Nota técnica: A desoneração dos produtos da Cesta Básica

Nota Técnica 120 – Março 2013


 


O Governo Federal editou, em 08 de março de 2013, a Medida Provisória nº 609, que reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, bem como do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, incidentes sobre as receitas com vendas de alguns produtos de alimentação e higiene pessoal. Além de baratear estes produtos essenciais, a medida foi adotada objetivando estimular a economia, através da ampliação do consumo de produtos de primeira necessidade pelas famílias, sobretudo aquelas de baixa renda.


Para contextualizar a edição desta MP pelo governo, vale lembrar que, em 2012, ao examinar a MP 563/12, que tinha como objetivo desonerar a folha de pagamento de diversos setores da indústria nacional (1), o Congresso Nacional incluiu um artigo prevendo a desoneração dos produtos alimentícios componentes da cesta básica. Esta emenda foi vetada pela Presidenta da República, que baixou decreto criando Grupo de Trabalho governamental para estudar e fazer propostas sobre o assunto.


A MP 609 anunciada no dia 8 ampliou o número de produtos já isentos de tributação pelo PIS-Cofins e IPI, por serem considerados como produtos essenciais consumidos pela população brasileira. A Medida Provisória isentou de pagamento de PIS-Cofins as carnes bovina, suína, de aves, caprina, ovina e o pescado; arroz, feijão, leite integral, café, açúcar, farinhas, pão, óleo, manteiga, frutas, legumes, sabonete, papel higiênico e pasta de dentes. O açúcar e o sabonete também ficam isentos do IPI.
A incidência de tributos sobre os produtos essenciais da MP 609 é apresentada na Tabela 1, que relaciona produtos (e alíquotas) abrangidos pela medida, tanto aqueles que já estavam isentos dos tributos federais quanto os que estão tendo seu custo desonerado.




A MP 609 de 08/03/2013 e o Decreto Lei 399 de 1938



O DIEESE realiza, mensalmente, em todos os estados onde está instalado, a Pesquisa Nacional da Cesta Básica. Por meio desta pesquisa são acompanhados, em 18 capitais brasileiras, os preços de 12 ou 13 produtos alimentícios, definidos com base no Decreto Lei 399 de 1938, que estabeleceu parâmetros legais para uma cesta básica de alimentos. Este decreto determina, ainda, que o salário mínimo é a remuneração devida ao trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, as necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transportes (DL 399 art. 2º).


O DL 399 foi precedido de um estudo censitário realizado em cada região do país, e de informações salariais obtidas junto às empresas das várias localidades, que permitiram às Comissões do Salário Mínimo, criadas antes da instituição do Decreto, a definição de valores mínimos regionais a serem pagos aos trabalhadores. Acompanhava esta definição, uma lista de alimentos, com as respectivas quantidades. Esta cesta, chamada Cesta Básica Nacional, seria suficiente para o sustento e bem-estar de um trabalhador em idade adulta, contendo quantidades balanceadas de proteínas, calorias, ferro, cálcio e fósforo. Os bens e as quantidades estipuladas são diferenciadas por região, e podem ser vistas na Tabela 2.




A MP 609 não tem como objetivo rever o Decreto Lei 399. Ou seja, a MP 609 não define de forma completa a estrutura de uma nova cesta básica, que possa substituir a cesta definida pelo Decreto Lei. Desta forma, o DL 399 continua sendo a legislação vigente sobre este assunto. Embora a MP 609 tenha tomado como referência inicial os 13 produtos do Decreto Lei 399, para fins de desoneração tributária foram acrescentados a eles os itens relativos à higiene pessoal (sabonete, papel higiênico, pasta de dente). Além disso, a MP também considerou o desdobramento do item carne, adicionando à carne bovina outros tipos igualmente consumidos no país (suína, aves, peixes, caprina e ovinos). Entretanto, não houve definição das quantidades que devem ser consumidas de cada item.


Impacto no custo da Cesta Básica do Decreto nº 399 de 1938


Não é possível fazer uma previsão segura dos efeitos que a desoneração dos tributos federais terá sobre o custo da Cesta Básica. Entre os motivos que dificultam esta previsão estão a multiplicidade de fatores que determinam os preços finais ao consumidor, tanto do lado da oferta quanto da demanda. Entre estes fatores podem ser citados: o custo de produção, o desempenho da safra, os efeitos do clima, o comércio internacional, as condições de distribuição nas cidades, entre outros. A tributação é mais um desses fatores, e depende da alíquota, da base de cálculo, do regime de apuração etc.
Ademais, cabe ressalvar que a desoneração tributária de um produto pode não chegar ao consumidor final de maneira integral ou mesmo parcialmente, caso este benefício seja retido pelas empresas como forma de ampliar margens de lucro sobre o faturamento. A possibilidade de que tal apropriação ocorra é maior quando uma ou mais empresas detêm grande poder sobre o mercado do produto em questão. No caso da cesta básica, mesmo que a maior parte dos produtos seja comercializada de maneira concorrencial, alguns têm a produção ou processamento concentrada em poucas empresas.


Feitas estas ressalvas, cabe dizer que a desoneração da cesta básica poderia, caso inteiramente repassada aos preços, representar um alívio no orçamento das famílias. Para dar uma indicação de qual seria esta potencialidade, tomou-se o gasto mensal com a Cesta Básica apurado pelo DIEESE, baseada no Decreto Lei 399 de 1938, já que este continua a ser a referência legal de definição dos produtos que compõem a Cesta Básica, indicando as respectivas quantidades (Tabela 3).





Com base neste Decreto, o DIEESE pesquisa mensalmente o custo da Cesta Básica em 18 capitais estaduais. Caso a isenção de tributos prevista na MP estivesse vigorando em fevereiro de 2013, isto poderia corresponder potencialmente a reduções, no gasto total de uma cesta básica, de -3,14 % , em Manaus a -4,51 % , em Florianópolis. As maiores reduções encontram-se nas cidades do sul uma vez que a carne tem maior peso no consumo destas regiões, conforme observa-se na tabela 2.


Vale fazer outra ressalva, pois nesta simulação a incidência dos tributos foi calculada pelas alíquotas nominais e não pelas alíquotas efetivas. No entanto, os estudos sobre tributação mostram que a arrecadação efetiva da Cofins é menor do que sua alíquota nominal. Sendo assim, a isenção deste tributo, mesmo se repassada integralmente, poderá ter efeito menor que o simulado, proporcional à sua alíquota efetiva (3).



Desoneração tributária e a taxa de inflação



A simulação dos impactos da MP 609 sobre a taxa de inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), não foi divulgada pelo governo (4). Entretanto, mensurações apresentadas por importantes assessorias especializadas convergem para um impacto (5) estimado sobre o IPCA de -0,60 p.p. e -0,61 p.p., tomando-se como referência a taxa do IPCA de fevereiro de 2013. No caso do Índice do Custo de Vida do DIEESE para a cidade de São Paulo, a estimativa foi de – 0,75 p.p.


Desoneração da cesta básica e justiça tributária


A estrutura tributária brasileira é reconhecidamente regressiva, ou seja, o peso dos tributos diminui na medida em que o poder aquisitivo das famílias é maior. Enquanto as famílias que se encontram no grupo do decil de renda mais baixa (10 % das famílias com menor renda), destinam 32 % de sua renda para o pagamento de impostos, as famílias de maior renda (acima do último decil) contribuem com 21 % do que recebem para o financiamento do Estado. Esta situação é contrária ao princípio da capacidade contributiva inscrito na Constituição Federal.


A regressividade da tributação está relacionada ao elevado peso dos tributos indiretos no total da carga tributária – 48 % do total de receitas tributárias em 2008 provinham de tributos sobre a produção e o consumo de bens e serviços. Tributos indiretos têm a mesma incidência, independentemente da renda do contribuinte, o que os torna mais pesados para as famílias com menor renda, comparativamente às de renda mais elevada.
Sendo assim, a desoneração dos produtos da cesta básica tende a beneficiar de forma mais significativa às famílias de renda menor, atenuando sobre estas a carga tributária e conferindo à medida um caráter de justiça fiscal. Para tanto, também será necessário que a medida se converta, efetivamente, em redução dos preços ao consumidor e não se transforme em ampliação das margens de lucro das empresas e seus acionistas.



Desoneração da cesta básica e reforma tributária


Diante das dificuldades encontradas no passado para encaminhamento de projetos abrangentes de reforma tributária, o Governo Federal tem buscado atuar na questão tributária com medidas específicas. A chamada “reforma fatiada” incluiria a elevação dos limites de enquadramento no Supersimples, o combate à guerra fiscal (no que diz respeito à “guerra dos portos” (6)), a revisão das regras para a repartição do fundo de participação de estados e municípios, as mudanças na Cofins e a desoneração da folha de pagamentos. Além de responder a circunstâncias conjunturais, tais como a crise da indústria, a valorização cambial e a alta dos preços, as medidas visam também objetivos estruturais, tais como o aumento da competitividade, a simplificação do sistema tributário e a desoneração dos investimentos.


A desoneração da Cesta Básica pode ser vista como mais uma medida da denominada reforma tributária fatiada, na medida em que reduz a carga tributária. O governo estima que a renúncia fiscal será de R$ 5,54 bilhões em 2013 e de R$ 7,387 bilhões por ano a partir de 2014.


Contudo, um dos principais problemas de uma reforma tributária fatiada é o fato de ela não permitir uma visão de conjunto sobre suas repercussões (7). As desonerações que têm sido concedidas aos setores econômicos, por exemplo, geram preocupações quanto ao financiamento das políticas sociais e da Previdência Social. Vale notar que o PIS-Pasep financia o Abono Salarial e o Seguro Desemprego, a Cofins é uma fonte de receita vinculada ao financiamento da Seguridade Social e a contribuição previdenciária patronal – que tem sido reduzida a zero pela desoneração da folha e parcialmente compensada com novo tributo sobre o faturamento – financia o Regime Geral de Previdência Social.


Torna-se, portanto, indispensável que o governo brasileiro mantenha-se diligente quanto à verificação e fiscalização da implementação da MP 609 de 08/03/13, de modo a garantir sua efetividade quanto à redução dos preços destes produtos essenciais à população mais pobre do Brasil.


 


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(1) Indústria localizada em solo brasileiro.
(2) Cesta Básica do Decreto Lei 399 de 1938 e MP nº609 de 08/03/2013.
(3) Anfip – Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita.
(4) Segundo o Ministro Mantega, este impacto nos cálculos “..feitos, pelos analistas diferem. Alguns falam em 0,2 % ,0,3 % , e outros falam de 0,5 % ou 0,6 % . Saberemos quando o IPCA captar essa redução.” (Fonte: Assessoria de Comunicação GMF- 13/03/13).
(5) Estas estimativas foram apresentadas, respectivamente, pelo DEPEC-BRADESCO e pela LCA- Curto Prazo. Em ambos os casos, entretanto, há a expectativa de que apenas 2/3 desta estimativa seja repassada para o IPCA –IBGE, ou seja, cerca de 0,40 p.p.
(6) Alguns estados concediam redução de ICMS a produtos estrangeiros para atrair a movimentação de carga através dos portos ou fronteiras. Como os produtos nacionais não contavam com taxas diferenciadas, a prática acarretava em perdas de competitividade para a indústria nacional. A Resolução do Senado No. 72 de 2010, aprovada em abril de 2012, passou a estabelecer uma taxa única interestadual de 4 % para o ICMS para produtos nacionais e importados, válida a partir de janeiro de 2013.
(7) Ainda, segundo a declaração do ministro da Fazenda, as demais desonerações em curso totalizaram R$46 bilhões em 2012, e devem atingir a R$ 53 bilhões em 2013.


 


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Fonte: Dieese