Ex-bancário da Caixa, demitido numa canetada logo após o estágio probatório ao lado de outros 2.500 recém-contratados, o procurador do trabalho Marcelo José Fernandes da Silva não é estranho ao “lado de cá” do mundo do trabalho. Promotor em ações que envolvem abusos trabalhistas de vários tipos, conhece bem o modo de pensar do patronato e se coloca claramente contra a reforma trabalhista recém-aprovada pelo Congresso.
Fica claro na reforma que muitas mudanças têm o objetivo de reduzir o número de ações na Justiça – e o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já afirmou que a Justiça do Trabalho não deveria nem existir – Marcelo afirma que a estratégia tem que mudar. “Devemos estimular os trabalhadores a, durante a vigência do contrato de trabalho, apresentar suas reclamações, individuais e coletivas”, defendeu o procurador em sua fala durante o seminário sobre Reforma Trabalhista realizado pela CUT-Rio no último dia 23.
A praxe dos processos judiciários movidos por trabalhadores contra seus patrões tem sido de esperar o fim do vínculo empregatício. A principal razão para esta escolha é o risco do empregado sofrer represálias por acionar a Justiça contra o empregador. Mas Marcelo Silva defende que, com as mudanças trazidas pela reforma trabalhista, esta é a melhor saída, “para que tenhamos o substrato fático para alegar atividades retaliatórias, discriminatórias, persecutórias ou atividades antissindicais”. O procurador lembra uma ação movida por ele contra o Citibank a favor de um grupo de funcionários em que foi alegado que o banco havia demitido os empregados em retaliação. Esta alegação foi reconhecida pelo juiz, que deu ganho de causa aos trabalhadores. “O que vai superar este momento crucial é o trabalhador encontrar no MPT, no seu sindicato e na Justiça do Trabalho pessoas que entendam que estas atitudes do empresariado, em determinadas situações, podem ser atraídas, inclusive, em sinal de analogia, às leis que protegem testemunhas e colaboradores premiados”, acredita.
O procurador ressalta, também, que há risco do assédio moral se intensificar em razão das novas regras. “Como diriam os antigos, cabeça vazia é instrumento do capeta. O assédio moral, por ser uma atividade permanente, constante, surge em ambientes permissivos. Exatamente nestes ambientes que nascem os capetas”, aponta. “A empresa cria um ambiente em que o administrador se acha no direito de obrigar o cidadão a assinar um papel em branco, de pedir a demissão, de coagir para assinar uma declaração liberatória de débitos Imaginem na cabeça dos empregadores e de alguns administradores qual será o efeito da retirada destes direitos. Estas possibilidades abrem campo para a coação. Vamos ter um aumento significativo das relações de trabalho abusivas e vamos ter que atuar de forma muito incisiva”, alerta Marcelo.
Regras específicas
A reforma pode ter como consequência possível a mudança de teor dos contratos de trabalho, que ficarão semelhantes aos contratos comerciais, desconsiderando o caráter específico da relação. “O Direito do Trabalho é tão mais rico que os direitos patrimoniais. E são muitos os direitos que têm que ser resguardados. A relação de trabalho sempre foi contratual, mas o Estado interfere ou estabelece regras de negociação que deem grau de barganha às duas partes. Mesmo que seja celebrada entre dois entes privados, é uma relação de que o Estado não pode se retirar”, defende.
Uma questão que a reforma trabalhista pacificou juridicamente e que sempre foi motivo de controvérsia é a questão da terceirização. “Pode ser que eles tenham dado o maior tiro no pé com esta reforma. Não havia – pelo menos, que eu me recordo – nenhuma lei que falasse em atividade-fim. Deram à atividade-fim a cicadania legislativa. O empresário sempre dizia que era difícil dizer o que é atividade-fim. Ai o legislador vai lá e põe: pode terceirizar a atividade-fim. Agora eles vão saber o que é atividade-fim”, alerta.
A fala do procurador Marcelo Silva deixou nos participantes a certeza de que há muito trabalho a fazer e, sobretudo, a necessidade de mudar a forma de estruturar a atuação jurídica dos sindicatos. Mas também ficou a sensação de que os sindicalistas não estão sós e poderão encontrar, na estrutura do Ministério Público, profissionais alinhados com os interesses dos trabalhadores.
Fonte: Fetraf-RJ/ES