Desde as manifestações populares de junho de 2013 vem ganhando visibilidade a organização dos jovens. Não aqueles que não gostam de política e negam todo o sistema – até porque, estes não se organizam e se orgulham de sua postura individualista. Mas os jovens que se interessam, gostam e estão propondo uma nova forma de fazer política, livre de vícios que emperram a estrutura de organizações tradicionais. Entre os grupos mais ativos no plano nacional estão o Kizomba e o Levante Popular da Juventude.
A maior prova de que estes jovens estão dispostos a arregaçar as mangas e fazer o presente é que não se opõem a marchar lado a lado com outras organizações mais antigas dos movimentos sociais e sindical. Haja vista o engajamento dos dois grupos na campanha nacional do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva para a Reforma Política. Nascidos em meados da primeira década do século, os movimentos de juventude trazem um novo sopro de esperança para as organizações e militantes de esquerda.
“Tomamos a reforma política como agenda prioritária para o país, porque todas as outras reformas que precisam ser feitas – agrária, universitária, trabalhista, da previdência, etc. – não vão ser feitas por este congresso que está aí. Então, elegemos este tema como central para 2014”, esclarece Felipe Marrão, integrante da Kizomba. Para o Levante Popular da Juventude a importância é a mesma. “Esta pauta nos mobiliza mais até do que as eleições”, enfatiza Rafael Kritski, da secretaria operativa do Levante.
A realização do plebiscito popular tem por objetivo demonstrar o desejo da população brasileira de que seja feita uma eleição para formar uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para elaborar a reforma dos artigos da Constituição Federal que se referem ao sistema político. Este plebiscito não tem valor jurídico, apenas político, mas, se tiver a amplitude esperada, pode fazer pressão suficiente para arrancar a reforma. Assim foi em 2002, quando um plebiscito com a participação de mais de 10 milhões de brasileiros acabou sepultando a proposta de entrada do Brasil na ALCA – Aliança de Livre Comércio das Américas. Assim como a consulta de 2002, o plebiscito da Constituinte Exclusiva deverá ser realizado na Semana da Independência, de 1º a 7 de setembro.
Renovar é preciso
A discussão da reforma política tomou vulto depois que foi defendida pela presidenta Dilma Roussef em pronunciamento oficial dado como resposta às manifestações de rua em 2013. Mas o assunto não foi uma novidade para os militantes de esquerda. “A presidenta atendeu a uma pauta antiga dos movimentos sociais. Os setores conservadores logo se manifestaram contrários e os movimentos sociais começaram a se articular para pressionar pela realização da constituinte”, lembra Felipe Marrão.
Aqueles que são contrários à reforma política alegam que não é necessário uma Constituinte exclusiva, já que há processos legais que garantem mudanças constitucionais. Mas os militantes que defendem a reforma não acreditam que haverá mudanças nas leis com os mesmos legisladores. “Temos a compreensão de que, com este Congresso, não vai ser feita uma reforma política que contemple os anseios e demandas do povo”, avalia Felipe.
O x do problema é atrair para a discussão as pessoas que não entendem e não querem entender de política. Mesmo assim, muita gente que não gosta de política foi às ruas em 2013. “Em junho as pautas eram variadas, mas a mensagem principal era: “eu quero participar”. A democracia representativa está superada, precisamos avançar para um modelo em que a gente participe mais. O plebiscito, além da reforma política com financiamento público, tem a importância de ampliar a participação das pessoas nos processos políticos”, analisa o militante.
Os mais jovens, que cresceram numa época de baixa participação política em todos os segmentos, são peças-chave neste processo, justamente pela falta de apreço pelo assunto. “Este sentimento faz todo sentido. Por um lado há a hegemonia conservadora que desqualifica a política, como se tudo fosse corrupção, porque é do interesse dos grandes grupos. E também porque a juventude não se vê representada por um Congresso em que 3 % são jovens”, entende Rafael Kritski.
Mas é importante que o engajamento na campanha pelo plebiscito também sirva para injetar energia nas estruturas mais tradicionais. “As organizações políticas são dominadas por pessoas mais velhas. A própria esquerda não oferece alternativas. O sindicalismo, por exemplo, tem muita dificuldade para lidar com a juventude. É muito difícil diálogo entre os jovens e as formas tradicionais – até porque muitas estão mesmo esgotadas, precisam se reciclar, se oxigenar”, avalia o integrante do Levante.
Trabalho de formiga
O grande desafio nem é ganhar as pessoas para o tema, mas explicar o assunto. A reação mais comum das pessoas que não o compreendem é pensar que financiar campanhas é um mau uso do dinheiro público. “A grande dificuldade do debate é mostrar à população como isso se relaciona com os problemas do dia a dia, por exemplo, com os transportes. Quem financia as campanhas políticas são, principalmente, as empreiteiras, os banqueiros e os cartéis dos transportes. Quando pagamos a passagem do ônibus mais cara, já estamos pagando indiretamente as campanhas. Enquanto os empresários financiarem campanhas, serão privilegiados pelos governos”, esclarece Felipe.
Por esta dificuldade, os movimentos de juventude estão apostando no trabalho intensivo de esclarecimento. “Cada militante tem como tarefa estar em comitês, construindo o plebiscito. E também na pratica cotidiana, nas universidades e escolas onde estamos organizados, no campo, onde há outra complexidade. Temos ações agitativas, em que a pauta fica clara com pichações, pintura com stencil, cartazes com o tema “Reforma Política Já”. E também ações que chamamos de propaganda, que são mais densas, com cursos de formação, debates, aulas públicas. Temos tentado expandir a pauta para além da militância, para quem não é organizado em partidos, sindicatos ou movimentos sociais”, explica Rafael Kritski.
Rejuvenescendo os movimentos
Depois de quase duas décadas em que quase desapareceu e chegou a ser dado como morto, o movimento estudantil vai se reestruturando e se torna a base dos movimentos de juventude. Tradicional celeiro de lideranças para os demais setores da esquerda, o ME tem potencial para retomar seu papel na geração de quadros políticos importantes. Mas o desafio é superar o choque de gerações que há com os militantes mais velhos das organizações.
O momento é oportuno não só para as reformas, mas também para a mudança na relação entre os movimentos. A melhoria das condições de vida da população alterou o quadro de reivindicações para além dos temas mais comuns. “As pessoas têm, como se diz, casa, comida e roupa lavada. Mas, na rua, os serviços públicos são muito precários. Tivermos grandes avanços, mas se não fizermos as reformas necessárias, corremos o risco de estagnar e até de retroceder”, alerta Marrão. A aproximação entre os movimentos de juventude e os mais tradicionais, que está acontecendo agora na discussão em torno deste tema pode ser uma chance imperdível de fazerem conversar os jovens cheios de energia e os veteranos experientes.
Juntos, jovens e “jovens há mais tempo” poderão despertar no brasileiro comum o interesse pela participação. “Ausenta-se da política é um erro. Aliás, é impossível. As tentativas de se colocar como apolítico também servem a interesses políticos. Não existe a possibilidade de fugir da política, viver em comunidade é fazer política”, conclui Rafael.
Mulheres
Um pouco mais antiga – foi fundada em 2000 – e com integrantes de faixas etárias variadas, a Marcha Mundial das Mulheres se aproximou e está atuando com alguns movimentos de juventude. Assim como outros grupos organizados, o movimento feminista está se renovando e atraindo meninas recém-entradas na vida adulta e a proposta da MMM tem encontrado apelo junto a este grupo. Durante as manifestações de junho de 2013, no Rio de Janeiro, como em outras regiões do país, os tambores de latão da Marcha engrossaram a batucada dos movimentos de juventude. E, nos comitês do Pebiscito Popular pela Constituinte, o lilás da MMM se juntou ao amarelo da Kizomba e ao preto do Levante para levar às ruas a proposta da reforma política.
Mas se engana quem pensa que a MMM está só engrossando fileiras. As ativistas são veementes em destacar que as mulheres estão entre os grupos que mais têm a ganhar com a reforma política. Poucas mulheres ocupam cargos com poder de decisão nos espaços políticos. O Brasil tem 5.570 municípios, mas somente 675 têm mulheres ocupando o cargo de prefeita, só 12 % do total. Somos 52 % da população e só 9 % do Congresso. É preciso mudar o Congresso para que as mulheres tenham uma participação maior. É por isso que as pautas feministas não são nem discutidas”, defende Thathi Gurgel, militante da MMM no Rio.
Ação conjunta
O primeiro grande ato do Comitê Rio do Plebiscito Popular no Rio de Janeiro aconteceu no último dia 07, no Largo dos Bancários, na esquina de Av. Rio Branco com Rua do Ouvidor. Além das falações, tradicionais em atos públicos de rua, os representantes da Kizomba, do Levante Popular da Juventude e da Marcha Mundial das Mulheres levaram sua batucada, suas músicas com palavras de ordem e uma animada ciranda que deu colorido especial à manifestação. Pouco acostumados a estas ações lúdicas, os sindicalistas presentes não se fizeram de rogados e participaram animadamente.
A coordenadora do Comitê Sindical do Plebiscito – Rio, Adriana Nalesso, vê com bons olhos a aproximação entre os sindicalistas e os movimentos de juventude. “Eles já mostraram que querem participar da discussão política. O movimento sindical tem que estar aberto à participação dos jovens, porque ninguém se perpetua no poder. E a juventude quer ter voz, mostrar que não se interessa só por mídias sociais e novas tecnologias”, avalia a sindicalista. Vice-presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, o segundo maior da categoria no país, ela sabe que o sindicalismo está envelhecendo, enquanto a presença de jovens já predomina em várias categorias.
A saudável combinação do entusiasmo da juventude com a experiência dos militantes mais velhos pode ser a saída não só para cada um dos segmentos, mas para a construção dos movimentos conjuntos. “Os jovens são o futuro e é essencial que participem, porque são eles que vão assumir o país dentro de alguns anos. E eles já mostraram que, além de disposição para aprender conosco, também têm muito a nos ensinar”, comemora Adriana.
Saiba mais sobre a campanha do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Poítico:
Site da campanha: http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/
Cartilha do plebiscito: http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/sites/default/files/material/AF_Cartilha % 20Plebiscito % 202 % C2 % AA % 20Edi % C3 % A7 % C3 % A3o_WEB.pdf
Folder Plebiscito: http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/sites/default/files/material/FOLDER % 20FINAL.pdf
Cartilha MMM: http://marchamulheres.files.wordpress.com/2014/04/plebiscito.pdf
Fonte: Da Redação – Fetraf-RJ/ES