A festa de fim de ano do Santander, na Arena Allianz Park, estádio do time de futebol paulistano Palmeiras, foi um sucesso. A empresa gastou muito, mas o retorno virá em empenho dos funcionários e lucros cada vez mais elevados.
Os empregados tiveram ajuda de custo para ir a São Paulo participar da festa. Cada superintendência estadual – mais os call centers – preparou sua camiseta especial, para identificar o local de origem dos empregados.
O presidente do banco, Sérgio Rial, fez uma entrada espetacular, descendo de rapel, causando furor e provocando uma ovação digna de pop-star. Falando em “determinação”, “trabalho” e “desafio”, Rial parabenizou os empregados pelo atingimento da meta lançada no ano anterior: lucro de R$ 10 bilhões. Após destacar o sucesso em 2017, o executivo já lançou o “desafio” para 2018: que o Banco atinja lucro de R$ 12 bilhões.
O discurso motivacional do CEO destacava valores como correção e honestidade, o que nem sempre se vê no dia a dia do banco. Chamado ao palco por Ivete Sangalo durante o show, o presidente foi tratado de “Serjão” pela cantora, que destacou que aquela festa era de gente que trabalha com seriedade e dedicação. Rial complementou seu discurso, dizendo que “este país é nosso e vamos fazer na medida do possível a transformação, ajudando as pessoas de forma correta”.
Foram seis horas de festa para 40 mil dos 47 mil funcionários do banco. O esquema de segurança e trânsito, tanto no entorno quanto dentro da Arena Allianz Park,foram dignos de grandes eventos. A esmagadora maioria dos presentes atendeu à “orientação” de trajar vermelho, a cor do banco, que também foi exibida pelas cantoras que fizeram o show. Foi a maior festa do gênero já realizada por uma empresa do ramo financeiro no Brasil.
Separados por regional em setores predeterminados do estádio e com livre oferta de comida e cerveja, os empregados vibravam. As hashtags #OrgulhoEmPertencer e #EsseÉMeuBanco acompanharam postagens de fotos dos funcionários-convidados pelas redes sociais.
Outro tipo de pressão
Com uma aparência que não sugere uma personalidade intrépida e destemida, Sergio Rial vem fazendo um enorme esforço para ser visto como herói. O executivo tem se destacado por ações em que suas qualidades de líder são ressaltadas. A descida de rapel no Allianz Park não foi nada demais para quem já nadou com os tubarões do AquaRio, o Aquário Marinho do Rio de Janeiro, que é patrocinado pelo Santander. Em teleconferências semanais com as equipes de todos os setores, Rial pressiona funcionários a “superar desafios”. Ousadia e arrojo são qualidades constantemente exigidas dos empregados e o CEO, com estas ações espetaculares, se coloca como exemplo para seus subordinados. A estratégia aparenta estar dando certo.
Durante a festa de fim de ano de 2017 o número de empregados que se aproximaram do executivo em busca de uma foto foi digno de nota. Comportar-se como uma estrela está fazendo com que o vejam como tal. Além da devoção ao líder, está sendo construído um espírito de equipe exacerbado e um tanto distorcido. Os empregados “vestem a camisa” da empresa e se tornam fiéis seguidores dos mandamentos do CEO. Entre os convidados mais entusiasmados da festa estavam os empregados que mais se esforçam para atingir metas, ainda que com prejuízo de sua saúde ou vida pessoal. O importante é o resultado.
É nesta dimensão que a nova abordagem do Santander se mostra mais nociva. “As culturas organizacionais ganham sofisticação, mas o grande mandamento é que as ações subam. Há uma sutil inversão do ordenamento: os direitos fundamentais são substituídos pelo direito de propriedade, que se torna soberano”, destaca João Batista Ferreira, professor da UFRJ e doutor em Psicologia Social, com atuação destacada no estudo da Saúde no Trabalho. Para Ferreira, o grande pulo do gato é fazer com que cada trabalhador se torne agente da própria exploração, exigindo cada vez mais de si mesmo. A ética acaba negligenciada neste processo, mas sempre se encontram justificativas. “As pessoas racionalizam, pensando que se não fizerem, alguém vai fazer, que estão apenas cumprindo seu dever, ou obedecendo ordens”, exemplifica o doutor.
Dois lados do balcão
Para o movimento sindical o grande desafio é romper esta hegemonia da ideologia patronal nos corações e mentes dos empregados. Enquanto os sindicalistas entendem os trabalhadores como classe e suas categorias, as empresas insistem em apontar o esforço pessoal como causa do sucesso. Na visão capitalista, as equipes bem sucedidas são formadas por indivíduos altamente dedicados e comprometidos com o bom desempenho da empresa.
Mas o que se vê no dia a dia não é bem isto. “Há um descolamento entre o belo discurso e a prática, e este descolamento mostra que o discurso é mentira”, destaca o Professor João Batista. Ao contrário do que a empresa vende para seus empregados, o que há são demissões, adoecimento, pressão exacerbada – ainda que sob o disfarce da “motivação” – e o descarte sumário daqueles que não se encaixam no perfil, perdem a saúde ou não apresentam o desempenho esperado.
A dificuldade dos trabalhadores entenderem os sindicatos como seus representantes é um problema que se agravou sensivelmente. “Com a fragmentação dos movimentos sociais, sua força diminui e as empresas ganham maior poder de manipulação. A correlação de forças está muito pior nos últimos anos. Fazer a vida ser o centro está muito difícil e quem está buscando enfrentar esta situação vê coisas sem precedentes”, avalia João Batista.
Com as formas de contratação precária trazidas pela nova legislação trabalhista e a difusão de termos como “colaborador” e “associado” para designar os empregados, organizar e mobilizar a classe trabalhadora se torna ainda mais urgente. Enquanto os CEOs disfarçam o assédio moral em pele de “discurso motivacional”, os sindicatos terão que afirmar, com ainda mais ênfase, a divisão entre as classes.