por mulheres, ou seja, de cada dez famílias, quatro têm chefia feminina. Já é hora de aumentarmos, também, o número de participantes femininas em suas entidades sindicais de base. É preciso que dirigentes sindicais de ambos os gêneros pensem em soluções práticas para aumentarmos a participação das mulheres.


 



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* Rita da Costa Pereira é graduada em História pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em História Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes

Fonte: Rita da Costa Pereira

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ESPECIAL MÊS DA MULHER: A cidadania social como caminho para a cidadania política – Parte I

Rita da Costa Pereira *



Pensar o mundo do trabalho como reflexo das necessidades humanas tem sido tema de vários trabalhos acadêmicos. A forma como homens e mulheres lidam com a vida material acaba refletindo muito mais do que as questões especificadas do trabalho, mas valores sociais, preconceitos, limitações e formas de lutas e superações.



Vinte anos após o fim do trabalho escravo no Brasil, alguns setores, civis e militares, começaram a fazer suas primeiras reivindicações. A partir de 1907, com a liberdade sindical, trabalhadores da imprensa nacional, ferroviários e do arsenal da Marinha começaram a questionar a situação insalubre do trabalhador brasileiro. Dadas as péssimas condições de trabalho do período, no principio se reivindicou o básico.



Neste período a cidadania social era exclusividade dos homens, já que este direito estava ligado à sua função laboral na sociedade. A ideia de que só o homem era trabalhador ofuscava o trabalho feminino. As mulheres não estavam incluídas nem mesmo como parte economicamente produtiva da sociedade. Com seu trabalho à sombra do masculino, suas demandas não estavam incluídas nas pautas de reivindicações.



Foi somente a partir de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho (26/11/1930), que o Estado brasileiro começou a engatinhar rumo a uma regulamentação das questões ligadas ao mundo do trabalho. Pressionado pelos sindicalistas – de tendências socialistas, comunistas e anarquistas – acabou por ceder em nome da governabilidade. A definição de direitos e deveres de ambas as partes, patrão e empregados, vai dar inicio à construção da cidadania social no Brasil. Através da organização dos trabalhadores, liderados pelos seus sindicatos em em 1º de maio de 1943, pelo decreto lei 5.452, é criada a famosa CLT. Em seu Art. 5º, define que “a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo”, contemplando a trabalhadora brasileira. Mais que isso, o artigo denuncia uma das maiores injustiças contra a mulher no mundo do trabalho: a desigualdade de salário entre gêneros, questão combatida até os dias de hoje. Outros artigos da CLT vão fazer a defesa da mulher trabalhadora. O direito ao emprego após a contratação do matrimônio e da maternidade também serão garantidos. Preconceitos antes velados começam a despontar através da lei que regulamenta o trabalho no Brasil. Elas já haviam conquistado o direito ao voto, em 1932, e, em 1934, o de serem eleitas, mas era principalmente no trabalho que a mulher abria seu espaço de atuação política. Era nesse espaço que ela sentia todas as limitações impostas ao seu sexo.



Esse modelo de cidadania social se manteve até o golpe militar de 1964. A CLT representou um avanço na conquista de direitos pelos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, mas não atingia a todos. Somente as grandes empresas e os trabalhadores urbanos estavam abrangidos, num país onde a maior parte dos trabalhadores estava no campo.



Após o golpe militar, e durante os governos militares que o seguiram, houve um retrocesso na atuação do espaço conquistado pelos trabalhadores e trabalhadoras que culminou com a conquista da cidadania social. O mais significativo foi o enfraquecimento dos movimentos sindicais, com repressão aos sindicatos e as suas lideranças, e o enfraquecimento da justiça do trabalho.



Os governos militares deram um grande golpe no espaço político que começava a ser ocupado pelas trabalhadoras: os sindicatos. Com apoio civil, lançam programas políticos voltados para a família. Consequentemente, para o modelo padrão da família da época, onde o homem é o chefe mantenedor e a mulher, a “atriz” coadjuvante.



Mas o primeiro passo já havia sido dado. E por mais que o regime militar, durante os anos de chumbo, tenha dificultado o avanço das mulheres trabalhadoras brasileiras na conquista de seu espaço político, ele não conseguiu pará-las. O arrocho salarial e a carestia, acabaram dando um novo gás à luta das mulheres. Dessa vez não foram somente as mulheres da cidade, mas também as do campo que se organizaram em busca de seus direitos. A partir da década de 1970 o país, como um todo, não suportava mais o regime autoritário e excludente, e o movimento sindical deu ainda mais voz e espaço político para as mulheres.



Mas essa é outra história e fica para a próxima semana.


 


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* Rita da Costa Pereira é graduada em História pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em História Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes

Fonte: Rita da Costa Pereira

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Dia da Mulher. Que mulheres?

Frei Betto *


 


Antes de celebrar o Dia da Mulher a 8 de março, há que comemorá-lo. Os dois verbos têm diferentes significados, embora frequentemente empregados como sinônimos. Celebrar é promover cerimônia, destacar, tornar célebre, donde celebridade. Comemorar é fazer memória, resgatar o passado, atualizar lembranças.



De que mulheres tratamos nesta efeméride? Da empregada doméstica que a família preza como parente para camuflar a sonegação de seus direitos trabalhistas, a falta de carteira assinada, de férias regulares e salário digno?



É também o dia das babás, a quem é negado o direito de estudar, aprimorar-se profissionalmente, e exigido cuidado e afeto aos bebês da família? Quem se lembra das mulheres chefes de família, largadas à deriva por seus maridos, obrigadas à dupla jornada de trabalho para tentar educar os filhos?



As mulheres são a metade da humanidade. A outra metade, filhos de mulheres. E, no entanto, bilhões prosseguem submetidas ao machismo irreverente, proibidas de dirigir carros em alguns países árabes, obrigadas a suportar a poligamia em clãs africanos, forçadas à infibulação (castração feminina) em culturas fundamentalistas, menosprezadas ao nascer na China patriarcal.



Pobre Ocidente que, do alto de sua arrogância, mira tais práticas como se aqui as mulheres tivessem alcançado a emancipação. É verdade, multiplica-se o número de mulheres chefes de Estado ou de Governo, como, atualmente, Dilma Rousseff (Brasil); Cristina Kirchner (Argentina); Laura Chinchilla (Costa Rica); Ângela Merkel (Alemanha); Tarja Halonen (Finlândia); Pratibha Patil (Índia); Dália Grybauskaité (Lituânia); Eveline Widmer-Schlumpf (Suíça); Ellen Johnson Sirleaf (Libéria); e Sheikh Hasina (Bangladesh).



Não olhemos, porém, apenas para o alto. Mirem-se nas mulheres de Atenas, sugere Chico Buarque. “Elas não têm gosto ou vontade / Nem defeito, nem qualidade / Têm medo apenas / Não têm sonhos, só têm presságios / O seu homem, mares, naufrágios… / Lindas sirenas, morenas.”



Há que mirar em volta: mulheres como isca de consumo, adornando carros e bebidas alcoólicas. Mulheres no açougue virtual da chanchada internáutica e nas capas de revistas que cobrem as bancas de jornais, a exibir, como vacas em exposição pecuária, seus atributos físicos anabolizados cirurgicamente.



Milhões de mulheres tentando curar suas frustrações, via medicamentos e terapias, por não corresponderem aos padrões vigentes de beleza. Mulheres recauchutadas, anoréxicas, siliconizadas, em luta perene contra as rugas e as gorduras que o tempo, implacável, imprime a seus corpos. São as gatas borralheiras sempre a fugir da hora em que a velhice bate à porta, tornando-as menos atrativas aos olhos masculinos.



Sim, é preciso fazer memória de mulheres que não foram ricas de imbecilidade nem se expuseram na vitrine eletrônica do voyeurismo televisivo em rede nacional. Refiro-me a Judite, que derrotou o general Holofernes; Maria, que exaltou os pobres, despediu os ricos de mãos vazias e gerou Jesus; Hipácia, filósofa e matemática de Alexandria; Joana d’Arc, queimada viva por desafiar monarcas e cardeais; Teresa de Ávila, que arrancou Deus dos céus e centrou-o no coração humano; Joana Angélica, monja baiana que se opôs ao colonialismo português; Olga Benário, combatente contra o nazifascismo; Zilda Arns, que ensinou dezenas de países a reduzirem a mortalidade infantil; e tantas outras mulheres anônimas que, literalmente, carregam o mundo no ventre e nas costas.



À tradição cristã se deve muito a demonização da mulher. A começar pela interpretação equivocada de que foi Eva a responsável por introduzir o pecado no mundo. Assim como o papa se penitenciou por ter a Igreja Católica condenado Galileu e Darwin, é hora de se aproveitar uma data como 8 de março para reabilitar a mulher na Igreja, permitindo-lhe acesso ao sacerdócio, ao episcopado e ao papado.



Jesus primeiro se revelou como messias a uma mulher – a samaritana do poço de Jacó. Ela pode ser considerada a primeira apóstola. E foi a uma mulher – Madalena – que primeiro Jesus apareceu ao ressuscitar.



E é bom sempre recordar a afirmação do papa Sorriso, João Paulo I: “Deus é mais mãe do que pai”.


 


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* Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org    twitter: @freibetto.

Fonte: Frei Betto

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ESPECIAL MÊS DA MULHER: Em briga de marido e mulher, AGORA se mete a colher

Por Rita da Costa Pereira*



Com a chegada da burguesia ao poder, uma nova ordem despontou no horizonte. No período que ficou conhecido como a Belle Époque (1890-1920), se deu a consolidação de valores e atribuições dos papéis sociais femininos e masculinos que acabaram por contribuir e consolidar a dominação masculina sobre a mulher.



À mulher foi destinada a casa e, para reinar nesse espaço, era preciso ser comedida, dócil, honrar e respeitar seu marido, cuidar de seus filhos, não desenvolver a sua inteligência – já que esse era um traço masculino e comprometia sua natureza dócil. Ao homem foi destinada a rua e, como senhor soberano, deveria prover sua casa e gozar de total liberdade. Liberdade que incluía o exercício pleno de sua sexualidade. À mulher era vetado o exercício de sua sexualidade, considerado um desvio de caráter grave, punido de forma violenta. Punida pelo Estado, com o consentimento da sociedade.



Em uma sociedade patriarcal com tais valores, ser marido era também ser “dono”, e a mulher era “propriedade privada” do homem. Por isso é fácil entender a conhecida frase: “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. A violência doméstica era assunto privado.



Esta autoridade masculina não estava presente somente no discurso, ela se fazia presente na lei. Em nosso país, o código Penal de 1890 previa prisão celular de 1 a 3 anos para a mulher adúltera. Neste código, só a mulher era penalizada.



No Brasil do início do século XX o crime passional não era passível de punição. A violência era justificada por uma perda momentânea da razão, causada por emoções fortes, como o ciúme, que justificava o homicídio, em nome do amor e da honra. Herança do ideal de amor romântico que não suportava a vida sem seu objeto de amor.



Mesmo nessa “camisa de força” as mulheres brasileiras alcançaram conquistas importantes no século XXI no que diz respeito à penalização da violência doméstica. Em 07/08/2006, foi criada a lei de número 11.340, que ficou conhecida como lei Maria da Penha – homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que foi colocada em uma cadeira de rodas pela violência cometida por seu ex-marido. Esta lei alterou o código de processo penal, permitindo ao juiz decretar a prisão preventiva do agressor, e criminalizou a violência doméstica. Deu um basta às cestas básicas como punição para esse tipo de crime.



Mais recentemente, no dia 09/02/2012, por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os agressores de mulheres poderão ser denunciados independente da vontade da vítima. Desde a sua criação, que aumentou o número de denúncias de violência doméstica, esta foi a alteração mais significativa na  lei 11.340. Até então somente as vítimas podiam fazer a denúncia. O medo que sentem do agressor sempre foi um grande entrave à denúncia da violência pelas mulheres. A vergonha e o medo fazem com que se sintam sozinhas, mas, com a última decisão do STF, a violência doméstica deixou de ser assunto da esfera privada e passou a ser o que sempre foi: responsabilidade pública.



Esta conquista permite que qualquer cidadão ou cidadã denuncie essa prática que viola os direitos humanos. Não tenho a ilusão de que estes mecanismos acabem com a violência doméstica, nem é esse o seu objetivo. Mas eles podem, sim, penalizar e tentar conter esse tipo de crime. Em nosso país os índices ainda são alarmantes e a cada quinze segundos uma mulher sofre algum tipo de violência no Brasil. Pessoalmente, só acredito na mudança da mentalidade de dominação masculina através da educação que valorize o direito à igualdade entre os gêneros. Mas enquanto não avançarmos nessa questão, em briga de marido e mulher AGORA eu meto, sim, a colher.


 



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* Rita da Costa Pereira é graduada em História pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em História Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes

Fonte: Rita da Costa Pereira

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Sem igualdade não há novo modelo de desenvolvimento

Rosane Silva *


 
Este ano para celebrar o 8 de março mais do que nunca estaremos sintonizadas com as bandeiras históricas da CUT.



Nesse mês será lançada a campanha por Liberdade e Autonomia Sindical da nossa Central e estaremos nas ruas para lutar por um novo modelo de sociedade e afirmar que o centro da nossa pauta é a disputa por um modelo desenvolvimento sustentável com distribuição de renda, valorização do trabalho, liberdade e autonomia sindical e igualdade entre mulheres e homens.



Para nós desenvolvimento sustentável é o direito de todos e todas ao emprego, a terem condições de produzir e comercializar com dignidade, a possibilidade de crescimento pessoal, e também o direito ao tempo livre onde o resultado do trabalho não seja apropriado pelo capital.



Mais da metade da classe trabalhadora desempregada são mulheres, o que demonstra uma nítida desigualdade de oportunidades entre os sexos e a importância de uma agenda de crescimento econômico que gere empregos, de qualidade, nos quais as mulheres também estejam contempladas.



Esses dois temas reafirmam a centralidade do tema trabalho na luta das mulheres cutistas e a importância de estarmos inseridas nos debates gerais da central enfatizando que a classe trabalhadora tem dois sexos e que isso, em uma sociedade patriarcal e capitalista como a nossa, resulta em discriminação das mulheres no acesso, permanência e ascensão no mercado de trabalho.



As mulheres conquistaram avanços importantes ao longo da história, o Brasil tem uma Presidenta da República! No entanto um olhar mais cauteloso deixa evidente que para o conjunto das mulheres, principalmente as trabalhadoras, a discriminação ainda se faz presente no nosso cotidiano, e há muito a ser transformado para que possamos de fato construir uma sociedade livre do patriarcalismo.



Este ano até o final do primeiro semestre teremos dois grandes desafios a serem enfrentados: a) Garantir presença política e visual da CUT na Rio + 20 onde serão debatidos temas importantes para o mundo, mas em particular para as mulheres. Temas como a privatização da água, soberania alimentar, inundação de áreas em função de grandes obras são apenas alguns dos exemplos; b) Demonstrar na prática que nossa central tem um real compromisso com a construção da igualdade e aprovar a proposta de paridade no 11º CONCUT e eleger a próxima direção nacional com representação igualitária dos sexos.



No segundo semestre teremos a 1ª Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente. É importantegarantir que as delegadas cutistas estejam presentes e se articulem com nossos companheiros para que na 1ª Conferência Nacional de Trabalho Decente haja efetivo compromisso com a pauta apresentada pelas cutistas.



Para reverter o quadro de desigualdades são necessárias políticas de elevação da renda, a exemplo da política de valorização do salário mínimo, o combate à diferenciação do trabalho por sexo, que confina as mulheres em guetos, a ratificação da Convenção 189, que trata do direito das trabalhadoras domésticas, a implementação de políticas públicas de apoio à reprodução social, como creches e de cuidado aos idosos.



O projeto de desenvolvimento para o Brasil com distribuição de renda e valorização do trabalho que vem sendo pautado pela CUT deve considerar a condição social das mulheres e sua situação no mercado de trabalho, ou seja, precisa ter como eixos a geração de empregos com qualidade e a garantia de políticas públicas de distribuição de renda.



Por isso a CUT organiza as mulheres – para mudar a vida de toda a classe trabalhadora, homens e mulheres, e construir uma sociedade de fato justa e igualitária. Este desafio passa por uma questão central que é a construção de um projeto de desenvolvimento para nosso país que incorpore a luta das mulheres.



Mobilizar o conjunto da classe trabalhadora e dos movimentos sociais em torno dessa agenda é uma tarefa central para todas/os sindicalistas que acreditam que, para mudar o mundo, é preciso mudar a vida das mulheres.



Para que possamos transformar radicalmente a estrutura de nossa sociedade, é de fundamental importância que a luta por igualdade entre homens e mulheres seja incorporada enquanto uma luta de toda a classe trabalhadora


 


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* Rosane Silva é Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT

Fonte: Rosane Silva

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ESPECIAL MÊS DA MULHER: E no início era o lar…

Rita da Costa Pereira *


 


Nada mais atual do que a frase de Simone de Beauvoir quando afirmou que nós não nascemos mulheres, mas nos tornamos mulheres. Com funções e responsabilidades definidas socialmente em cada tempo histórico. No palco da vida “encenamos” nossos papéis, criados de acordo com as necessidades de cada tempo, de cada sociedade, de cada cultura. Esses papéis são laboriosamente pensados e construídos, e assim permanecerão até que o tempo devido os transforme.



Os dados do último senso do IBGE, do ano de 2010, nos mostram o trabalho do tempo. Ele traz, em números, informações surpreendentes quanto à consolidação da presença feminina no espaço público brasileiro. Em nosso país, quase 40 % das famílias são chefiadas por mulheres, ou seja, de cada dez famílias, quatro têm chefia feminina. Mas esse não é o único dado que surpreende. As mulheres brasileiras têm mais anos de escolaridades, em comparação aos homens, estão optando pela maternidade mais tardia e diminuindo o número de filhos. Cada vez mais autônomas em relação aos homens, tornam-se senhoras de seus destinos, quando foram, durante décadas, muitas vezes apenas “Rainhas do lar”.



Tais dados refletem a mudança da mentalidade social brasileira que cada vez abre mais o espaço público para a mulher. Mudanças pressionadas pelos movimentos sociais, sempre preocupados com a igualdade de gêneros.



A ideia do espaço privado como o local de realização do feminino, e do público como espaço masculino, é uma construção social que começou a se delinear no século XVIII. Apesar de sempre ter sido contestada por homens e mulheres, essa ideia tomou corpo e se consolidou com o discurso natural da gestação. Como geradora de vida, as mulheres se tornaram quase que automaticamente as únicas responsáveis pela educação e criação dos filhos. Foi para isso que foram criadas. O corpo frágil foi criado para a gestação e a amamentação. Este discurso se fez presente no Estado, nas escolas, nas Igrejas e nas instituições civis. Aos homens coube a responsabilidade de proteger suas mulheres e filhos e assegurar a manutenção da casa.



Aceitos por homens e mulheres, esses papéis foram empurrando cada vez mais as mulheres para o espaço privado, tornando-as as “Rainhas do Lar”. Aprender a costurar, lavar, passar, cozinhar, bordar, era pré-requisito para qualquer jovem que quisesse se casar. Mesmo que a jovem não desejasse o matrimônio, o discurso social dividia homens e mulheres em campos distintos. Os limites eram invisíveis, mas não despercebidos.



No mercado de trabalho, as profissões femininas tinham uma “marca” ligada à característica do seu papel social de mãe e esposa. Profissões como a de professora, secretária, costureira, enfermeira eram vistas como extensões das atribuições femininas no lar, e por isso eram aceitas pela sociedade. Elas não comprometiam a imagem feminina e eram condizentes com suas atribuições domésticas. Poucas ousaram romper esses limites, mas houve quem o fizesse. Em todos os tempos históricos tivemos mulheres presentes no mercado de trabalho, lutando para conquistar o espaço público, restrito aos homens.



Mesmo sem comprometer a imagem de seu papel social, essas profissões acabaram por estender o espaço público às mulheres. Aos poucos, com o consentimento social, elas abriram a porta da rua e foram em busca de sua realização. Organizaram-se em associações, sindicatos, partidos políticos, e, com determinação, entraram nas universidades, nos hospitais, tribunais, aviões.



Às vezes me pego pensando no que pensaria minha bisavó sobre essas mudanças. Com certeza ela me diria, horrorizada, que este mundo está perdido. Onde já se viu mulheres pilotando avião, dirigindo ônibus?



Recentemente uma matéria veiculada por um grande jornal brasileiro mostrou que a demanda por profissionais especializados na construção civil em nosso país está levando centenas de mulheres a se especializarem em colocação de azulejos, pisos, instalações elétricas e hidráulicas. O que mais me chamou a atenção é que as construtoras dão preferência às mulheres para este serviço. Não mais como nos séculos passados, quando as fábricas contratavam mulheres por serem mão de obra mais barata, mas pela competência e qualidade do trabalho realizado.



É interessante perceber as mudanças no mundo do trabalho. E pensar que aquelas que foram um dia “Rainhas do Lar” hoje avançam como profissionais competentes na construção de lares!



Conquista mais do que consolidada e justa do espaço público. Principalmente quando temos 40 % de mulheres brasileiras gerindo suas próprias vidas.


 


 


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* Rita da Costa Pereira é graduada em História pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em História Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes


 


 


 

Fonte: Rita da Costa Pereira

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DILMA CRITICA O NEOLIBERALISMO


 “A senhora, presidenta Dilma, foi corajosa ao escolher participar do Fórum Social Temático de Porto Alegre, e não do Fórum Econômico de Davos”, enfatizou João Pedro Stédile, líder do MST, no encontro com dirigentes de movimentos sociais e organizadores do FSM, na capital gaúcha, na tarde de quinta, 26 de janeiro.

 Pouco antes, na suíte presidencial do Hotel San Rafael, Dilma Rousseff recebeu o ecoteólogo Leonardo Boff e sua mulher, Márcia Miranda, e a mim, acompanhados do ministro Gilberto Carvalho.

 Boff manifestou ceticismo diante do texto preparado pela ONU para a Rio+20, que reunirá na capital fluminense, em junho, chefes de Estado e a Cúpula dos Povos, evento da sociedade civil.

 O Esboço Zero, como é conhecido o texto da ONU, é inconsistente; fala em pobreza mas evita abordar a desigualdade social, e alardeia a “economia verde”, mera falácia para evitar atacar a principal causa da devastação ambiental: o atual modelo predatório de desenvolvimento, baseado na prevalência da riqueza privada sobre direitos humanos e direitos da Mãe Terra.

 Às vésperas da viagem da presidente à Cuba, aproveitei para breve análise da conjuntura daquele país, que passa por mudanças substanciais, e no qual atuo, desde 1981, nos temas relações Igreja e Estado e metodologia da educação popular. No dia 9 de fevereiro, viajei a Cuba para participar do Congresso de Educação Superior e proferir palestra sobre Extensão Universitária e Educação Popular. A propósito, a 26 de março o papa Bento XVI inicia viagem de dois dias à Ilha, num reconhecimento da legitimação da Revolução.

Reivindicações e propostas

 No encontro com 70 líderes de movimentos sociais, Dilma ouviu seis oradores. Enfatizou-se o repúdio às mudanças no Código Florestal aprovadas no Senado; reivindicaram-se o veto à anistia aos produtores rurais responsáveis por crimes ambientais, a manutenção da reserva legal e a exigência de desmatamento zero. Ao responder, a presidente disse, com todas as letras, que o Código Florestal “não será o dos sonhos dos ruralistas”.

 Foram propostos um Programa Nacional de Reflorestamento para a Agricultura Familiar, financiado pelo BNDES; maior empenho na reforma agrária, de modo a assentar 180 mil famílias que continuam acampadas à beira de estradas; e a adoção, em larga escala, da agroecologia, para reduzir drasticamente o volume de agrotóxicos utilizados nas lavouras brasileiras, envenenando o solo e os consumidores.

 Sublinhou-se ainda a urgência de regularização das terras indígenas e ocupadas por comunidades quilombolas.

 Dilma iniciou sua intervenção frisando que representa um projeto de governo, iniciado pelo ex-presidente Lula, cujos objetivos centrais são reduzir a desigualdade social e imprimir qualidade aos serviços públicos, em especial à saúde, educação e habitação. Acrescentou que, após o fracasso de governos precedentes e tendo em vista a crise europeia, “o Brasil está vacinado contra o neoliberalismo”.

 Para a presidente, só foi possível tirar da pobreza 40 milhões de brasileiros, nos últimos nove anos, graças ao modelo de desenvolvimento sustentável que combina crescimento econômico com distribuição de renda. Criticou aqueles que consideram razoável o Brasil crescer apenas 2 % ou 3 % ao ano com baixo índice de inflação. É preciso crescer mais, gerar riquezas e aquecer a economia interna com distribuição de renda.

 Neste momento, enquanto na Europa se processam uma “perda de direitos sociais” e a adoção de ajustes fiscais, declarou Dilma, o Brasil – para o qual Davos olhou com uma ponta de inveja – adota uma política de subsídios a direitos fundamentais, como o acesso à moradia, e a combinação de transferência de renda com qualificação dos serviços públicos.

 Dilma considerou “uma barbárie” a desocupação das 1.700 famílias de Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), e manifestou a esperança de que a Rio+20, sobretudo através da Cúpula dos Povos, apresente à crise global um novo paradigma, “um outro mundo possível”.

 Alertou ainda que o pós-neoliberalismo não pode coincidir com a pós-democracia… Manifestou, assim, o temor de que medidas tomadas para superar a crise financeira mundial “tornem as agências de risco econômico mais importantes do que os povos que elegeram seus governantes”.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.  http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.
 


 
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Fonte: Frei Betto

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UNIVERSIDADE E INSERÇÃO SOCIAL

Por que dizemos universidade e não pluriversidade? Trata-se de uma instituição que comporta diferentes disciplinas. Multicultural, nela coabita a diversidade de saberes. O título universidade simboliza a sinergia que deveria existir entre os diversos campos do saber.

Característica lamentável em nossas universidades, hoje, é a falta de sinergia. Carecem de projeto pedagógico estratégico. Não se perguntam que categoria de profissionais querem formar, com que objetivos, de acordo com quais parâmetros éticos.

Ora, quando não se faz tal indagação é o sistema neoliberal, centrado no paradigma do mercado, que impõe a resposta. Não há neutralidade. Se o limbo foi, há pouco, abolido da doutrina católica, no campo dos saberes ele nunca teve lugar.

Um cristão acredita nos dogmas de sua Igreja. Mas é no mínimo ingênuo, senão ridículo, como assinala o filósofo Hilton Japiassu, um mestre ou pesquisador acadêmico crer no propalado dogma da imaculada concepção da neutralidade científica.

Em que medida nossas instituições de ensino superior são verdadeiramente universidades, ou seja, se regem por uma direção, um enfoque dialógico, um projeto pedagógico estratégico? Ou se restringem a formar profissionais qualificados destituídos de espírito crítico, voltados a anabolizar o sistema de apropriação privada de riquezas em detrimento de direitos coletivos e indiferente à exclusão social?

A universidade, como toda escola, é um laboratório político, embora muitos o ignorem. E a política, como a religião, comporta um viés opressor e um viés libertador. Como diria Fernando Sabino, são facas de dois legumes…

Um dos fatores de desalienação da universidade reside na extensão universitária. Ela é a ponte entre a universidade e a sociedade, a escola e a comunidade.

As universidades nasceram à sombra dos mosteiros. Estes, outrora, eram erguidos distantes das cidades, o que inspirou a ideia de campus, centro escolar que não se mescla às inquietações cotidianas, onde alunos e professores, monges do saber, vivem enclausurados numa espécie de céu epistemológico. Como assinalava Marx, dali contemplam a realidade, tranquilos, agraciados pelas musas, encerrados na confortável câmara de uma erudição especializada que pouco ou nada influi na vida social.


Essa crítica à universidade data do século 19, quando teve início a extensão universitária. Em 1867, a Universidade de Cambridge, Inglaterra, promoveu um ciclo de conferências aberto ao público. Pela primeira vez, a academia abria suas portas a quem não tinha matrícula, o que deu origem à criação de universidades populares.

Antonio Gramsci estudou numa universidade popular na Itália. A experiência o fez despertar para o conceito de universidade como aparelho hegemônico que se relaciona com a sociedade de modo legitimador ou questionador. Para ele, uma instituição crítica deveria, através dos mecanismos de extensão universitária, produzir conhecimentos acessíveis ao povo.

Na América Latina, antes de Gramsci houve o pioneirismo da reforma da Universidade de Córdoba, em 1918. A classe média se mobilizou para que as universidades controladas pelos filhos dos latifundiários e pelo clero se abrissem a outros segmentos sociais. Fez-se forte protesto contra o alheamento olímpico da universidade, sua imobilidade senil, seu desprezo pelas carências da comunidade entorno.

A proposta de abrir a universidade à sociedade alcançou sua maturidade, na América Latina, no 1º Congresso das Universidades Latino-Americanas, reunido na Universidade de San Carlos, na Guatemala, em 1949. O documento final rezava: “A universidade é uma instituição a serviço direto da comunidade, cuja existência se justifica enquanto desempenha uma ação contínua de caráter social, educativo e cultural, aliando-se a todas as forças vivas da nação para analisar seus problemas, ajudar a solucioná-los e orientar adequadamente as forças coletivas. A universidade não pode permanecer alheia à vida cívica dos povos, pois tem a missão fundamental de formar gerações criadoras, plenas de energia e fé, consciente de seus altos destinos e de seu indeclinável papel histórico a serviço da democracia, da liberdade e da dignidade dos homens.”

Sessenta e dois anos depois do alerta de San Carlos, neste mundo hegemonizado por transnacionais da mídia mais interessadas em formar consumistas que cidadãos, nossas universidades ainda não priorizam o cultivo dos valores próprios de nossas culturas nem participam ativamente do esforço de resistência e sobrevivência de nossa identidade cultural. O que deveria se traduzir no empenho para erradicar a miséria, o analfabetismo, a degradação ambiental, a superação de preconceitos e discriminações de ordem racial, social e religiosa.

Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – autobiografia escolar” (Ática), entre outros livros. http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.
 


 
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Fonte: Frei Betto