SERRA CONSEGUE APROVAR TERCEIRIZAÇÃO

Caso dispute a Presidência da República em 2006, o prefeito José Serra (PSDB) terá governado São Paulo por apenas 15 meses. E a aprovação ontem do projeto das Organizações Sociais – que prevê a terceirização de serviços -, em convocação extraordinária da Câmara Municipal, deverá ficar como a principal marca de sua administração. A primeira área a receber o novo modelo de gestão será a saúde, bandeira de campanha.


A aprovação representa uma das principais vitórias de Serra no Legislativo. Em seu primeiro ano de governo, o prefeito conseguiu passar quase todos os projetos enviados e ontem, mesmo com restrições à proposta de terceirização, mostrou sua força na Câmara Municipal. O projeto prevê a extensão da transferência de parte da gestão das áreas de ensino, cultura, meio ambiente, ciência e tecnologia e apesar das mudanças feitas pelos vereadores, que restringem a ampliação apenas à saúde, o Executivo apresentará em fevereiro a retomada da proposta. Mesmo sem remuneração extra, 54 dos 55 vereadores participaram da sessão e 39 votaram a favor do projeto.


Sob pressão popular, vereadores bloquearam a votação das Organizações Sociais, prevista para dezembro, depois que sindicatos – da área da saúde e de educação – ocuparam as galerias do plenário durante a discussão do projeto e protestaram contra as mudanças. “A prioridade do prefeito é tirar a responsabilidade do Estado no gerenciamento de ações. É a concepção de um Estado mínimo, para arrecadar e repassar à iniciativa privada”, critica a presidente do Sindicato da Saúde (Sindsaúde), Célia Regina Costa.


O projeto de terceirização prevê um órgão regulador, nos moldes das agências reguladoras nacionais, para evitar discrepância na compra de produtos e na contratação de serviços. As Organizações Sociais dispensam os processos de licitação e de contratação de funcionários por concursos públicos.


Com a transferência da prestação de serviços da saúde a entidades sem fins lucrativos, a Prefeitura de São Paulo experimentará o modelo de administração iniciado em 1998, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e teve como seguidores os governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin, em São Paulo.


No Estado, as organizações sociais foram estendidas às áreas da saúde, cultura, ciência e tecnologia. A experiência estadual mostrou que a opção pode se justificar antes pela eficiência do que pela redução de custos. Na administração paulista, as despesas com funcionários efetivos subiram. O projeto vai em sentido contrário ao que é feito no governo federal, onde o funcionalismo aumenta em número e há previsão de que cresça ainda mais, com a realização de mais concursos e a diminuição de serviços terceirizados.


Para comandar as mudanças no governo municipal, Serra convocou o secretário de Gestão, Januário Montone, que acompanhou de perto o projeto no governo federal. Na época, Serra era ministro da Saúde e Montone, presidente da Agência Nacional de Saúde. O secretário defende a terceirização para dar mais agilidade ao governo e imagina, no futuro, até mesmo o fim do funcionalismo público no país. “É um dos instrumentos mais modernos de gerenciamento do serviço público”, defende Montone. “Vamos controlar menos os meios e mais os resultados”, afirma.


A terceirização de parte da gestão é um “processo lento” e “definitivo”, no entendimento do cientista político Rui Tavares Maluf, especialista em gestão pública. E é uma marca tucana. “É a consolidação do envolvimento do terceiro setor na gestão da vida pública. O Estado terá seu papel redefinido e, acredito, não terá mais volta. O PSDB tem isso mais claro. O PT, por outro lado, tem-se mostrado mais autárquico”, analisa Tavares, da Consultoria Processo e Decisão.


A prioridade da transferência da gestão dos serviços é a área da saúde e dois hospitais já estão prontos para receber o novo modelo. A terceirização do setor já passou por uma experiência traumática no município. Durante a gestão de Paulo Maluf e Celso Pitta, na prefeitura, a implementação de um sistema de cooperativas do Plano de Atendimento à Saúde (PAS) desmontou as políticas públicas do setor. A secretária da saúde municipal, Maria Cristina Cury, avalia que sua pasta foi estruturada e ganhará com o modelo. “O pior era a desorganização. A rede estava sucateada”, reclama.


Bandeira da campanha Serra, a área da saúde agrupa o maior número de obras feitas durante o primeiro ano de governo. Nos últimos meses, o prefeito intensificou a entrega de postos e ambulatórios em bairros da periferia. A maioria foi construída em parceria com o Estado e inaugurados mesmo sem a presença de Alckmin.


E foi nas regiões mais carentes que Serra inaugurou escolas, para substituir até o começo de 2006 todas as escolas de lata construídas na gestão de Celso Pitta (1997-2000). Combinada com pequenas obras de manutenção, como o recapeamento de ruas e a canalização de córregos, o prefeito aumentou sua visibilidade na população de baixa renda e escolaridade e reverteu o mau desempenho nas pesquisas de avaliação de seu governo, realizadas pelo Instituto Datafolha. Nos cem primeiros dias, teve a pior avaliação desde o prefeito Jânio Quadros (1986-1988), mas terminou o primeiro ano com o maior índice de aprovação, 41%, seguido por Marta Suplicy (PT), com 28% e Paulo Maluf (PP), com 25%, no mesmo período.


O levantamento mostra que entre a população de baixa renda e escolaridade, a aprovação do prefeito cresceu. Para o consultor político Rui Tavares Maluf, a presença constante do prefeito na periferia e as pequenas obras pela cidade criaram no imaginário da população a sensação de “missão cumprida” do prefeito. “Justamente a faixa mais carente tende a se guiar por obras. São eles que têm mais necessidade da intervenção do Estado, das ações mais diretas”, diz.


Os parlamentares aprovaram também um pacote de medidas tributárias para aumentar a arrecadação. Vereadores tucanos vêem o reflexo das vitórias de Serra em uma eventual disputa pelo Planalto. “Serra criou uma ‘super receita’ e fez em um ano o que Lula falou nesses três anos que ia fazer”, disse José Police Neto. Nos palanques improvisados em inaugurações, o prefeito recorre ao discurso de rigor fiscal e controle dos gastos públicos. Alegando ter herdado uma dívida de R$ 2, 252 bilhões, congelou 32% do orçamento no primeiro semestre e conseguiu fazer um caixa de mais de R$ 700 milhões para 2006, de acordo com assessores tucanos. “A situação financeira ainda não é boa. E não será enquanto não equacionarmos a dívida vencida”, diz o secretário de Finanças, Mauro Ricardo Costa.

(Por Cristiane Agostine, de São Paulo – VALOR ONLINE)

 

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