FELIZ 2012

         Desejo  um Feliz Ano-Novo onde, se Deus quiser, todas as crianças, ao ligarem a TV,  recebam um banho de Mozart, Pixinguinha e Noel Rosa; aprendam a diferença  entre impressionistas e expressionistas; vejam espetáculos que reconstituem a  Balaiada, a Confederação do Equador e a Guerra dos Emboabas; e durmam após  fazer suas orações. 
 
         Quero um  Ano-Novo em que, no campo, todos tenham seu pedaço de terra, onde vicejem  laranjas e alfaces, e voejem bem-te-vis entre vacas leiteiras. Na cidade, um  teto sob o qual haja um  fogão com panelas cheias, a sala atapetada por  remendos coloridos, a foto do casal exposta em moldura oval sobre o sofá. 
 
         Espero um  Ano-Novo em que as igrejas abram portas ao silêncio do coração, o órgão  sussurre o cantar dos anjos, a Bíblia seja repartida como pão. A fé, de mãos  dadas com a justiça, faça com que o céu deixe de concentrar o olhar daqueles  aos quais é negada a felicidade nesta  terra.


         Um Feliz  Ano-Novo com casais ociosos na arte de amar, o lar recendendo a perfume, os  filhos contemplando o rosto apaixonado dos pais, a família tão entretida no  diálogo que nem se dá conta de que o televisor é um aparelho mudo e cego num  canto da  sala.
 
         Desejo  um Ano-Novo em que os sonhos libertários sejam tão fortes que os jovens, com o  coração a pulsar ideais, não recorram à química das drogas, não temam o futuro  nem expressem-se em dialetos ininteligíveis. Sejam, todos eles, viciados em  utopia. 
 
         Espero um  Ano-Novo em que cada um de nós evite alfinetar rancores nas dobras do coração  e lave as paredes da memória de iras e mágoas; não aposte corrida com o tempo  nem marque a velocidade da vida pelos batimentos  cardíacos.


         Um  Ano-Novo para saborear a brevidade da existência como se ela fosse perene, em  companhia de ourives de encantos, cujos hábeis dedos incrustam na rotina dos  dias joias ternas e  eternas.
 
         Quero  um Ano-Novo em que a cada um seja assegurado o direito ao trabalho, a honra do  salário digno, as condições humanas de vida, as potencialidades da profissão e  a alegria da vocação. Um novo ano capaz de saciar a nossa fome de pão e de  beleza. 
 
         Rogo por  um Ano-Novo em que a polícia seja conhecida pelas vidas que protege e não  pelos assassinatos que comete; os presos reeducados para a vida social; e que  os pobres logrem repor nos olhos da Justiça a tarja da cegueira que lhe  imprime isenção. 
 
         Um  Ano-Novo sem políticos mentirosos, autoridades arrogantes, funcionários  corruptos, bajuladores de toda espécie. Livre de arroubos infantis, seja a  política a multiplicação dos pães sem milagres, dever de uns e direito de  todos.


         Espero um  Ano-Novo em que as cidades voltem a ter praças arborizadas; as praças, bancos  acolhedores; os bancos, cidadãos entregues ao sadio ócio de contemplar a  natureza, ouvir no silêncio a voz de Deus e festejar com os amigos as  minudências da vida – um leque de memórias, um jogo de cartas, o riso aberto  por aquele que se destaca como o melhor contador de  piadas.

Desejo um Ano-Novo em que o líder dos direitos  humanos não humilhe a mulher em casa; a professora de cidadania não atire  papel no chão; as crianças cedam o lugar aos mais velhos; e a distância entre  o público e o privado seja encurtada pela ponte da coerência. 
 
         Quero um  Ano-Novo de livros saboreados como pipoca, o corpo menos entupido de gorduras,  a mente livre do estresse, o espírito matriculado num corpo de baile, ao som  dos mistérios mais profundos. 
 
         Desejo um  Ano-Novo em que o governo evite que o nosso povo seja afetado pela crise do  capitalismo, livre a população do pesado tributo da degradação social, e tome  no colo milhões de crianças precocemente condenadas ao trabalho, sem outra  fantasia senão o medo da  morte.



         Espero  um Ano-Novo cujo principal evento seja a inauguração do Salão da Pessoa, onde  se apresentem alternativas para que nunca mais um ser humano se sinta ameaçado  pela miséria ou privado de pão, paz e prazer.


 Um Ano-Novo em que  a competitividade ceda lugar à solidariedade; a acumulação à partilha; a  ambição à meditação; a agressão ao respeito; a idolatria por dinheiro ao  espírito das Bem-Aventuranças. 
 
         Aspiro a  um Ano-Novo de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pela  transparência das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de  alimentos  despoluídos.



         Rogo  por um Ano-Novo que jamais fique velho, assim como os carvalhos que nos dão  sombra, a filosofia dos gregos, a luz do Sol, a sabedoria de Jó, o esplendor  das montanhas de Minas, a música gregoriana.


 Um ano tão novo que  traga a impressão de que tudo renasce: o dia, a exuberância do mar, a  esperança e nossa capacidade de amar. Exceto o que no passado nos fez menos  belos e bons.



Frei Betto é escritor, e autor, em parceria com  Leonardo Boff, de “Mística e Espiritualidade” (Vozes) entre outros livros. http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto.

 
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Fonte: Frei Betto