Repressão da ditadura ao movimento sindical é investigada pela Comissão da Verdade


Durante o evento Testemunho da Verdade, realizado no auditório do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro na noite do ultimo dia 19, nossa reportagem conversou com Rosa Cardoso, integrante da Comissão Nacional da Verdade que coordena o grupo de trabalho que trata de Ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical. Advogada, Rosa também atua em outros três GTs e conhece de perto o trabalho da CNV, tendo já ocupado a coordenação geral.

O GT Sindical, como é conhecido, foi formado através de uma parceria da CNV as centrais sindicais com o objetivo de jogar luz sobre as violações e perseguições políticas sofridas por sindicatos e sindicalistas. Numa época em que as forças de repressão não pediam licença antes de entrar e dispensavam a necessidade de provas para incriminar um suspeito de subversão, o movimento sindical, com sedes em endereços fixos e lideranças conhecidas pela sociedade, foi alvo fácil. “Embora este GT tenha começado tardiamente, está funcionando muito bem, está muito bem estruturado. Foram definidos 11 temas a serem explorados que envolvem violações relativas ao movimento sindical, como prisões, torturas e desaparecimentos de dirigentes e invasões e intervenções a sindicatos”, esclarece Rosa.

Outros ventos

A Lei de Anistia, de 1979, que prometia ser “ampla, geral e irrestrita”, acabou decepcionando ao anistiar, também, os torturadores. Depois de uma tentativa de revisão desta regra ter sido derrubada por uma decisão do STF em 2010, o assunto volta à baila. “O quadro político mudou e a composição do Tribunal é outra também, há ministros novos. E também tivemos uma visita dos membros da Corte Interamericana de Direitos Humanos em outubro que explicaram aos ministros do STF que o tribunal não pode se desgarrar do compromisso com o sistema interamericano de justiça”, relata Rosa. A advogada também lembrou que há um precedente. “O Brasil já foi condenado pela CIDH no caso da Guerrilha do Araguaia, por não processar e julgar os responsáveis pelos crimes de lesa humanidade praticados por agentes de estado – que são tortura, morte, desaparecimento forçado – que, no Brasil, chamamos de sequestro – e ocultação de cadáver.

Rosa Cardoso acrescentou que o Procurador Geral da República Rodrigo Janot, empossado há dois meses, já se pronunciou favorável à revisão da lei de anistia. “O MP vai entrar com uma nova ação para rever a lei. No Ministério Público há um núcleo de direitos humanos que tem coordenado a apresentação de denúncias”, informa a coordenadora do GT Sindical. Estas denúncias vão sendo ajuizadas aos poucos, sempre tentando um enquadramento diferente para que os crimes não possam ser considerados prescritos. Foi assim com as ações encaminhadas no Pará contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o Major Curió, pelo sequestro de cinco militantes da Guerrilha do Araguaia, e também com o processo ajuizado em São Paulo contra o coronel reformado Brilhante Ustra e o delegado da Polícia Civil Dirceu Gravina pelo sequestro e desaparecimento de Aluísio Palhano, que foi presidente do Seeb-Rio e da Contec.

Rosa Cardoso acredita que, apesar de se anunciar uma volta do pensamento conservador, a proporção deste movimento é bem menor do que parece. “O movimento avança mais no sentido do esclarecimento e da ampliação da democracia que no do retrocesso. Há pessoas desequilibradas que querem expressar sua própria violência, mas isso é irrisório, não dá a medida de uma tendência”, acredita. Para a advogada, a principal demonstração de que este pensamento está restrito a uma pequena parcela é o recado dado nas urnas nas três últimas eleições presidenciais. “As votações da população têm demonstrado apoio a uma vertente que não é de direita”, ressalta.

Encerramento

Ao contrário de jogar uma pá de cal sobre o período sombrio da ditadura civil-militar de 1964-1985, a Comissão da Verdade busca esclarecer o que ainda é nebuloso, principalmente para as famílias dos mortos e desaparecidos. “Não temos respostas cabais para as famílias, ainda não. O trabalho é lento, porque os militares ainda escondem muito, dificultam o acesso às informações”, relata a advogada. Mas o processo, mesmo demorado, é firme. “Um passo importante foi começarmos a fazer a digitalização dos documentos. Isso permite que montemos aos poucos o quebra-cabeças. Encontramos uma pecinha aqui, outra ali, e vamos juntando”, informa.

Além de lento, o trabalho pode, às vezes, ser bastante desgastante. Principalmente a parte da oitiva de depoimentos. “É muito doloroso, doído. Mas é por isso mesmo que a melhor forma de fazer a população entender o que aconteceu, para que nada daquilo se repita, é dar voz às vítimas”, acredita Rosa.

Neste sentido, o trabalho de resgate da verdade é fundamental para que a história seja reescrita. “É importante estudar o que aconteceu naquele período para que se possa fazer uma reparação material e também simbólica, como está sendo feito em outros países, como a Argentina. É preciso que se responsabilizem judicialmente os violadores. É isso que a Comissão busca: verdade, justiça e reparação”, conclui a coordenadora.

Os 11 temas de trabalho do GT Sindical:

1. Levantamento dos sindicatos que sofreram invasão e intervenção no golpe e após o golpe;


2. Investigação de quantos e quais dirigentes sindicais foram cassados pela ditadura militar;


3. Quais e quantos dirigentes sindicais sofreram prisão imediata ao golpe;


4. Levantamento da destruição do patrimônio documental e físico das entidades sindicais;


5. Investigação sobre prisões, tortura e assassinatos de dirigentes e militantes sindicais urbanos e rurais;


6. Vinculação das empresas com a repressão;


7. Relação do serviço de segurança das empresas estatais e privadas com a repressão e atuação das forças armadas;


8. Legislação antissocial e antitrabalhadores (lei de greve, lei do arrocho salarial, lei do fim da estabilidade no emprego, entre outras);


9. Levantamento da repressão às greves;


10. Tratamento dado a mulher trabalhadora durante a repressão;


11. Levantamento dos prejuízos causados aos trabalhadores e suas entidades pelo regime militar para reparação moral, política e material.

Fonte: Da Redação – Fetraf-RJ/ES