A Fetraf-RJ/ES recebeu a Dra. Denise Lobato Gentil, professora do Instituto de Economia da UFRJ, para falar sobre a reforma da Previdência em seminário sobre o assunto realizado na última quarta-feira.
A professora expôs não só a situação atual da Previdência Pública, mas fez ponderações sobre a conjuntura econômica e política do Brasil. Logo de saída, Denise Gentil deixou claro que fazer reforma da previdência em época de depressão econômica é inoportuno, já que é o momento em que os aparelhos de proteção social do Estado são mais necessários.
Mas, ao mesmo tempo que a reforma é inoportuna, ela não poderia ser feita em outro momento, já que é somente diante deste quadro de recessão que as mudanças são aprovadas. Além da pressão sobre os parlamentares, a população – influenciada pelos meios de comunicação – aceita melhor o remédio amargo, acreditando que só ele poderá sanar os problemas.
Crise programada
Só que a percepção de crise que o cidadão médio tem é equivocada. “A depressão não é espontânea, é programada”, afirmou a economista. O governo adota uma série de medidas que levam propositalmente à recessão econômica. Os objetivos são claros: estancar a distribuição de renda, contribuindo para sua concentração nas mãos da elite do país.
Segundo a professora Denise, é consenso entre muitos economistas que a forma de criar depressão é o corte dos investimentos públicos, que puxam para baixo o nível de investimento privado. A consequência é o aumento do desemprego, o rebaixamento dos salários, a queda na arrecadação de impostos e taxas. E todas estas consequências impactam diretamente nas receitas da previdência.
A questão mais polêmica, porem, é a do déficit. “Os dados que o governo apresenta são fraudulentos”, afirma a Dra. Denise Gentil, com veemência. Os números que servem para fazer a justificativa da reforma da previdência diferem de dados levantados pelo próprio governo e disponíveis para consulta. A economista mostrou durante a palestra números oficiais que demonstram o montante das desonerações de contribuições sociais. A perda de receita com a redução das obrigações das empresas – contribuição sobre salário, COFINS, CSLL e PIS/PASEP – somam exatamente o montante do déficit que o governo anuncia: R$ 151 bilhões.
Como se não bastasse a perda de receita com as desonerações, ainda há as dívidas. Somente os 500 maiores devedores deixaram de pagar cerca de R$ 450 bilhões em contribuições. Entre os campeões das dívidas estão empresas solventes e lucrativas, como o Bradesco, a Caixa, a Vale e a JBS – em primeiro lugar entre as ativas, com R$ 1,8 bilhão devido. A estimativa do Ministério do Trabalho e Previdência Social é de que R$ 100 bilhões sejam de alta e média recuperabilidade e poderiam ser recuperados imediatamente.
Ao invés disso, o governo segue ignorando dívidas. O total devido de tributos pelas instituições financeiras soma R$ 124 bilhões, sendo R$ 7 bi somente de contribuições previdenciárias. E ainda tem os perdões, de mãe para filho, como o que recebeu o Itaú, que não vai precisar desembolsar R$ 25 bilhões para cobrir tributos resultantes da fusão com o Unibanco.
Déficit fabricado
Por anos os especialistas em cálculos atuariais afirmaram que a previdência social brasileira não era deficitária. E isto foi verdadeiro até o ano passado. Além da queda de receita provocada pela crise, houve um enorme aumento de gastos em 2016. A causa foi simples: com o anúncio da reforma da previdência, quem já tinha condições de pedir aposentadoria entrou com o pedido, para se aposentar pelas regras atuais. Com isso, o gasto com benefícios, que fechou 2015 equilibrado com as receitas, pulou para o maior patamar da década, em 2016.
E também há uma sangria de recursos da seguridade social através da DRU – Desvinculação de Receitas da União. Criada pela Emenda Constitucional 27 em 2000 – quando a Câmara era presidida por Michel Temer e o Senado, por ACM – a DRU previa que o governo podia tirar um naco de 20% das receitas de seguridade social para usar como bem entendesse. Esta medida tinha prazo definido de 4 anos, mas foi prorrogada três vezes. Em junho do ano passado outra emenda constitucional determinou não só a prorrogação até 2023, mas aumentou a fatia que pode ser retirada para 30%.
Finalmente, depois de tantas mordidas nos cofres da Previdência, o governo conseguiu gerar um déficit de aproximadamente R$ 57 bilhões.
Mesmo assim, o governo tem como tapar este rombo sem ter que recorrer à reforma. Segundo dados oficiais apresentados pelo Banco Central, o governo federal tem em sua conta única um saldo de mais de um trilhão de Reais. Este montante serve como garantia para os investidores que compram títulos públicos do Tesouro Nacional. “Este dinheiro é nosso, do povo brasileiro, mas é usado para acalmar os investidores. E os maiores compradores destes títulos são os fundos privados de previdência e, em segundo lugar, os bancos”, informa a professora Denise.
Quem paga o pato?
A conclusão a que chegaram os presentes à palestra foi de que a reforma da previdência não só é um exagero capaz de destruir o sistema, mas também desnecessária. Mais dura que qualquer outra reforma realizada em países com pobreza e desigualdade social em níveis bem mais baixos que o Brasil, a reforma pretendida não pretende garantir os benefícios. O objetivo é claro: favorecer o sistema financeiro e concentrar a renda. Se a reforma passar, o povo, mais uma vez, vai pagar a conta.