O advogado Eymard Loguercio já assessora o movimento sindical bancário há mais de duas décadas e conhece bem as artimanhas dos patrões. Com a reforma trabalhista, alguns dos maiores desejos dos banqueiros podem se realizar, com a possibilidade de retirada de direitos dos empregados.
Durante sua participação no seminário sobre reforma trabalhista realizado pela CUT-Rio no último dia 23, Eymard ressaltou que não há somente novidades no texto da reforma recém aprovada. “Este é o mais profundo e espesso projeto de alteração do Direito do Trabalho nos últimos 70 anos. Mas a reforma não veio do nada. Veio de uma série de projetos que já estavam no Congresso, como é o caso da terceirização. Todas as matérias que são centrais na reforma já passaram ou estão sendo apreciadas pelo Supremo: a ultratividade, o financiamento sindical, a greve e a contratação via OS no setor público, todas estão no STF”, destacou.
O que assusta é a velocidade com que as reformas estão passando. Mas as mudanças não se resumem ao Brasil. “A reforma trabalhista não está isolada – nem aqui, nem no mundo”, ressalta o advogado, lembrando as várias políticas de “austeridade” adotadas mundo afora depois da crise de 2008.
Eymard lembra também que o Direito do Trabalho nasce depois das revoluções que aconteceram há um século. “Da Revolução Russa e da Constituição do México de 1917,que foi a primeira que incluiu direitos sociais e reconheceu os trabalhadores como classe, uma classe com direitos. A primeira greve geral do Brasil também está fazendo cem anos. A CLT permitiu a industrialização no Brasil, permitindo aos trabalhadores, que antes eram rurais, entrarem no mercado de trabalho urbano. Entendeu-se que era preciso constituir um mínimo de direitos para que esta classe sobrevivesse. Introduziu-se o conceito de que trabalho não é mercadoria”, recorda o advogado.
Um fator que tem dificultado a ação das entidades sindicais é a denominação “colaborador” que as empresas têm dado a seus funcionários. “É papel dos sindicatos fazer com que os trabalhadores se reconheçam como classe. É preciso que o trabalhador se sinta como tal, com necessidade de defender o seu direito, que entenda que sindicato não é um lugar burocrático. A primeira questão é ressignificar os termos, para o trabalhador se sentir trabalhador, para manter seus direitos e participar do sindicato”, aponta Eymard.
A necessidade de retomar o termo “trabalhador” se faz urgente diante de uma reforma trabalhista que modifica as relações de trabalho, através de novas e variadas formas de contratação. “Agora vem uma reforma que desprestigia a ideia da subordinação e dá ao empresário varias opções para organizar seu negócio, com liberdade quase absoluta. O trabalho é mercadoria. O empregador tem uma cesta de opções para organizar o seu negócio, com liberdade quase absoluta: terceirizar, contrato por prazo indeterminado, contrato intermitente, como quiser.
Emenda pior que o soneto
A ladainha longamente repetida de que a CLT estava ultrapassada e precisava ser modernizada foi a justificativa para a reforma trabalhista. O argumento estava certo, mas a solução dada não atendeu às reais necessidades. O que os empresários queriam – e isso fica claro em vários pontos da reforma – era a segurança jurídica, ou seja, a permissão legal para exercer a exploração desenfreada. Mas as mudanças realmente necessárias eram na direção contrária. “Vivemos outro momento do capitalismo, o capitalismo financeiro. As questões da tecnologia se impõem. Mas não mudou a subordinação e a necessidade de proteção daquele que não vive do seu próprio negócio. Deveríamos estar pensando novas formas de proteção, porque as formas tradicionais não protegem o trabalhador da doença, do suicídio, dos transtornos mentais. A legislação precisa ser modernizada para ampliar a proteção, mas vem no sentido inverso: de transformar o trabalho em mercadoria. Descompensa o direito do trabalho como foi pensado”, destaca Eymard. O advogado ressalta que as leis existem para estabelecer limites para a natureza do capital, que é de se expandir. “É este o papel da legislação trabalhista, que estabelece os direitos da classe trabalhadora”, esclarece.
Mas as mudanças orquestradas pelos empresários vieram para desvirtuar esta função. “Esta reforma trabalhista retira direitos, dificulta o acesso à Justiça e fragiliza a negociação. Dizem que agora empoderaram os sindicatos para negociar, mas criaram a possiblidade de acordos individuais prevalecerem sobre os contratos coletivos e sobre a lei”, aponta Eymard. O advogado lembra que a nova legislação criou a figura do funcionário hipersuficiente – que tem nível superior e salário superior a duas vezes o teto de benefício do INSS – e deu a este trabalhador a possibilidade de negociar contrato individual sem participação de seu sindicato e mesmo em desacordo com as leis. “A cesta de contratos precários, a asfixia financeira e o negociado sobre o legislado tentam colocar o sindicato como desnecessidade”, destaca Eymard.
Perda de sentido
Outro golpe certeiro sobre os sindicatos foi a permissão de terceirizar a atividade-fim. “Terceirização em qualquer atividade impacta firmemente na ação sindical, por conta da forma como a organização é feita. É destrutivo sempre, porque a lógica é precarizante. O movimento sindical vai ter que fazer lutas conjuntas. É preciso fortalecer a solidariedade ou vamos ser destruídos por esta legislação. Quando for negociar, vai ser preciso verificar se vai atingir ou não todos os trabalhadores. Será preciso chamar outras categorias para negociar junto”, alerta. A saída é buscar celebrar acordos abrangentes. “Da mesma forma que discutimos a subordinação como um conceito para casos de terceirização, um caminho é que comecemos a discutir também o conceito de categoria estruturante. Aquele que se insere na atividade principal, na atividade-fim da empresa, tem que estar no mesmo guarda-cuva de direito dos que estão nas categorias preponderantes”, sugere. Já a imprecisão da definição não pode mais ser usada como argumento para não discutir a questão da atividade-fim. “Os advogados dos patrões nunca tiveram dúvidas sobre atividade-fim quando discutiam desoneração tributária junto à Receita Federal, mas discutiam relação de emprego”, lembra Eymard.
O ataque à organização dos trabalhadores veio sob diversas formas. “Terceirização, contratos precarizantes, individualização das negociações sobre jornadas e contratos; definição de salários e remuneração, com repercussões previdenciárias e impacto na negociação coletiva; prevalência do negociado sobre o legislado, fim da ultratividade; representação dos trabalhadores nas empresas; demissões coletivas; homologação; acordo para quitação anual e financiamento sindical são temas que impactam na ação sindical e nas negociações coletivas”, destaca o advogado.
A questão do enquadramento sindical também surge com as novas leis. “Nos contratos precarizantes, há dois pontos para os quais temos que estar mais atentos: quem está sob contrato intermitente, para a estatística está empregado, mas não tem atividade definida. Provavelmente este trabalhador vai ter mais de um contrato. E aí, vai pertencer a que categoria profissional? Vai se associar a que sindicato? Ou vai se associar a mais de um? O contrato intermitente desloca o trabalhador da possibilidade de proteção sindical. O teletrabalho faz isso também. Estas formas de contratação impõem a necessidade de pensar a comunicação com estes trabalhadores”, aponta Eymard. Há casos em que a representação é ainda mais difícil. “Temos o autônomo exclusivo, que é uma aberração. O autônomo tradicional já vive a ausência da possibilidade de representação. O autônomo exclusivo também está nesta situação. A associação pode ser livre, mas a representação, não. Eu não posso representar para além daquele que faz parte de uma categoria que se reconhece como preponderante”, destaca. Outras possibilidades introduzidas pela reforma também geram apreensão. “Hiperflexibilização de jornada é também uma questão difícil, inclusive porque provoca adoecimento. Temos ainda o banco de horas, com a compensação sistemática de horas extras”, lembra o assessor jurídico.
Ponto por ponto
A intenção de reduzir as ações trabalhistas, que fica clara na restrição de acesso à Justiça do Trabalho, pode não acontecer, já que haverá muitos questionamentos.
Vamos ter disputas jurídicas. Precisamos enfrentar o momento com criatividade e disposição de discutir até a vírgula, o pingo. Haverá uma disputa de sentido da lei que estamos preparados para fazer. Há inúmeras possibilidades de discutir inconstitucionalidade da aplicação dos dispositivos da nova lei, que entra em vigor em 11 de novembro”, adianta o advogado.
A resistência terá que contar com parceria de outros segmentos, dentro da própria estrutura da Justiça. “Teremos, sim, resistência de parte do Judiciário, mas contaremos também com outra parte que vai estar disposta a discutir o que representa uma legislação como esta do ponto de vista da civilidade”, prevê Eymard.
Mas a resistência maior terá de vir mesmo dos sindicatos e suas assessorias jurídicas. Toda lei é texto, e todo texto comporta interpretação. E nós vamos disputar o sentido da interpretação”, anuncia.