Andréa Vasconcelos *
Trabalho decente, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), significa \”trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna\”. Assim, a promoção do trabalho decente implica modificar as estruturas de desigualdades diretamente vinculadas às discriminações de gênero e raça [1] em nosso país.
Contudo, apesar dos altos índices de lucratividade, os bancos continuam a praticar elevadas taxas de rotatividade, o que tem gerado insegurança no ambiente de trabalho. Seguem estimulando diretamente a terceirização ao empurrar trabalhadores e trabalhadoras para o trabalho precário – correspondentes bancários, por exemplo, cuja remuneração é menor e com direitos diferenciados da categoria bancária e, em muitas situações, têm seus direitos desrespeitados. Desta forma, os bancos se contrapõem cotidianamente aos pressupostos do trabalho decente.
Ademais, quando as instituições financeiras discriminam as mulheres e os negros, intensificam as desigualdades no mercado de trabalho e manifestam a falta de ações afirmativas e de uma política enérgica de igualdade de oportunidades, de tratamento e de direitos eficaz na eliminação da hierarquia desigual entre homens e mulheres, entre brancos e negros, que também é condição basilar para o trabalho decente.
O quadro de exclusão da população negra no setor bancário [2] contribui para a manutenção de um status quo, onde negras e negros enfrentam os maiores obstáculos para superar a pobreza, revelando ainda que o racismo [3] é mais do que o reflexo da estrutura econômica desigual e concentradora, mas manifestação do preconceito [4] enraizado nas instituições. Por consequência, grupos dominantes continuam a perpetuar a subordinação de negras e negros nas relações sociais, condição que não é mero arcaísmo do passado, mas uma forma de manter benefícios materiais e simbólicos dessa situação.
Não restam dúvidas que estudos e pesquisas sobre as relações sociais comprovam a existência da discriminação de grupos negros em todos os âmbitos no trabalho e na vida e que essa situação é um coproduto da exploração capitalista, determinados pelos fatores trabalho, capital e lucro. Portanto, a divisão em brancos e negros é uma atitude política e não simplesmente uma maneira de descrever a realidade. Conceitos como \”raça\”, \”negros\” e \”brancos\” ainda atuam como categorias de inclusão e exclusão no setor bancário.
Diante dessa constatação, a Contraf-CUT tem focado de forma sistemática o enfrentamento às desigualdades de raça, gênero, orientação sexual e pessoas com deficiências na categoria, além de alertar que é papel de todo(a) dirigente sindical combater a discriminação.
Para tanto, a atuação ocorre em duas frentes: ações internas, fazendo o debate junto à categoria e às direções dos sindicatos e federações; e ações externas, como audiências com autoridades e parlamentares, a exemplo da reunião ocorrida em agosto deste ano com a secretária de Políticas de Promoção da Igualdade (SEPPIR), ministra Luiza Bairros, quando foi denunciado o nefasto processo de demissões nos bancos privados, com um alto índice de desligamento de pessoas negras. Essa dura realidade comprova a falta de responsabilidade social dos bancos com a sociedade brasileira.
A Contraf-CUT coordena a mesa temática de igualdade de oportunidades, que tem encaminhado as reivindicações da categoria para as negociações com a Fenaban e os bancos. Com a unidade nacional e a força da mobilização, os bancários já garantiram na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) a trimestralidade das reuniões da mesa de igualdade de oportunidades com a Fenaban, a ampliação da licença maternidade para 180 dias, a igualdade de tratamento para casais homoafetivos e a realização do novo censo da diversidade com planejamento em 2013 e execução em 2014.
Três cartilhas foram lançadas nos últimos anos para combater as discriminações e os preconceitos: assédio sexual no trabalho, relações compartilhadas e igualdade de oportunidades. Mais recentemente, a Contraf-CUT publicou o caderno \”Construindo a igualdade de oportunidades\”, além de jornais e panfletos como forma de aprofundar o debate e incentivar mobilizações.
O mês da consciência negra é, por isso, não somente um momento importante de reflexão, mas, acima de tudo, é um espaço oportuno de mobilização e de defesa dos direitos humanos e sociais das pessoas negras. Só haverá trabalho decente no Brasil e no mundo com igualdade de oportunidades, que passa necessariamente por enfrentar o racismo nos bancos e garantir igualdade racial no trabalho e na vida.
[1] Discriminação de raça: ação que produz desvantagens e prejuízos para determinados grupos em função da cor da pele e/ou da origem étnica e racial.
[2] Acesse aqui o jornal especial da Contraf-CUT para o mês da consciência negra.
[3] Racismo: doutrina que afirma não só a existência das raças, mas também a superioridade natural e, portanto, hereditária, de umas sobre as outras. A atitude racista, por sua vez, é aquela que atribui qualidades aos indivíduos ou grupos conforme o seu suposto pertencimento biológico a uma dessas diferentes raças e, portanto, conforme as suas qualidades ou defeitos inatos e hereditários. Assim, o racismo não é apenas uma reação ao outro, mas uma forma de subordinação do outro.
[4] Preconceito: qualquer atitude negativa em relação a uma pessoa ou a um grupo social que derive de uma ideia preconcebida sobre tal pessoa ou grupo. É possível então dizer que a atitude preconceituosa está baseada não em uma opinião adquirida com a experiência, mas em generalizações que advêm de estereótipos.
* Andréa Vasconcelos é bancária e Secretária de Políticas Sociais da Contraf-CUT
Fonte: Andréa Vasconcelos