O trabalhador como mercadoria

Miguel Pereira *


Um tema que deve ser debatido em breve no Congresso Nacional é a terceirização.


Desde o ano passado, o assunto ganhou espaço e foi objeto da primeira audiência pública do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Há vários mitos, verdades e interesses que precisam ser identificados e discutidos pelos deputados, pelos senadores e pela sociedade.


O que muitos costumam chamar de terceirização não passa, na maioria das vezes, de prática ilegal de intermediação de mão de obra.


O critério da atividade-fim ou atividade-meio de nada vale se estiverem presentes os elementos caracterizadores da relação formal de emprego: pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade.


Essa forma de contratação tem sido usada pelas empresas para reduzir custos com pessoal e aumentar a rentabilidade e o lucro.


Afirmações como “a terceirização é geradora de empregos”, “é através dela que se eleva a eficiência do trabalho”, “é um jeito moderno de gestão e organização da produção” e “é um processo irreversível e um avanço trabalhista” não passam de mitos forjados para tentar acobertar a precarização que não se sustentam à luz dos fatos.


Nos últimos anos, o Brasil voltou a crescer e gerou milhões de empregos com carteira assinada. Isso não foi resultado da flexibilização de direitos trabalhistas, como pregavam os neoliberais de plantão na década de 1990, mas de investimentos e de políticas públicas, do crescimento da economia e da valorização do trabalho, com formalização e aumentos reais de salários.


Entretanto, o Brasil é o segundo país com maior desigualdade do G20. Apenas a África do Sul fica atrás. Essa dura realidade não mudará com terceirização, “quarteirização” e “pejotização”, que têm produzido empresas sem qualquer trabalhador.


O aumento da produtividade das empresas é positivo, mas não pode ser fruto da submissão a novas divisão e organização do trabalho que só focam a lucratividade. Sobram para os trabalhadores baixos salários, menos direitos, rotatividade, quebra da identidade de classe e da solidariedade e enfraquecimento sindical -além de maiores níveis de adoecimento, insegurança e mortes.


A negligência por parte das contratadas no cumprimento dos contratos tem provocado uma série de prejuízos aos empregados, como o não pagamento dos direitos trabalhistas, previdenciários e, particularmente, rescisórios.


Não é à toa que milhares de ações judiciais questionam a legalidade do processo e cobram os direitos dos trabalhadores. Esses passivos são, na verdade, os reais interesses que estão por trás do chamado “risco jurídico” a que as empresas alegam estarem submetidas.


Na intermediação de mão de obra, o trabalhador é tratado como mercadoria, a exemplo da época da escravidão, já varrida há mais de um século. A superexploração do trabalho não combina com modernidade e com desenvolvimento econômico e social.


Cabe ao Congresso Nacional aprovar uma lei que realmente fortaleça as relações de emprego e os direitos dos trabalhadores. Uma legislação precarizante pode comprometer o futuro da nação. O Brasil precisa de trabalho decente, qualidade de produtos e serviços, distribuição de renda, inclusão social, segurança e proteção da vida dos trabalhadores e da população.


 


* Miguel Pereira é bancário, secretário de Organização da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e advogado.

Fonte: Miguel Pereira