William Mendes *
A Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a maior autogestão do país, com gestão compartilhada entre os patrocinadores Banco e Associados, está em mesa de negociações entre as partes para buscar soluções de equilíbrio econômico-financeiro no plano de saúde dos funcionários da ativa, aposentados, pensionistas e dependentes.
Como gestor eleito pelos associados, nossa opinião é de que o objetivo central das negociações, desde que procuramos as entidades sindicais e representativas no final de 2014 para construir um calendário de mobilização e lutas unitárias, sempre foi o de manter os direitos conquistados ao longo da história de mais de 70 anos de existência da Caixa de Assistência; e alcançar a sustentabilidade da entidade de saúde mantendo o modelo de custeio solidário e cumprindo sua missão de “assegurar ações efetivas de atenção à saúde por meio de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação para uma vida melhor dos participantes”.
Os dois patrocinadores associados da entidade de saúde definiram nas duas últimas reformas estatutárias, em 1996 e em 2007, o modelo de custeio baseado em contribuições por parte do Banco do Brasil (4,5%) e dos associados (3%) sobre a remuneração e benefícios dos associados, incluindo o 13º salário. Também definiram o Modelo de Atenção Integral à Saúde e a Estratégia Saúde da Família (ESF) como eixos norteadores para que a Cassi deixasse de ser uma mera pagadora de contas hospitalares e assistenciais vindas dos prestadores de serviços no mercado de saúde.
A Estratégia Saúde da Família (ESF) foi lançada em 2003, após estudos e definições das governanças compartilhadas da operadora desde 1996. A Cassi passou a perseguir objetivos ousados de reorganização de seu sistema de serviços de saúde com a constituição de uma estrutura própria de atenção à saúde, as CliniCassi, e também uma estrutura administrativa nos estados, além de uma Central de Pagamentos e uma Central de Atendimento 0800.
A organização dessa estrutura é central para o sucesso do Modelo de Atenção Integral à Saúde, com objetivos de atender a mais de 700 mil vidas assistidas em todos os estados brasileiros e localizadas em todos os municípios onde o Banco do Brasil estiver e onde seus funcionários da ativa, aposentados, pensionistas e dependentes estiverem.
Com o passar das duas últimas décadas, ou seja, entre os anos de 1996 e 2016, grandes mudanças ocorreram no setor de saúde brasileiro. Há uma forte crise no setor de saúde suplementar (os planos de saúde) e o setor de saúde complementar (os prestadores de serviços de saúde) passa por mudanças e reorganizações “agressivas” no sentido de busca de maior lucro e retorno financeiro sobre os usuários do sistema e seus planos de saúde.
Faço essa introdução em nosso artigo de opinião sobre a proposta final apresentada em 05/09/16 pelo patrocinador Banco do Brasil para solucionar a questão do déficit no Plano de Associados da Cassi porque qualquer proposta econômica e financeira e também estruturante precisa conter soluções que deem conta da complexidade envolvida na gestão da saúde, tanto pública quanto privada. E na reorganização de sistemas de saúde, como nós da Cassi nos propusemos a realizar desde a reforma estatutária de 1996 é fundamental compreender essa complexidade.
UM MANDATO FOCADO EM DAR INFORMAÇÕES AOS ASSOCIADOS E ENTIDADES DA COMUNIDADE BB
Estamos há mais de dois anos levando informação qualificada a cada participante, a cada liderança dos associados e ao patrocinador BB e seus representantes a respeito das questões envolvidas nessa missão ousada que nós mesmos nos demos ao aceitarmos o desafio de definir que faríamos Atenção Integral à Saúde em mais de 700 mil participantes.
Esta contribuição deste Diretor de Saúde e de sua equipe é uma continuação do artigo de opinião e avaliação que fizemos em 01/09/16 (leia AQUI), quando publicamos um texto abordando a proposta inicial que havia sido feita pelo Banco do Brasil em 22/08/16.
DEFENDO APROVAÇÃO DA PROPOSTA PORQUE ELA TRAZ PERSPECTIVAS DE LUTAR PELA AMPLIAÇÃO DO MODELO DE ATENÇÃO INTEGRAL E ESF AO INJETAR RECURSOS EXTRAS ENTRE 2017 E 2019
Nós acreditamos que esta proposta apresentada pelo Banco do Brasil contém avanços importantes, se considerarmos a feita no final de 2014, ainda no âmbito da Cassi e que propunha aumento de contribuição só por parte dos associados, e diversas reduções de direitos ou aumentos de coparticipações, suspensão de programas de saúde, além da criação de franquia sob internação. Também entendemos que esta proposta é melhor que a de maio de 2015, quando foi aventada a transferência de responsabilidade atuarial do pós-laboral do BB para o próprio Plano de Associados através de um fundo de cerca de 6 bilhões, além de sugerido um rateio de eventuais déficits operacionais só aos associados, quebrando a solidariedade e onerando os mais idosos, os grupos familiares e os que tivessem utilizado mais o plano.
A proposta de ressarcimento por parte do Banco do Brasil em 23 milhões/mês mais os 17 milhões/mês por parte dos associados em contribuição extraordinária de 1%, totalizando 40 milhões/mês é uma receita importante até dezembro de 2019, caso aprovada pelo Corpo Social. Os 480 milhões por ano podem amenizar o déficit operacional do Plano de Associados; mas a receita extra sozinha não é suficiente para enfrentar uma das maiores causas do déficit: a Cassi seguir até hoje sendo uma pagadora de serviços de saúde comprados no mercado a preços cada dia mais impagáveis, e sem garantia de bom atendimento e resolutividade para os associados do plano.
A melhor perspectiva de solução para o uso dos recursos da Cassi está em avançar reorganizando o sistema de saúde que criamos, com o fortalecimento do próprio Modelo Assistencial da entidade, que tem um público mais estável que o mercado e que tem boas possibilidades de fornecer Atenção Integral e Estratégia Saúde da Família (ESF) ao seu universo de assistidos, monitorar a população já adoecida, evitar novos adoecimentos e agravamentos e usar a Rede Credenciada com mais racionalidade e eficiência.
Nós temos feito palestras, debates, textos aqui no blog e boletins informativos para dar noções sobre os diversos fatores que afetam a sustentabilidade dos planos de saúde da Cassi, principalmente o Plano de Associados. Temos explicado os porquês de dificuldade de equilíbrio entre receitas e despesas, lembrando que a maior parte das causas são externas à Cassi, vêm do mercado de saúde. Por exemplo, não é aprovando essa proposta de aumento de receitas que vamos suprir especialidades médicas ou alguns prestadores na rede credenciada em algumas localidades onde temos assistidos, porque esses problemas que as operadoras de saúde enfrentam são de outra ordem, não são necessariamente por causa do déficit e sim por pressões mercadológicas para cobrar mais dos planos de saúde e seus participantes.
É por isso que defendemos um acréscimo na proposta apresentada pelo patrocinador Banco do Brasil que pode aumentar em muito as perspectivas de sucesso nas medidas que têm por objetivo estabilizar o Plano de Associados e aperfeiçoar a gestão da entidade com ações estruturantes.
SUGESTÕES DA DIRETORIA DE SAÚDE E REDE DE ATENDIMENTO A SEREM CONSIDERADAS NOS ORÇAMENTOS DA CASSI EM 2017, 2018 E 2019, NO CASO DE APROVAÇÃO DOS NOVOS RECURSOS
Seguem abaixo as contribuições de nossa Diretoria de Saúde e Rede de Atendimento com os conceitos centrais em ampliar os cuidados dos participantes com Atenção Primária durante a vigência do acordo. Nossa contribuição completa e detalhada foi apresentada em forma de parecer nos espaços de governança da Cassi entre os dias 24 e 26 de outubro em nosso voto na apreciação do Memorando de Entendimento assinado entre Banco do Brasil e entidades representativas.
A Diretoria de Saúde e Rede de Atendimento defende as medidas estruturantes apresentadas como propostas de iniciativa estratégica no final de 2014, adicionadas de ação emergencial que possua efeito seguro de recomposição de valores no fluxo de caixa no curto prazo enquanto não surtem efeito outras implementações mais perenes e/ou sistêmicas.
Neste sentido, somos a favor dos pontos 1 e 2 da proposta conduzida em mesa de negociação entre entidades dos associados e BB. É essencial que se mantenham as premissas e princípios já garantidos e pactuados nos debates entre as partes: princípio da solidariedade, investimento no Modelo de Atenção Integral à Saúde e Estratégia Saúde da Família (ESF), garantia de atendimento para ativos, aposentados, pensionistas e dependentes, e corresponsabilidade entre BB e Associados.
No atual cenário de déficits mensais, entendemos que o aporte sinalizado terá efeito meramente emergencial, para a situação cotidiana de arrecadação e pagamento de contas. Não afetará a essência das grandes questões. É necessário, assim, garantir os projetos estruturantes após a avaliação da consultoria. Além disso, é preciso algum avanço imediato na reorganização do sistema de saúde Cassi.
O mercado de saúde apresenta agravamento das relações comerciais, dos custos e da resolutividade. E nossa população ampliou sua longevidade em velocidade acima da média mundial. Não é recomendável, portanto, aguardar 3 anos para retomar a reorganização do sistema e agir mais sobre a qualidade e a sustentabilidade que queremos.
Urge continuarmos a estruturação do modelo assistencial, expandindo equipes de saúde, repactuando a agenda de assistência com prestadores de serviço (referenciamento da rede), e aumentando o controle sobre ações como a de internação domiciliar. A proposta de quantitativos, locais e investimento está no parecer que apresentamos no voto. Por isso, é necessário ainda em 2017, 2018 e 2019:
1 – Ampliar de forma localizada o número de equipes de saúde da família em relação ao quantitativo atual, acrescentando, em alguns casos, outros profissionais, inclusive médicos de demanda espontânea, sobretudo onde já há sinais claros de busca populacional por tais serviços;
2 – Reforçar equipes de PAD (atenção domiciliar) nas Unidades em que, igualmente, já exista demanda acima da capacidade instalada;
3 – Estabelecer estruturas do conceito “Polos Regionais de Atenção à Saúde” (organização de equipes de Atenção Primária na rede credenciada, com contratação monitorada e gerida por pequeno grupo gestor da Cassi);
4 – Constituir redes referenciadas (profissionais e instituições de saúde que atuem em consonância com a ESF e com a constituição de uma história clínica integrada e única da população assistida – referência e contrarreferência) em volta das estruturas de atenção primária (Clinicassi e Polos Regionais de Atenção à Saúde).
Os cenários que estudamos consideraram ampliações em praças cujo efeito sobre a despesa assistencial tem expressão e onde há governabilidade para os incrementos ocorrerem no tempo desejado. Os valores estimados envolvidos não destoam dos referenciais e patamares daquilo que o BB se dispõe a apresentar como ressarcimentos para programas e ações/estruturas clínicas, tendo a mesma classificação no que se refere ao contorno de rubricas envolvidas. Nem desconsideram a preocupação do patrocinador quanto a manter seu aporte como ressarcimento. Além disso, aproximam o total desembolsado pelo BB da proporcionalidade reivindicada pelas entidades dos associados como adequada (60% empresa; 40% associados).
Os efeitos projetados e desenhados sobre a qualidade da assistência e o gerenciamento de seu custo serão medidos e administrados de maneira a viabilizar a absorção desse aporte adicional sobre a despesa básica (assistencial), tornando o impacto do desembolso menor.
Acreditamos que as ações focadas que sugerimos dará o rumo e a certeza que a Cassi e seus patrocinadores (Corpo Social e BB) necessitam para avançar nas ações estruturantes de sustentabilidade e evitar tornar o presente acordo em mera medida emergencial, condenada a ser negligenciada tão logo superada a atual fase aguda da crise.
Consideramos relevante termos como referência para o próximo período, com anuência do patrocinador Banco do Brasil, a possibilidade de acionamento do Artigo 25 do Estatuto Social da Cassi para o caso de algum descasamento entre receitas e despesas assistenciais do Plano de Associados durante a vigência do acordo, porque os associados já estarão dando a sua contribuição extraordinária até dezembro de 2019.
Fazemos a lembrança acima (ao Artigo 25) porque a proposta em análise não repõe as reservas livres do Plano de Associados, que são importantes para momentos de déficits ao longo do exercício administrativo da entidade. Sem esta reserva reposta, é necessário que a sugestão de o patrocinador fazer antecipações esteja de alguma forma garantida para não haver descontinuidade na normalidade administrativa da Cassi.
Defendemos que o acordo, se aprovado, preveja e garanta o acompanhamento das entidades representativas partícipes do processo negocial, em conjunto com os gestores da Cassi, eleitos pelos associados, a cada trimestre, para melhor divulgação dos trabalhos e transparência, além de garantir o foco quanto ao que foi aprovado.
Ainda, em função de nossos compromissos com os associados e suas entidades representativas e por acreditar na extensão da cobertura do Modelo de Atenção Integral e ESF, defendemos a abertura de estudos e negociações entre Banco e trabalhadores para avaliar possibilidades de inclusão dos bancários oriundos de bancos incorporados pelo BB à Cassi e ao seu modelo assistencial, bem como aos seus programas de saúde.
UNIDADE EM DEFESA DA CASSI É FUNDAMENTAL
Vamos encerrar este texto, contudo, fazendo um chamamento à Unidade. Não à “Unidade” vazia da concordância forçada, mas à Unidade de debatermos, divergirmos, concordarmos, nos reposicionarmos, reinventarmos e, assim, construirmos os caminhos coletivos para restabelecer o vigor a essa senhora de 72 anos, a nossa Cassi.
Fazemos esse chamado porque já vemos sinais em algumas pessoas ou grupos em achar que o momento de crise é propício para retomar velhas disputas, partindo para ataques territoriais ou mesmo pessoais, talvez esperando, na destruição, criar um novo espaço de liderança e como tal serem aclamados. Temos certeza de que, se não concentrarmos nossa energia agora na sustentabilidade de nossa Caixa de Assistência, pode não sobrar sequer território sobre o qual fazer disputas amanhã.
Fica o convite: usemos a energia e a engenhosidade em favor da sustentabilidade da Cassi e do coletivo, agora. Se tivermos êxito, haverá depois o tempo adequado para corridas eleitorais, disputas pessoais e outras aspirações mais nobres ou menos nobres que tanto movem alguns seres humanos.
* William Mendes é Diretor de Saúde e Rede de Atendimento da Cassi (mandato 2014/18)