Publicada no Diário Oficial da União no último dia útil do ano, a portaria 1.293/17 retomou a definição de trabalho escravo, restabeleceu os procedimentos para resgates de trabalhadores e garantiu a publicação da “lista suja” das empresas que praticam esta modalidade de exploração. Foi uma vitória da sociedade contra a bancada ruralista, que pressionou o interino Temer a dificultar a tipificação do trabalho escravo e a fiscalização.
Desde a publicação da portaria anterior, em meados de outubro, o governo vinha recebendo pesadas críticas não só da sociedade civil, mas também do meio jurídico, da imprensa, de especialistas e de organizações internacionais. A mudança na definição do trabalho escravo ameaçava até mesmo a venda de produtos brasileiros no exterior, já que mercadorias produzidas com superexploração dos trabalhadores têm enfrentado rejeição dos consumidores.
Dias depois de publicada, a portaria anterior já havia sido suspensa, através de uma liminar concedida pela ministra Rosa Weber, do STF, em ação ajuizada pelo partido Rede. A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge – uma especialista no assunto – também já havia feito pesadas críticas ao documento editado pelo Ministério do Trabalho.
Os principais retrocessos trazidos pela portaria editada em outubro diziam respeito à definição do que poderia ser considerado trabalho análogo à escravidão, removendo da caracterização as condições degradantes e o trabalho forçado, a jornada exaustiva e a servidão por dívida. Também criava exigências que dificultavam a fiscalização e retiravam dos Auditores Fiscais do Trabalho a prerrogativa para caracterizar a situação, autuar os empregadores e libertar os trabalhadores. Outro problema eram as restrições à publicação da “lista suja” com a relação das empresas em que foi constatada prática de trabalho análogo à escravidão.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, que combateu a portaria de outubro desde sua publicação, comemora o novo documento. “A nova Portaria representa uma grandiosa e importante vitória da nossa luta pela erradicação do trabalho escravo. O Sinait agiu de maneira firme, tempestiva e contundente, promovendo uma gigante articulação política contra a Portaria que representava um grave retrocesso e perigosa ingerência na organização da Fiscalização do Trabalho”, declarou o presidente da entidade, Carlos Silva. Além de combater o documento como um todo, o sindicato questionou sua legalidade por estar em conflito com a lei 13.464, de julho de 2017, que garantia aos auditores fiscais do Trabalho a prerrogativa de autoridade trabalhista.
Editada no apagar das luzes do ano de 2017 e como último ato do ministro Ronaldo Nogueira, que pediu exoneração em seguida, a nova portaria bate de frente com a bancada ruralista e com muitos empresários, principalmente das áreas de construção civil e confecção. O recuo é especialmente vantajoso para os trabalhadores escravizados no meio urbano, onde a caracterização pelas normas da portaria de outubro era ainda mais difícil.
Ao contrário do que o Planalto vem tentando demonstrar, através da grande mídia, o recuo não é um reconhecimento do erro ou tentativa de repará-lo. A publicação da portaria de outubro causou forte reação, colocando todo o primeiro escalão do governo em maus lençóis. A sociedade brasileira deixou bem claro que não aceita a volta da escravidão, em nenhuma forma, sob nenhuma hipótese e o interino Temer foi obrigado a fazer seu ministro recuar da decisão.