ESPECIAL MÊS DA MULHER: A cidadania social como caminho para a cidadania política – Parte I

Rita da Costa Pereira *



Pensar o mundo do trabalho como reflexo das necessidades humanas tem sido tema de vários trabalhos acadêmicos. A forma como homens e mulheres lidam com a vida material acaba refletindo muito mais do que as questões especificadas do trabalho, mas valores sociais, preconceitos, limitações e formas de lutas e superações.



Vinte anos após o fim do trabalho escravo no Brasil, alguns setores, civis e militares, começaram a fazer suas primeiras reivindicações. A partir de 1907, com a liberdade sindical, trabalhadores da imprensa nacional, ferroviários e do arsenal da Marinha começaram a questionar a situação insalubre do trabalhador brasileiro. Dadas as péssimas condições de trabalho do período, no principio se reivindicou o básico.



Neste período a cidadania social era exclusividade dos homens, já que este direito estava ligado à sua função laboral na sociedade. A ideia de que só o homem era trabalhador ofuscava o trabalho feminino. As mulheres não estavam incluídas nem mesmo como parte economicamente produtiva da sociedade. Com seu trabalho à sombra do masculino, suas demandas não estavam incluídas nas pautas de reivindicações.



Foi somente a partir de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho (26/11/1930), que o Estado brasileiro começou a engatinhar rumo a uma regulamentação das questões ligadas ao mundo do trabalho. Pressionado pelos sindicalistas – de tendências socialistas, comunistas e anarquistas – acabou por ceder em nome da governabilidade. A definição de direitos e deveres de ambas as partes, patrão e empregados, vai dar inicio à construção da cidadania social no Brasil. Através da organização dos trabalhadores, liderados pelos seus sindicatos em em 1º de maio de 1943, pelo decreto lei 5.452, é criada a famosa CLT. Em seu Art. 5º, define que “a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo”, contemplando a trabalhadora brasileira. Mais que isso, o artigo denuncia uma das maiores injustiças contra a mulher no mundo do trabalho: a desigualdade de salário entre gêneros, questão combatida até os dias de hoje. Outros artigos da CLT vão fazer a defesa da mulher trabalhadora. O direito ao emprego após a contratação do matrimônio e da maternidade também serão garantidos. Preconceitos antes velados começam a despontar através da lei que regulamenta o trabalho no Brasil. Elas já haviam conquistado o direito ao voto, em 1932, e, em 1934, o de serem eleitas, mas era principalmente no trabalho que a mulher abria seu espaço de atuação política. Era nesse espaço que ela sentia todas as limitações impostas ao seu sexo.



Esse modelo de cidadania social se manteve até o golpe militar de 1964. A CLT representou um avanço na conquista de direitos pelos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, mas não atingia a todos. Somente as grandes empresas e os trabalhadores urbanos estavam abrangidos, num país onde a maior parte dos trabalhadores estava no campo.



Após o golpe militar, e durante os governos militares que o seguiram, houve um retrocesso na atuação do espaço conquistado pelos trabalhadores e trabalhadoras que culminou com a conquista da cidadania social. O mais significativo foi o enfraquecimento dos movimentos sindicais, com repressão aos sindicatos e as suas lideranças, e o enfraquecimento da justiça do trabalho.



Os governos militares deram um grande golpe no espaço político que começava a ser ocupado pelas trabalhadoras: os sindicatos. Com apoio civil, lançam programas políticos voltados para a família. Consequentemente, para o modelo padrão da família da época, onde o homem é o chefe mantenedor e a mulher, a “atriz” coadjuvante.



Mas o primeiro passo já havia sido dado. E por mais que o regime militar, durante os anos de chumbo, tenha dificultado o avanço das mulheres trabalhadoras brasileiras na conquista de seu espaço político, ele não conseguiu pará-las. O arrocho salarial e a carestia, acabaram dando um novo gás à luta das mulheres. Dessa vez não foram somente as mulheres da cidade, mas também as do campo que se organizaram em busca de seus direitos. A partir da década de 1970 o país, como um todo, não suportava mais o regime autoritário e excludente, e o movimento sindical deu ainda mais voz e espaço político para as mulheres.



Mas essa é outra história e fica para a próxima semana.


 


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* Rita da Costa Pereira é graduada em História pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em História Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes

Fonte: Rita da Costa Pereira