Nunca fui muito fã do político Gilberto Gil, desde os tempos em que, como vereador de Salvador, apoiou ACM.
Acho que seu ministério é ausente em muitas áreas. Ainda que parte disso se deva aos míseros 0,25% do orçamento federal que ele maneja, também é verdade que faltam projetos e quadros qualificados.
Por outro lado, tenho que reconhecer que o atual ministro da Cultura mudou a pauta do cinema nacional e se cercou de uma competente equipe para o setor do audiovisual.
Primeiro foi a tentativa de re-regular o setor através da proposta de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). O projeto vazou antes do tempo, tinha furos, mas avançou para a primeira tentativa oficial de regulamentar o conjunto do setor do audiovisual desde o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. A proposta foi destruída em praça pública pelo lobby organizado a partir dos interesses convergentes da Globo Filmes e dos estúdios norte-americanos.
Tais interesses foram vocalizados por uma série de cineastas que afirmam representar a “indústria do cinema brasileiro” em contrapartida aos “novatos” e “experimentalistas” que estariam sendo agraciados pelo novo governo. A verdade, contudo, é que muitos não filmam há anos e outros lutam sem sucesso para conseguir uma boa bilheteria. E que não se pode falar de uma “indústria” que sobrevive de renúncia fiscal e não do mercado.
Outra medida importante foi a mudança dos critérios de financiamento do cinema nacional. É verdade que o governo manteve vários dos vícios da renúncia fiscal, que permite o uso de dinheiro público (que deveria virar imposto) por empresas privadas para as suas estratégias privadas no cinema nacional. Mas, a gestão de Gilberto Gil avançou um pouco na construção de uma consciência de que verbas públicas devem ser usadas segundo critérios públicos.
A mola-mestra destas mudanças foram os editais da Petrobrás para o cinema nacional. Foi criada uma comissão plural para aprovar quais filmes devem receber recursos da estatal, assim como foram adotados critérios de incentivo à diversidade. São apoiados filmes de várias regiões do Brasil, de diretores experientes e iniciantes, longas e curtas metragens, animações e documentários.
Agora, às vésperas da divulgação de mais um edital (desta vez do BNDES), os ânimos se acirram.
Vazou para a imprensa que nomes consagrados como Hector Babenco e Jorge Furtado devem ser agraciados, junto com uma turma muito mais jovem e menos influente. Além de não pertencer ao portfólio da Globo Filmes.
Os boatos fizeram com que a “indústria do cinema brasileiro” passasse a visitar a grande imprensa quase que diariamente com críticas ao ministério da Cultura. Com receio de trombar de frente com o prestígio do ministro-cantor, escolheram como alvos seus assessores.
E tiveram todas as desculpas do mundo quando o secretário de políticas culturais, Sérgio Sá Leitão, resolveu bater boca publicamente com o poeta Ferreira Gullar, amigo de longa data do senador José Sarney, afiliado da emissora dos Marinho.
Até mesmo Caetano Veloso resolveu criticar a gestão do amigo e se colocar do lado de sua ex-esposa, a produtora cinematográfica Paula Lavigne, que já manifestou publicamente saudades da antiga chefe de patrocínio cultural da estatal de petróleo, Eleonora di Martino Salim.
Mas, que ninguém se iluda. Por detrás de críticas vagas como “dirigismo cultural” e “centralismo” repousa mesmo a velha, e não tão boa, disputa por verbas públicas para a produção de filmes. A “indústria do cinema brasileiro” não sobreviveria um dia sem os editais e a renúncia fiscal.
Em ano eleitoral, o governo Lula deve viver um dilema. Não pode se arriscar a fritar Gilberto Gil, dono de fama e admiração que extravasam o Brasil. Por outro lado, até quando resistirá à enxurrada de entrevistas, reportagens e editoriais que passaram a freqüentar as páginas dos grandes jornais?
O ministro Gil, apesar de criticar o destempero verbal de Sá Leitão, chamou o caso para si e afirmou que os críticos deveriam pedir a sua cabeça ao presidente. Mas, até quando o ministro irá resistir ao ataque?
O que seus críticos esperam já está claro. O ministro recuaria e discretamente mudaria as comissões julgadoras dos editais. E a turma da “indústria do cinema brasileiro” voltaria a reinar sozinha nos cofres públicos.
(Por Gustavo Gindre – em 1º/Fev)
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