Nos 22 anos de existência, o bloco do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro nunca tinha sido alvo de uma ação policial. Com o nome de “Vestiu uma Camisinha Listrada e Saiu por Aí”, a agremiação sempre fez troça com a política enquanto criticava a injustiça social, denunciava os abusos trabalhistas e alertava para a prática do sexo seguro. Mas em 2015 a alegria deu lugar à violência e à indignação. Quando o bloco começava a se organizar para iniciar a festa, a Guarda Municipal invadiu o local, distribuiu cacetadas e prendeu um diretor do bloco e um camelô que vendia bebidas.
A ação da GM começou como uma operação de apreensão de mercadorias. A prefeitura exigiu cadastramento e identificação dos camelôs que desejassem vender cerveja da marca patrocinadora durante o carnaval. Mas, como sempre, muitas pessoas aproveitam o período para gerar uma renda extra com o comércio de bebidas diversas – de várias marcas – mesmo não sendo previamente cadastradas. A GM chegou à concentração do bloco alegando que deveria impedir o comércio não autorizado. Mas, segundo testemunhas, todas as mercadorias foram apreendidas, independente de cadastro dos vendedores.
A reação dos sindicalistas foi a de defender os camelôs, interpelando os guardas, que responderam com violência: golpes de cassetete, borrifos de gás de pimenta e a constante ameaça de disparos de balas de borracha. O funcionário do sindicato e diretor do bloco Roberto Rubilar, o Betão, foi dominado por três guardas e levado para a viatura da GM, onde foi algemado, embora não estivesse armado e não tenha oferecido resistência. “Eu estava longe de onde estavam os camelôs, ajudando a distribuir o lanche para o pessoal da bateria da Unidos da Tijuca, que toca no bloco, quando senti o spray de pimenta. Estava com minha mulher e meu filho de 12 anos, ele reclamou dos olhos ardendo. Saí de onde estava e comecei a questionar os guardas. Assim que me viram, foram pra cima de mim, me acusaram de desacato a autoridade, me derrubaram e me levaram para o ônibus”, relatou Betão. “Mas não parti para cima dos guardas, estava com meu filho, não ia me meter em briga”, acrescenta. Um camelô que estava no local também foi preso, mesmo depois de suas mercadorias serem apreendidas. Dentro da viatura, o diretor do bloco ainda foi xingado e humilhado. “Eu não respondi, fiquei quieto, para não apanhar. O camelô respondeu e levou muita pancada”, acrescentou. Segundo testemunhas, o ambulante teve um braço fraturado durante a ação dos guardas.
Este ano, para evitar transtornos ao já caótico trânsito da cidade cortada por inúmeras obras, a prefeitura proibiu o desfile pela Avenida Rio Branco, tradicional trajeto do bloco, e os foliões ficaram concentrados nas imediações da Rua Miguel Couto. Mesmo com autorização e os banheiros químicos exigidos, o bloco foi invadido. “Eles entraram mais de 30 metros na Miguel Couto, distribuindo cacetadas, mesmo depois de já terem recolhido todas as bebidas”, esclareceu Betão. Vídeo feito com celular pelo bancário Rodrigo Palacio mostra que aparato dos guardas era típico de enfrentamento: coletes à prova de balas, escudos, espingardas com balas de borracha, cassetetes longos e formação de confronto.
Participavam do bloco o ex-presidente do sindicato e atual secretário de especial de Desenvolvimento Econômico Solidário da prefeitura, Vinícius Assumpção, e o vereador Reimont (PT). Mesmo com a intervenção de ambos, os guardas insistiram em levar o diretor do bloco e o ambulante para o distrito policial. Imediatamente, dirigentes do sindicato contactaram o advogado criminalista que atende à entidade e se dirigiram à delegacia. O funcionário preso foi liberado dentro de algumas horas. Do camelô, ninguém teve mais notícias. O bancário e diretor da CUT Marcelo Rodrigues, que também recebeu golpes de cassetete e ficou com hematomas no corpo, tentou registrar queixa contra os guardas na 4ª DP, mas não foi atendido. Betão foi ao IML para fazer exame de corpo delito para receber o laudo das agressões. O presidente do sindicato dos bancários, Almir Aguiar, já está em contato com a prefeitura com objetivo de agendar uma reunião para discutir o assunto.
Autorização para quem?
A exigência de cadastro para a venda de cerveja é fruto de uma parceria da prefeitura com uma marca de cerveja, patrocinadora oficial do carnaval de rua. O período de cadastramento foi até 04 de janeiro e os interessados em disputar as 7 mil vagas deveriam ser moradores da cidade e escolhesse até quatro locais para o serviço. Cada vendedor autorizado – chamado de “promotor de vendas” – recebeu um kit com colete numerado, isopor e credencial. As inscrições foram feitas pela Internet (www.carnavalderua2015.com.br) e autorizações foram distribuídas por sorteio. Cada candidato deveria apresentar documentos – identidade, CPF e comprovante de residência – em data previamente agendada no momento da inscrição.
Tantas exigências tem como objetivo não a organização da festa, mas impedir que outras marcas de bebida furem o bloqueio da patrocinadora oficial. Além de cercear o direito de livre comercialização de mercadorias permitidas, a medida ainda restringe a escolha dos foliões. A prefeitura já adota esta prática há alguns anos, mas não tem conseguido impedir que os sacolés de caipirinha, as batidas variadas e bebidas de todos os tipos sejam vendidos por pessoas que veem neste período uma oportunidade de obter uma renda extra.
O vereador Reimont, que é contra o projeto que prevê o uso de armas de fogo por guardas municipais, usou a ocorrência no Bloco dos Bancários como exemplo da ameaça que a medida significa. “O despreparo que vi hoje da Guarda Municipal do PMDB/Paes, me aumenta o convencimento de que a Câmara não pode aprovar o armamento para a Guarda. No seu todo a GM não está preparada. Será um desastre para a cidade, de modo particular para as maiores vítimas, os pobres”, declarou o edil, em seu perfil no Facebook.
Fonte: Da Redação – Fetraf-RJ/ES