Terceirização não gera empregos e precariza o trabalho

A nova lei de terceirização, aprovada pela Câmara no último dia 22 e sancionada pelo presidente na sexta-feira, 31, é o mais duro golpe já desferido contra os direitos trabalhistas no Brasil. A permissão para que as empresas terceirizem até mesmo sua atividade principal e a triplicação do prazo para vigência de contratos temporários vão impor condições de trabalho precárias para toda a classe trabalhadora.

Além da ampliação da terceirização, a lei aprovada também legaliza a não responsabilidade dos tomadores de serviço sobre os trabalhadores terceirizados. Fica, então, transformado em lei o que já estava previsto na Súmula 331/2003 do TST, que estabelecia somente a responsabilidade subsidiária do tomador de serviço sobre direitos dos trabalhadores, ou seja, a contratante só  assumiria o pagamento de salários, verbas trabalhistas ou rescisórias se a empresa prestadora do serviço abrisse falência ou desaparecesse. Já o PL 4330 – que, no Senado, se tornou PLS 30 – passou a estabelecer a responsabilidade solidária, que determina a obrigatoriedade da empresa que contrata a terceirização imediatamente após a ausência do pagamento. Esta medida não estava no texto original da lei, nem no parecer do relator, mas foi incluída depois de muita pressão do movimento sindical e das entidades contrárias à lei. O PL 30 é, portanto, menos nocivo que o que já foi aprovado.

Outra medida que o PLS 30 prevê e que ficou de fora da lei que está em vigor diz respeito à administração pública. Por pressão do Poder Executivo, em 2013, o texto que ainda tramita proíbe que os órgãos públicos, as autarquias e as empresas públicas, terceirizem as atividades-fim. No texto que o presidente Temer já sancionou não há nenhuma proibição quanto a esta questão.

A representação sindical é outro problema no texto já aprovado. No PL 4330/PLS 30, depois de muita pressão dos movimentos contrários à terceirização, ficou estabelecido que o sindicato da categoria preponderante seria o legítimo representante dos trabalhadores terceirizados que atuavam na empresa contratante. Isto dava aos sindicatos o direito de negociar, podendo diminuir a diferença de remuneração, jornada e benefícios entre trabalhadores terceirizados e contratados diretamente. O texto da lei que entrou em vigor na última semana não dedica sequer uma linha à questão. “Com esta omissão o texto deixa em aberto quem representa os terceirizados. Os empresários poderão escolher com que entidade vão negociar – e claro que vão preferir os sindicatos mais genéricos, que são mais fracos. Isto pode até gerar disputas entre entidades sindicais”, alerta André Santos, analista do DIAP – Departamento Intersindical de Acompanhamento Parlamentar.

Outro ponto positivo que o PLS 30 apresenta é a restrição à terceirização para contratação de empresa especializada. Mesmo que o conceito não fique claro na lei – o que deixa brecha para que se trate qualquer atividade como especializada – é um entrave a mais que a nova lei não impõe.

Temporários

Além de liberar a terceirização para todas as atividades, a nova lei também muda as regras para contratação de trabalho temporário. Admitida na legislação trabalhista em 1974, a contratação temporária foi passando por algumas mudanças e, até a última semana, o prazo máximo era de dois meses, prorrogáveis por mais um. A lei recém-sancionada triplica este prazo, passando para seis meses, prorrogáveis por mais três. A única mudança que a lei sofreu, depois de aprovada, foi a sanção presidencial à possibilidade de renovação destes contratos por prazo maior. Mesmo com o veto, o problema ainda é grande, porque nada vai impedir que as empresas contratem um grande número de funcionários na modalidade “temporário” para atividades que são permanentes. Esta contratação, muitas vezes, pode passar também pela terceirização, como já estava previsto na lei original, da década de 70.

E a ofensiva dos patrões para mudar as leis de contratação não para por aí. “Já não é a primeira vez que os empresários pressionam para as mudanças na contratação temporária e há projetos ainda piores tramitando. Alguns preveem a criação do trabalho intermitente, sem vínculo empregatício, em que o trabalhador pode ser convocado para trabalhar por algumas horas e será remunerado somente por elas. Não vai ser nem por diária, como acontece, hoje em alguns casos, mas por horas trabalhadas”, informa André Santos.

Desengavetamento expresso

O projeto aprovado, nomeado como PL 4302, foi proposto em 1998, no governo FHC, auge da era neoliberal e da onda de privatizações. A tramitação não prosseguiu e o PL 4330, de 2004, acabou ganhando destaque e se tornando motivo de um cabo de guerra entre empresários, de um lado, e trabalhadores, juízes, promotores e advogados trabalhistas, do outro. Em 2013, uma ofensiva das entidades e militantes contrários à sua aprovação conseguiu impor uma série de mudanças no texto que o tornavam um pouco menos nocivo. A peregrinação de sindicalistas pelos gabinetes da Câmara e a pressão eleitoral – com exposição dos nomes e fotos dos parlamentares favoráveis ao projeto – surtiu efeito e o projeto foi engavetado.

Mas, em abril de 2015, com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, o projeto foi posto em pauta e votado a toque de caixa, atropelando o regimento interno da casa e desrespeitando ritos. Aprovado pelos deputados, seguiu para o Senado e sua tramitação vem sendo adiada por sucessivos questionamentos que a oposição tem feito a respeito do texto. Com a demora da votação, o 4302, que já estava em estágio mais avançado e dependia somente de uma votação na Câmara, foi desengavetado, votado e aprovado.

O que, no PL 4330/PLS 30, era ruim, no PL 4302 é ainda pior. Com a atual configuração do Congresso e o total desrespeito à legislação que passou a vigorar depois do impeachment de Dilma Roussef e a posse de Temer, o governo – bancado pelos empresários – ganhou de lavada. “A estratégia é fazer o ruim parecer bom diante do péssimo. Se o 4330 tinha vários problemas, passou a parecer melhor depois da aprovação do 4302. A percepção é que, diante de ameaça maior, os trabalhadores acabariam aceitando o PL 30”, avalia André Santos. Havia, também, especulações de que o presidente não sancionaria o texto já aprovado, à espera do que ainda tramita, que enfrentaria menos resistência dos trabalhadores. “Mas os empresários tinham pressa, porque querem segurança jurídica para terceirizar sem correr o risco de sofrerem ações trabalhistas futuras”, acrescenta o analista do DIAP.

Mentira e riscos

A situação faz campanha pela defesa da terceirização apelando para o pânico dos trabalhadores. Dizem que a mudança vai gerar milhões de empregos, o que é um argumento forte num momento em que o desemprego volta a assustar. “Mas estes números são falsos. Não serão gerados novos empregos. o que vai acontecer é a contratação de terceirizados para substituir os contratados diretos que serão dispensados”, esclarece André Santos.

Além da terceirização irrestrita e das mudanças na contratação temporária, os trabalhadores são ameaçados também pelas reformas da previdência e trabalhista. Esta última prevê uma série de medidas que, sob o nome de “flexibilização” serão, na verdade, o fim das leis trabalhistas que, hoje, protegem o trabalhador. O contrato individual e a prevalência do negociado sobre o legislado, permitindo a renúncia a direitos, vão colocar o trabalhador numa posição extremamente vulnerável. Os empresários vão poder impor condições desfavoráveis para quem mais precisa do emprego. A rotatividade – que, no Brasil, já é uma das mais altas no mundo – tende a aumentar ainda mais. O tempo de permanência no emprego deve cair – o dos terceirizados já é menor que o dos contratados diretos – e também é esperado que um trabalhador fique um período mais longo sem encontrar emprego.

Com as mudanças propostas pela reforma trabalhista, de aumento da idade e do tempo de contribuição, o trabalhador terá que trabalhar 49 anos sem interrupção se quiser ter direito à aposentadoria integral. Com os intervalos entre um emprego e outro tendendo a ser mais frequentes e mais longos, nenhum trabalhador vai apresentar tempo de contribuição suficiente para receber o valor integral do benefício.

A aprovação da nova lei de terceirização, que agrada aos empresários, é só uma das etapas de um processo de precarização e retirada de direitos que pode levar os trabalhadores brasileiros a um patamar semelhante ao de cem anos atrás.