Convocado por intelectuais, ato no Tuca reúne centenas ao coro de “golpistas não passarão”

Por Rafael Tatemoto, de São Paulo

 

Com a plateia de quase 700 lugares lotada – além de outras tantas pessoas que acompanhavam do lado de fora – um grupo de mais de 40 intelectuais, artistas e lideranças políticas se reuniu no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o Tuca, na região oeste da capital paulista, em um ato em defesa de legalidade e da democracia.

Os presentes consideram que os recentes acontecimentos promovidos pelo Judiciário são “uma tentativa de golpe político”. Em coro, eles afirmaram “não vai ter golpe” e “não passarão” (em referência aos golpistas)”.

O encontro foi promovido pelo Centro Acadêmico 22 de Agosto, entidade que representa os estudantes de direito da PUC São Paulo, e pelo Fórum 21, articulação de intelectuais e acadêmicos progressistas que buscam debater uma plataforma econômica e política para garantir avanços sociais.

Na carta convocatória ao ato, chamada “Fórum 21: intelectuais vão à luta”, o coletivo afirma que “conspira-se abertamente para demolir o que o Brasil levou gerações para construir. O assalto é abafado pelo alarido de uma cruzada ética, liderada por um misto de dissimulação e vigarice”.

Ato político

O encontro foi iniciada com a fala do ator Sérgio Mambertti: “Não permitiremos que o golpismo prevaleça mais uma vez. Nessa noite, gerações se unem contra o ódio!”.

Após Mambertti, Anivaldo Padilha, presidente do Fórum 21, leu o “Manifesto em Defesa da Legalidade”. “Uma democracia não pode permitir que os guardiões da lei ajam fora da lei. Não se combate corrupção corrompendo a corrupção. O juiz Sérgio Moro faz da exceção uma nova regra. É um herança da ditadura contra a qual devemos reagir”, afirma o documento.

Padilha comentou ainda o vazamento da conversa entre Lula e Dilma: “Se isso não é uma violação do Estado Democrático de Direito, nada mais é”.

Guilherme Boulos, da direção do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), também atacou o grampo: “Em 2007, quando grampearam o Gilmar Mendes, o diretor da Polícia Federal foi demitido. E agora?”. E completou: “aqui ninguém é contra que Dilma e Lula sejam investigados. O que não dá é eles serem linchados, enquanto outros sequer são investigados”.

Clima de 1964

Para Fábio Konder Comparato, jurista e professor da USP, há uma seletividade do discurso contra o combate à corrupção, relembrando o caso da compra de votos na aprovação da emenda constitucional para garantir a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). “Quebraram a Constituição em 1997: houve alguma reação?”.

Professor emérito da PUC, Celso Antônio Bandeira de Mello também questionou o respeito às leis e criticou a condução coercitiva do ex-presidente petista. “Qualquer estudante de direito sabe que ninguém deve ser constrangido além do necessário. Posso dizer com todas as letras que é juridicamente errado”.

“Estamos a beira do precipício. O maior inimigo do povo brasileiro é a imprensa golpista: verdade ou mentira, tudo vem de lá”, afirmou Bandeira de Mello.

Em sua fala, o jornalista Fernando Morais seguiu na mesma linha e comentou as possíveis repercussões midiáticas da ida de Lula à Casa Civil: “Ele pode se pintar de ouro, essa mídia vai continuar perseguindo ele até o fim de sua vida. São os mesmos que deram o Golpe de 1964, e os interesses são os mesmos. Lula fez muito bem em aceitar o convite”.

Para Morais, Lula no governo significa “uma virada de jogo”. “Não se trata de Lula ou Dilma, eles são contra um projeto de país. Que o Sergio Moro saiba que estamos em vigília cívica”, concluiu Morais.

O contexto político similar ao da década de 60 foi uma análise partilhada por Comparato, que afirmou: “estamos sofrendo uma doença muito grave. Semelhante a que acometeu o país em 1964”. Ele completa dizendo que “é preciso entender que, em um país que teve quatro séculos de escravidão legal, o desprezo pelos pobres não acabará tão facilmente. O preconceito contra Lula é muito forte”.

Golpe e oportunismo

Armando Boito, professor de ciência política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirmou ao Brasil de Fato que o que está em jogo é o desprezo às urnas: “Desde que Dilma ganhou as eleições em 2014, o PSDB, os Democratas, a mídia e um grande setor do Judiciário vêm procurando motivos atrás de motivos. Primeiro, para evitar a posse; depois para a diplomação; e, finalmente, para depô-la”.

Para Boito, “está em curso no Brasil um golpe de Estado. O PSDB quer chegar ao governo sem voto. Caiu a máscara, não discutem mais se Dilma cometeu crime de responsabilidade: ‘A Dilma não é competente, ela tem que sair’. É um golpe de Estado que se apoia em setores fascistas que pedem a volta da ditadura na [avenida] Paulista”.

Fundador do PSDB, Luiz Carlos Bresser Pereira criticou atuação dos parlamentares de sua ex-legenda: “Oportunismo político é chefiado por Aécio Neves (PSDB-MG) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Há também oportunismo judicial, capitaneado por Sergio Moro”, afirmou.

Mudança de rumos

“O Brasil vive uma grande a ameaça. Duas coisas estão sob ameaça: a democracia e o direito dos trabalhadores. Eles querem há muito tempo dar um golpe em Dilma. A outra ameaça é a tese dos economistas conservadores de que a Constituição de 1988 não cabe no orçamento público”, essa análise de Gilberto Maringoni, professor da UFABC.

Ex-candidato ao governo de São Paulo pelo PSOL e crítico do governo Dilma, Maringoni denunciou a tentativa de golpe em curso, mas pediu mudanças na política econômica: “Nós estamos tentando dar o melhor de nós. Nunca pensei que teria de lutar uma segunda vez pela democracia. A intolerância e a barbárie estão nas ruas. Mas o governo precisa dar uma mãozinha. Se não houver uma mudança de rumo, nós não teremos sucesso”.

Contexto Latino

Maria Fernanda Marcelino, militante da Marcha Mundial das Mulheres, lembrou que a ofensiva da direita faz parte de uma conjuntura mais ampla. “Em 2012, foi no Paraguai. Em 2016, não será no Brasil, não deixaremos acontecer”.

Marcelino também lembrou a memória da militante hondurenha Berta Cárceres, recentemente morta. “Quando há golpes, há assassinatos. E nós sabemos quem são aquelas e aqueles que são assassinados”.

 

Fonte: Brasil de Fato – SP