A mesa “A importância dos Bancos Públicos na redução da desigualdade social” aconteceu na Tenda dos Trabalhadores Carlos Manoel, da CUT-Rio, durante o Festival Internacional da Utopia, realizado em Maricá nos dias 22 a 26 de junho. O debate foi promovido pela Fetraf-RJ/ES em parceria com o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, com participação de Ari Aloraldo do Nascimento, secretário de Organização e Política Sindical da CUT, Fabiano Júnior, vice-presidente da Fetraf-RJ/ES, Marcel Barros, da Previ e Dionísio Siqueira, Secretário de Saúde e Condições de Trabalho do Seeb-SP. A mediação ficou a cargo de Adriana Nalesso, presidente do Seeb-Rio.
Ari Nascimento apresentou uma série de números que destacam não só a atuação dos bancos públicos, quanto sua crescente importância no sistema financeiro nacional. Gestores das políticas de Estado dos governos petistas, o BB, a Caixa e o BNDES têm sido fundamentais no desenvolvimento do país e no enfrentamento das turbulências e crises econômicas. O sindicalista também mostrou o contraste entre os números das políticas sociais nos governos FHC, com as privatizações, e os dos governos Lula e Dilma, com o aumento da oferta de crédito e ampliação dos direitos sociais. O sindicalista destacou também que foi através dos bancos públicos que os governos petistas puderam implementar medidas anti-cíclicas para manter a economia equilibrada e promover o crescimento.
Muita luta
Dionísio Siqueira, que é funcionário da Caixa, começou ressaltando que a esquerda deve lembrar a história da luta dos trabalhadores e reconhecer a importância de suas conquistas. “Temos que lembrar a resistência à ditadura, a construção da CUT. Na Caixa, temos que lembrar que até 1986 não éramos bancários, éramos economiários, e não podíamos nos organizar como trabalhadores. A partir da década de 90, lutamos contra a gana neoliberal que privatizou quase todos os bancos estaduais do país, que reduziu direitos. A resistência impediu que o Banco do Brasil, a Caixa e a Petrobras fossem vendidos”, lembra o sindicalista.
O dirigente também destacou que os governos petistas agiram através dos bancos públicos para enfrentar a crise de 2008. “Os bancos estrangeiros estavam quebrando e os privados do Brasil pararam de emprestar. A Caixa e o BB mantiveram o crédito e conseguimos passar pela “marolinha”, recorda. Já no mandato de Dilma Roussef, a ousadia no enfrentamento da situação foi fundamental para manter girando a roda da economia. A presidenta forçou a queda dos juros do BB e da Caixa, o que acabou levando os bancos privados a adotar procedimento semelhante para não perder mercado. “Foi preciso uma mulher assumir a presidência para fazer o que ninguém fez. Baixou a taxa Selic para um dígito, fez os bancos públicos baixarem os juros reais, o spread e ofertarem mais crédito. Ao fim conseguimos que mais da metade do sistema financeiro nacional seja público, com o BB como o maior banco em ativos e a Caixa em segundo”, lembra Dionísio.
A luta dos trabalhadores, que já foi crucial em tantos momentos, deve ser mantida agora que as estatais e seus trabalhadores voltam a enfrentar o risco da privatização. “Enfrentamos o PLS 555, do estatuto das estatais, que já passou no Senado e na Câmara. O texto original foi modificado, permitindo vitórias para os trabalhadores, mas, além de ainda permitir a abertura do capital, ainda temos o PLS 388/2015 dos fundos de pensão. Este projeto coloca obstáculos à representação dos trabalhadores na gestão e nos conselhos dos fundos e coloca representantes “independentes”, quer dizer, do mercado”, aponta o dirigente.
Mas, para além das questões específicas, é preciso que se compreenda que a luta pela manutenção das empresas públicas não é só de seus trabalhadores. “É uma luta de toda a sociedade. Precisamos de uma Caixa para a população, com papel estratégico, que torne o país independente dos fluxos estrangeiros de capital. Na Itália, por exemplo, não há banco 100% público e eles sofreram em 2008 com a falta de dinheiro no mercado”, aponta Dionísio. Para o dirigente, é preciso organizar os bancários, a Frente Brasil Popular, a Frente Povo Sem Medo, a população que precisa continuar tendo seu banco. “É o povão que está na Caixa, temos que defender o modelo, a forma de ser banco, a forma de fazer o trabalho do banco. É importante para o povo a função do banco público. Se o Bradesco quisesse fazer o papel de banco, que é captar e emprestar, seria ótimo. Mas eles não querem fazer, só querem fazer as operações que dão lucro, e não olham para o atendimento à população”, compara.
O vice-presidente da Fetraf-RJ/ES, Fabiano Junior, destacou que o sistema financeiro nacional não é regulamentado. O artigo 192 da Constituição Federal teve todos os seus incisos derrubados por uma Emenda Constitucional em 2003. “O debate sobre o papel dos bancos públicos e do sistema financeiro como um todo passa pela regulamentação do Banco Central. Tem que ser um BC que sirva à sociedade e não aos banqueiros. E só há um caminho: envolver a sociedade brasileira para discutir a importância da regulamentação do artigo 192. Porque todas as mudanças, como os mecanismos que os bancos usam para afastar os clientes das agências, passam pelo Banco Central. O BC está a serviço do sistema financeiro, do capital. Tanto é que o governo interino nomeou para a presidência do BC um executivo do Itaú”, avalia o sindicalista.
Regulamentar é preciso
Fabiano também lembra que o projeto neoliberal dos governos de Fernando Henrique Cardoso foi retomado. “Os petroleiros que foram mandados embora por justa causa no governo FHC só tiveram anistia em 2003, já no primeiro governo Lula. Ali estava claro o que o capital, o sistema financeiro e o neoliberalismo queriam. Vimos ataques sucessivos às empresas publicas, retirada de direitos, oito anos de reajuste zero. Quando se quer privatizar, a primeira coisa a fazer é tirar direito de acordo coletivo e convenção coletiva. E foi o que aquele governo fez com a Caixa e o BB, mas não deu tempo de privatizar”, recorda.
A nova onda privatizadora assusta não somente pela sanha em vender patrimônio. “Hoje fico mais preocupado, porque pior que o neoliberalismo é o raivoso, que quer tirar 13 anos de atraso e já sinaliza que visão de estado pretende implantar. E não é de Estado mínimo, é de Estado zero, um Estado que não tem como figura ser de bem estar social. Este que está ai não nos representa, representa o capital, a direita e as elites. É um Estado que tem como único papel cuidar da segurança pública, como Estado repressor”, avalia Fabiano.
Exemplos de atuação
Marcel Barros, funcionário do Banco do Brasil, ex-sindicalista e Diretor de Seguridade da Previ, reeleito, começou falando de uma conversa que teve com um sindicalista de Rondônia sobre a importância do Banco da Amazônia. Destacou também que o Banco do Nordeste tem feito uma verdadeira revolução em estados como Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará. “Vemos hoje que os produtores de farinha de mandioca têm outra qualidade de vida porque a Caixa financiou a construção de cisternas. Isso traz dignidade, eles agora têm água e não precisam mais depender de um coronel. Você chega na casa das pessoas e elas mostram: aqui é a sala, aqui são os quartos e aqui é a cisterna”, relatou.
Passando para experiências que conheceu, na região de Bragança Paulista, sua cidade natal, Marcel relatou três casos em que o financiamento do BB para os pequenos negócios agrícolas teve sucesso. Primeiro falou de D. Zilda, uma produtora de cogumelos que precisou de um financiamento pelo Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar para construir um barracão. Com um financiamento de R$ 40 mil, ela construiu a estrutura e hoje tem um rendimento anual de R$ 60 mil e produção de 2,1 toneladas por ano. “E nunca atrasou uma prestação”, lembra Marcel. Além de pagar em dia, construiu outro barracão, ensinou as pessoas da região a produzir e hoje a cidade é uma das maiores produtoras de cogumelos do mundo. “Aí vemos a importância de um sistema financeiro voltado para a população. D. Zilda criou uma associação de produtores que vende para os restaurantes mais importantes do estado de São Paulo”, informa Marcel.
O ex-sindicalista também lembrou do financiamento para o caminhão do Sr. Nelson, plantador de milho e brócolis. Ele fechou contrato de fornecimento para um supermercado, mas precisava transportar seus produtos e financiou R$ 98 mil junto ao BB. O produtor incentivou os vizinhos a produzir também e foi preciso comprar uma máquina embaladora. Hoje, o Sr. Nelson tem 20 trabalhadores registrados e nem é mais produtor familiar, porque sua renda já passa de R$ 380 mil por ano. Ele e a família têm planos de previdência e o benefício foi oferecido também a seus funcionários – tudo contratado no BB, onde obteve a verba que lhe permitiu crescer”, relatou.
A terceira história relatada é preferida, porque Marcel a conhece bem. D. Neusa tinha uma pequena propriedade com algumas vacas e fazia um doce de leite muito apreciado. O então bancário do BB era cliente fiel. Mas, no final dos anos 90, D. Neusa esteve prestes a vender a propriedade e os animais. Como, em 2003, o Pronaf voltou a ser oferecido, D. Neusa insistiu na produção. Fez cursos na Casa da Agricultura e decidiu produzir doce de leite em sachê. Mas, para isso, precisava de um financiamento de R$ 10 mil para comprar a máquina para embalar o doce. Com a embaladora em mãos, D. Neusa passou a produzir e fornecer para a merenda escolar, até atingir quatro cidades: Atibaia, Bragança Paulista, Campinas e Santo André. “Ela começou a ter uma produção tão grande que suas vacas não davam conta de fornecer leite, e ela teve que comprar de famílias vizinhas. Precisou também comprar um carro para transportar a produção. Seus filhos, que eram bancários do Banco Real, deixaram seus empregos e voltaram para o sítio, para trabalhar com ela”, conta Marcel. As famílias que vendem leite para D. Neusa também continuaram na terra por terem encontrado comprador para a produção. Em 2004, com a criação, pelo governo Lula, da Compra Antecipada da Merenda Escolar, para fornecimento de pelo menos 30% da alimentação oferecida aos alunos, a venda do doce de leite ficou garantida. Ela começou com um financiamento de R$ 10 mil e hoje é uma referência nacional de sucesso do Pronaf”, destaca o bancário. Marcel ainda lembrou que a agricultura familiar é importante porque produz 70% do alimento consumido no Brasil. São os pequenos produtores que produzem o que a gente come. Se eles não tiverem financiamento, não vai ter comida”, alertou.
Depois das histórias felizes, a volta para a dureza da luta, com a crítica à participação de trabalhadores nos conselhos das estatais e na gestão dos fundos de pensão. “Dizem que para garantir a governança, um sindicalista não pode estar nestas posições porque há conflito de interesses. Mas o presidente do Banco Central é executivo de um banco privado. Isso não é conflito de interesses?”, questiona. Marcel acredita que o real motivo das mudanças propostas, sobretudo nos fundos de pensão, é que não querem que os trabalhadores tenham acesso às informações e tomem conta dos fundos. “Estamos tomando conta do dinheiro que é nosso, e por isso o fazemos com o cuidado e a responsabilidade de quem sabe que o que está ali tem valor e teve custo”, destaca. Marcel também entende que os fundos de pensão fazem parte do sistema financeiro nacional. “São os maiores investidores nacionais”, ressalta.
Fechando sua fala, Marcel argumentou que os bancos privados também trabalham com dinheiro que pertence à toda a sociedade, portanto, é dinheiro público. “Temos que trabalhar para que cada bancário possa ter três histórias como as que contei hoje. Aí, sim, vamos ter bancos que atuam em prol da sociedade, com o dinheiro usado para construir. Se tivermos políticas como esta, teremos essa utopia de uma sociedade mais justa”, concluiu.
Teatro
A mesa teve também apresentações da Cia. de Emergência Teatral, com esquetes sobre o governo ilegítimo de Michel Temer. Sempre com muito humor, o diretor Marco Aurélio Hamellin e seu elenco fizeram críticas ao governante interino e a seus aliados golpistas.