O rastro de cada um

Do caipira que vive na roça ao executivo que desfruta do conforto da cidade, todo mundo gasta uma parte dos recursos do planeta. Saiba como diminuir seu estrago

 

por Lia Hama

 


O dia já está quente às 6 da manhã, quando o rádio-relógio toca. João acorda, escova os dentes, toma uma ducha e faz a barba, ainda bocejando, com o barbeador elétrico. Na cozinha, pega o leite na geladeira esquenta no fogão, ao mesmo tempo em que passa um café. Para acompanhar, fatias de pão recém-saídas da torradeira. No carro, a caminho do trabalho, pega um conges­tionamento  de meia hora. Pelo menos tem o rádio para fazer companhia. E ar-condicionado, ufa. No escritório, ao sair do elevador, se alivia ao sentir o ar refrigerado. Liga o computador, imprime um relatório, envia um fax, tira a cópia de um documento, paga uma conta pela internet e fala ao telefone. Almoça num restaurante ali perto. No fim do dia, trânsito de novo. Afinal, em casa. Sem nem perceber, liga a televisão enquanto vai preparar o jantar, um congelado qualquer que ele aquece no forno de microondas. Assiste ao noticiário da TV enquanto come e a um DVD na seqüência. O celular toca: é a namorada, querendo saber o que farão no fim de semana. Combinam de viajar. Ele vai ao computador pesquisar um hotel e faz a reserva. Hora de dormir.

 

Chato falar disso, mas o planeta já está a caminho do colapso. A boa notícia é que é fácil ajudar a melhorar.

 

Para muita gente, o cotidiano do João não parece nada extravagante. No Rio de Janeiro, em Nova York ou em Roma há milhões de pessoas vivendo como ele. Mas a dura realidade é que para o planeta, João é um gastão – se você se identificou com alguns hábitos dele, não se ofenda, e não pare de ler. Eu sei que esse assunto é desconfortável, porque nos faz pensar no futuro, nas mudanças de hábito que precisamos ou desejamos adotar etc.. É como lem­brar a dieta que o médico receitou, o programa de exercícios que precisamos começar ou a visita ao dentista que es­tamos adiando – enfim, coisas que a gente gostaria de esquecer.

 

Mas não podemos. Se todos os 6,5 bilhões de habitantes do mundo vivessem como o João, o planeta en­traria imediatamente em colapso: fal­tariam eletricidade, petróleo, alimen­tos e até água. Em pouco tempo, não haveria espaço para o lixo que os bilhões de Joões e Marias produziriam – o papo chato já está acabando, mas antes disso me permita ir um pouco além. Na verdade, o colapso planetário já está a caminho. Mesmo com bilhões de pessoas vivendo em condições consideradas miseráveis e consumindo pouco, gastamos os recursos naturais em uma velocidade 20% mais rápida do que eles se renovam. Como não dá para aumentar o tamanho da Terra e a colonização de outros planetas é uma possibilidade remota, a escassez de recursos só vai piorar. Pronto, falei. Fim do noticiário ruim.

 

0 lado positivo é que você pode ajudar sem grandes esforços, sem entrar para o Greenpeace nem fazer greve de fome em cima de uma árvore. Acredite: se ler esta matéria até o fim, você já está ajudando. Quanto mais você se informa, mais se conscientiza so­e o efeito dos seus atos e acaba dimi­nuíndo seu impacto sobre o planeta. E às vezes isso nem dá trabalho. “Ado­tando medidas simples você consegue diminuir significativamente seu consumo , afirma o físico Délcio Rodrigues, um dos responsáveis por elaborar a cartilha “Sou Mais Nós”, do Instituto Akatu, ONG que promove o consumo consciente. Ao reduzir o consumo você diminui a pressão sobre os recursos naturais e gera menos esgoto, calor, po­ção e desmatamento, diz Genebaldo Freire Dias, técnico do Ibama, professor da Universidade Católica de Brasília e autor do livro 40 Contribuições Pessoais para a Sustentabilidade. 0 que você vai ler a seguir é como der isso sem precisar virar um ecochato. São dicas pontuais sobre atitudes do cotidiano. Algumas parecem banais e de alcance limitado, mas são todas muito importantes. Multiplicadas peIas várias vezes em que se repetem e pelos bilhões de habitantes do planeta­, fazem a diferença.

É claro que, por serem práticas, as dicas não dão conta de todas as situações da vida cotidiana. Portanto, é bom conhecer os princípios básicos em que elas se baseiam. São três. 0 primeiro é reduzir sua meta de consumo. 0 nível de conforto que se vende como sendo o desejável, aquele pelo qual as pessoas trabalham todo dia para alcançar, não é sustentável em nenhum país. Aprenda a ser feliz com menos. Mas essa estratégia tem limite. Alguma coisa esses bilhões de habitantes vão consumir. Então, é preciso consumir melhor, ou seja, consumir produtos que causem menos impacto. E reciclar. Reutilizar materiais, além de diminuir o uso de matéria-prima, reduz a produção de lixo.

 


Desligue a tomada

O chuveiro elétrico e o ferro de pas­sar são dois dos maiores consumidores de eletricidade. Se cada pessoa reduzir a ducha diária de 12 para 6 minutos, eco­nomizará energia para manter uma lâmpada acesa por sete horas. Se 1 mi­lhão de famílias fizer o mesmo, a econo­mia diária será equivalente à potência prevista de Angra 3, tornando desne­cessária a construção da usina nuclear.

 


Feche a torneira

Cada vez que você e mais seis ami­gos fecham a torneira ao escovar os dentes, economizam cerca de 122 litros de água tratada. Isso é suficiente para atender às necessidades diárias de uma criança. Um banho de 10 minutos gas­ta em média 160 litros de água. Mas vo­cê pode tentar diminuir esse tempo fe­chando o chuveiro para se ensaboar ou lavar os cabelos. Só com esse gesto, eco­nomizará em um ano cerca de 30 mil li­tros de água. Se 50 mil famílias imita­rem você, a água economizada em um ano será equivalente ao consumo anual de uma cidade como Búzios (RJ). Procure fazer o reuso da água. A que sai da máquina de lavar, por exemplo, po­de ser usada para limpar o quintal.

 


Vá a pé

O excesso de gás carbônico na at­mosfera é um dos principais responsá­veis pelo aumento da temperatura do planeta. Se carros e indústrias conti­nuarem a queimar combustíveis fósseis no ritmo atual, a temperatura média do planeta poderá aumentar em até 5 graus Celsius nos próximos 50 anos. A poluição do ar também provoca doen­ças respiratórias. Numa cidade como São Paulo, o ar contaminado por veícu­los mata 300 pessoas por ano. Quem deixa de usar o carro um dia por sema­na (considerando um percurso diário de 40 quilômetros), em um ano terá deixado de lançar na atmosfera uma quantidade de gás carbônico equiva­lente à que é retirada da atmosfera, pe­la fotossíntese, por 71 árvores de euca­lipto. Em outras palavras: deixar o car­ro em casa uma vez por semana equiva­le a 71 eucaliptos a mais no mundo. Dê preferência ao transporte público, à bi­cicleta ou às caminhadas.

 


Olha o desperdício

O ideal é evitar na origem que o li­xo seja produzido. Isso pode ser feito mudando suas atitudes de consumo, reduzindo suas compras, recusando embalagens desnecessárias, compran­do produtos com refil e reaproveitando sobras de comida. Em média, cada brasileiro produz diariamente 500 gra­mas de lixo. Esse número pode chegar a 1 quilo, dependendo do poder aqui­sitivo e do local onde se vive. No total, o Brasil produz cerca de 230 mil tone­ladas de lixo por dia, o que equivale a duas filas de caminhões de lixo de 5 to­neladas, ocupando o espaço de dez pontes Rio-Niterói.

 


A comida é sagrada

Em média, uma família de classe média desperdiça, por dia, 500 gramas de comida. Se 500 mil famílias reduzi­rem pela metade a quantidade de ali­mentos que jogam fora, 45 mil tonela­das de comida deixarão de ir para o lixo a cada ano, o suficiente para alimentar 250 mil pessoas pelo mesmo período. Planeje bem suas compras, evite com­prar alimentos em excesso e reaproveite cascas e outras sobras. Se tiver um quin­tal, instale uma composteira, que trans­forma restos orgânicos em adubo.

 


Não jogue fora

No trabalho, por exemplo, em vez de usar vários copinhos de plástico, use apenas um para o dia inteiro. Ou utili­ze uma garrafinha plástica, que pode ser preenchida com água várias vezes. Na hora de imprimir um documento, certifique-se que ele está do jeito que você quer. Isso evita reimprimi-lo e jo­gar papel fora. Ao economizar papel você evita a produção de resíduos e a derrubada de árvores. Além disso, economiza água. Para se produzir 1 quilo de papel são necessários 540 litros de água. Uma empresa que gaste 100 pacotes de 500 folhas por mês (o que é um gasto razoável para uma empresa que tenha de 50 a 100 funcionários) gasta, indiretamente, 128 mil litros de água por mês. Se metade do papel utilizado passasse a ser usado dos dois lados, o consumo de papel cairia 25%. Se 20 empresas de mesmo porte aderirem a essa prática, em um ano economizariam água suficiente para encher três piscinas olímpicas.

 


Recicle o lixo

Separe o lixo para reciclagem. Papel, vidro, plástico e metal – os principais materiais recicláveis – representam 38% do peso total dos resíduos gerados. Sua coleta mobiliza mais de 200 mil pessoas no Brasil, gerando uma fonte de renda para milhares de pessoas. A reciclagem de uma única latinha de alumínio economiza energia suficiente para manter uma lâmpada de 100 W acesa durante 3,5 horas. Cada quilo de vidro (o equivalente a uma garrafa de vidro vazia de 600 ml de cerveja) que você recicla evita a mineração de 1,3 quilo de areia, uma prática de alto impacto ambiental.

 


Reutilize o papel

Embalagens de papel, envelopes e folhas podem ser usadas na frente e no verso. Cada tonelada de papel economizada preserva cerca de 15 árvores. Se 20% dos consumidores brasileiros decidirem usar racionalmente o papel de escrever e baixarem em um quarto seu consumo, a cada mês deixarão de ser utilizados 95 hectares de florestas, o equivalente a 116 campos de futebol.

 


Encha de novo

Procure comprar produtos de limpeza, de higiene e de beleza com refil. Leve sua própria sacola para fazer compras. Se tiver que usar sacolas de plástico no supermercado, reutilize-as como saco de lixo. Ao reduzir o consumo de embalagens de plástico, você evita o consumo de petróleo. Cada quilo de plástico precisa de 2,5 litros de petróleo para ser fabricado. O Brasil recicla 17,5% do plástico rígido e filme, o que equivale a 200 mil toneladas por ano. O restante vai para o lixo, onde leva mais de 400 anos para se degradar. Depositado a céu aberto, o que acontece com 30% do lixo produzido no Brasil, ele dificulta a compactação do rejeito e prejudica a decomposição dos materiais degradáveis.

 


Escolha o que consome

Prefira produtos de empresas com programas de responsabilidade social e ambiental. Além de estimular os cuidados ambientais na produção, você estará punindo as empresas que não tomam medidas parecidas. E evite comprar produtos que agridam o meio ambiente. Por exemplo, evite comprar produtos embalados em isopor, cujo composto, o polietileno, demora 400 anos para se decompor. Dê preferência para embalagens de papelão, que podem ser recicladas.

 


Peça carona

A cada quilômetro rodado, um automóvel lança no ar 430 gramas de gás carbônico, um dos gases do efeito estufa, mais 2 gramas de monóxido de carbono, um gás venenoso para os seres humanos. Ao dar carona para seus amigos, além de melhorar a qualidade do ar, você diminui o número de carros circulando pelas ruas e reduz o trânsito. Também pode ser bom para o seu bolso, já que é uma forma de você dividir os gastos com combustível e com estacionamento.

 


Doe o que não usa

Não jogue fora roupas, livros e materiais escolares. Ao doá-los para creches, escolas e entidades assistenciais, você diminui a produção de resíduos, reduz a demanda por novos produtos e ainda ajuda quem precisa.

 


Conte para os outros

Só por ter lido até aqui você já fez bastante. As atitudes, como você viu, são simples, mas como adotá-las, sem saber delas? Informação é fundamental. Sempre que possível, conte para os outros o que descobriu.

 

Descubra o tamanho da sua pegada

Todo mundo deixa um rastro por onde passa -e sua extensão depende dos hábitos de consumo e da quantidade de lixo gerada, Para ter uma idéia do tamanho da encrenca, a ONG americana Redefining Progress criou um teste que avalia a “pegada ecológica” de cada pessoa, ou seja, quanto cada um de nós gasta de terra produtiva em hectares para viver de acordo com nossos hábitos. O questionário leva em conta dados sobre alimentação, transporte e uso de energia no cotidiano. Convidamos quatro pessoas com estilos de vida bem diferentes para fazer o teste. Adivinhe quem tem o rastro menor:

 




  • FLÁVIA LACERDA, 33 anos, diretora de programa de TV, separada, mora com o filho no Rio de Janeiro. “Tenho a impressão que produzo muito lixo, apesar de reciclar. Moro em um apartamento pequeno, ando bastante a pé e uso transporte público, mas vou sozinha de carro todo dia para o trabalho, que fica a uns 45 quilômetros de casa. Como carnes e laticínios em quase todas as refeições


  •  ELIENE ALEIXO DIAS, 32 anos, empregada doméstica, separada, mora com os três filhos na periferia de São Paulo. “Não tenho carro, só ando a pé e de ônibus e gasto o mínimo necessário. Moro em uma casa bem pequena e eu que preparo minhas refeições e as dos meus filhos, quase sempre com alimentos frescos.”


  • NIELS GUDME. 49 anos solteiro, trabalha e mora na ecovila Visão Futuro, em Porangaba, interior de São Paulo, com mais 15 pessoas. “A maioria dos alimentos é produzida !á. Ando muito a pé e de bicicleta e vou de ônibus para o Rio visitar a família todo mês. Trabalho e vivo no mesmo lugar e não consumo tanto quanto se morasse em uma cidade grande.”


  • MARCELO FURTADO, 41 anos, diretor de campanhas do Geenpeace, mora em São Paulo com a mulher e dois filhos. “A comida lá em casa é feita com orgânicos, Uso energia solar e compro produtos que poupam energia. Mudei de casa para ir trabalhar de Vileta. Mas meu trabalho exige que eu viaje muito de avião.”
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    E o menor rastro vai para… Eliene, com 1,2 hectare. Na seqüência vêm Niels, com I,7; Flávia, com 0,2, e Marcelo, com 14,4 hectare. Os resultados não são lá muito animadores, já que no mundo existe 1,8 hectare de área produtiva por pessoa. “Quem tem baixa renda, como a Eliene, normalmente faz uma pontuação menor, porque tem pouco poder de consumo”, diz Dahlia Chazan.diretora do núcleo de sustentabilidade da Redefining Progress. “Tem também o caso das pessoas que tomam cuidado em vários aspectos da vida mas deslizam em outros, como o Marcelo, que anda muito de avião, ou a Flávia que mora longe do trabalho. Na verdade, o grande valor do questionário é fazer com que as pessoas parem para refletir sobre seus hábitos de consumo.” Você também pode fazer o teste no site


     


     


    PARA SABER MAIS


    SITES


    Instituto Aratu pelo Consumo Consciente,


    www.akatu.com.br


    Fundo Mundial para a Natureza,


    www.wwf.org.br


    Redefining Progress,


    www.redefiningprogress.org


    Instituto Visão Futuro,


    www.visaofuturo.org.br


     


    LIVROS:


    40 Contribuições Pessoais para a Sustentabilidade, Genebaldo Freire Dias, Gaia

    Fonte: