Delegado barrado por exame de sexualidade

Reconhecido pelo trabalho de combate ao crime organizado, investigador luta para conseguir nomeação na Polícia Federal


 


Ana D´Angelo


 


Badenes está no programa de proteção a testemunhas do governo federal: ameaças de morte


 


Após dois anos de análise e seguidas recomendações de parlamentares, membros do Ministério Público Federal e até da Advocacia-Geral da União, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, negou-se a nomear Francisco Badenes Junior para delegado da Polícia Federal. Premiado diversas vezes no Brasil e no exterior pelo combate ao crime organizado no Espírito Santo, Badenes, delegado da Polícia Civil concursado, foi aprovado em todas as provas de conhecimentos do concurso da Polícia Federal realizado em 1993. Mas não passou na segunda etapa do teste psicotécnico. O laudo do exame concluiu que Badenes não tinha temperamento adequado para ser delegado da PF por não atender a média nas escalas de determinados atributos, entre eles, o de heterossexualidade.


Badenes pediu ao ministro Bastos a reconsideração da decisão do governo Fernando Henrique Cardoso, que indeferiu os dois recursos administrativos que interpôs. O ministro da Justiça informou que vai esperar a decisão definitiva da Justiça sobre o caso. Além do procedimento administrativo, Badenes também recorreu ao Judiciário questionando o resultado do teste.


A Comissão Nacional de Defesa e Proteção da Pessoa Humana, vinculada ao ministério de Bastos, também recomendou a posse. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região se manifestou favorável a Badenes em recurso julgado no final do ano passado, reconhecendo seu direito, mas, por questão processual, decidiu que cabe ao juiz de primeira instância determinar a posse de Badenes. Ele agora aguarda pelo deferimento de uma liminar.


 


Escala duvidosa


De acordo com o laudo do exame psicotécnico da Polícia Federal, Badenes, que já havia passado em concurso para delegado da Polícia Civil, é inapto para a função. Relatório recente da própria PF sobre o caso, de agosto do ano passado, tentou explicar a reprovação de Badenes, que é heterossexual: “A escala de heterossexualidade tende a mensurar a quantidade de energia que o indivíduo desprende para o sexo e a direção dessa canalização energética em termos psíquicos. Esse dado é necessário, pois complementa outros que analisam a energia vital do indivíduo, bem como sua pré-disposição para o trabalho, persistência, produtividade e resistência à fadiga e frustração”.


Conforme o documento da PF, “o fator heterossexualidade estaria relacionado ao fator persistência”. Ou seja, para os critérios da Polícia Federal, o indivíduo homossexual seria mais fraco na função de policial. Questionada, a direção da PF assegurou que não há restrição quanto à opção sexual dos candidatos e que o fator heterossexualidade – exclusivamente ou somado a outros fatores – não é causa de inaptidão.


O resultado do teste caiu na época como um salvo-conduto nas mãos das autoridades do Espírito Santo envolvidas em denúncias graves de homicídios, contrabandos e outros crimes. No Espírito Santo, o crime organizado infiltrou-se no aparato estatal e virou uma associação criminosa de bicheiros, traficantes, políticos, juízes, advogados, policiais (inclusive da Polícia Federal), entre outros agentes públicos.


 


Arbitrariedade

O Conselho Federal de Psicologia do Distrito Federal informou que o chamado EPPS, aplicado pela Polícia Federal no concurso realizado em 1993, é considerado um teste sem condições de uso para avaliação psicológica no Brasil. A partir de 1993, começou a funcionar o Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos (Satepsi), conforme resolução do conselho, para impedir que testes psicológicos sejam utilizados arbitrariamente. De acordo com a presidente do Conselho, Ana Mercês Bahia, o teste deve possuir os requisitos mínimos de cientificidade. “O resultado da aplicação de um único teste psicológico não pode ser suficiente para afirmar certas características sobre a pessoa que está sendo avaliada.” (AD)


 


Perseguido por autoridades indiciadas


Na época do concurso para delegado da Polícia Federal, Badenes investigava o extermínio de menores naquele estado e se defrontou com a famosa Scuderie Detetive Le Coq, da qual faziam parte membros do crime organizado. Badenes apurou as execuções sumárias de mais de 30 meninos de rua. Os cadáveres de crianças, entre 10 e 14 anos, eram expostos nas principais vias de acesso da capital, Vitória. Com o resultado do teste da Polícia Federal nas mãos, os acusados atacaram o delegado Badenes publicamente, em panfletos e jornais locais, desqualificando suas investigações.


Ele foi chamado de louco e débil mental por figurões como o ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, o bicheiro José Carlos Gratz, que cumpre pena de 15 anos de prisão, e pelo ex-governador José Ignácio, que respondeu a processo por desvio de cerca de R$ 25 milhões dos cofres públicos e foi indiciado pela Missão Especial de Combate ao Crime Organizado, integrada por membros do Ministério da Justiça, Legislativo e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).


 


Desqualificação

O resultado do laudo também tem sido usado nos processos judiciais dos membros do crime organizado para se defenderem das acusações feitas pelo Ministério Público, que se baseiam em investigações do delegado Badenes. Também chegou a ser exibido por Gratz para se defender na CPI do Narcotráfico, em 1999.


“O inquérito que apurou grupos de extermínio de menores em Vitória gerou indiciamentos de policiais. Imagine o prejuízo para a denúncia o fato de se questionar as faculdades mentais da autoridade responsável pelo inquérito”, afirmou o procurador regional da República Ronaldo Albo, que ajuizou ação civil pública que resultou na dissolução da Scuderie Le Cocq, em novembro de 2004, com base no inquérito conduzido pelo delegado. “A dívida que o Espírito Santo tem com Badenes é impagável”, emociona-se o procurador.


Jurado de morte pelo crime organizado do Espírito Santo, Badenes está hoje no Programa de Proteção a Testemunhas. Enquanto não toma posse, profere palestras e cursos para membros da Polícia Federal da Analyst´s Notebook, programa internacional de análise investigativa de visualização de dados complexos. (AD)


 

Fonte: O Estado de Minas e Correio Brasiliense