Texto de Diretor do Sindicato dos Bancários do Espírito Santo repercute na categoria bancária

Um dos pontos altos e mais emocionantes da 24ª Conferência Interestadual dos Bancários e das Bancárias, realizada pela Federação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Fetraf RJ/ES), foi quando Fabrício Coelho, Secretário de Cultura e Esportes do Sindicato dos Bancários do Espírito Santo, leu um um texto de sua autoria.

O texto teve tanta repercussão, que será levado para a Conferência Nacional, que será realizada nos dias 10 a 12 de junho, em São Paulo.

Em entrevista, Fabrício conta que escreveu o texto no dia 27 de maio de 2022, dois dias depois da morte de Genivaldo de Jesus Santos. Genivaldo foi morto por policiais, no município de Umbaúba (SE), ao ser colocado no porta-malas de um carro da PRF, com os vidros fechados. Os policiais jogaram gás lacrimogêneo e fecharam o compartimento. Segundo relatório do IML, ele morreu por asfixia mecânica e insuficiência respiratória.

Fabrício Coelho relata que o acontecimento foi forte e mexeu muito com ele, principalmente, por ter um filho autista, o Dedé, de 20 anos.

“Já vi muita coisa em meu bairro: com o povo pobre e com pessoas portadoras de transtornos. Já passei muitas coisas com o braço repressor do Estado, como militante e como pai de Deficiente Intelectual. Mas isso me causou uma dor profunda e diferente das anteriores. Estava numa tristeza profunda há 3 dias. Escrever me fez parecer estar gritando pro mundo.”, relatou o dirigente sindical que, em sua visão, o assassinato foi uma ´tortura através de câmara de gás´.

Fabrício disse que o objetivo inicial, ao escrever o texto, era atenuar uma tristeza, que já estava sentindo há 3 dias. Chorando todo dia.

“Tenho um filho autista, adulto, mas que dificilmente conseguirá ter a estabilidade de comportamento e autonomia de Genivaldo, tão cedo. Genivaldo sofria como todo trabalhador pobre, negro. Mas, também, seu transtorno mental (ainda que estabilizado por tratamento constante). Mesmo tendo uma reação passiva – talvez por nem saber reagir a tanta violência verbal numa abordagem -, Genivaldo pode ter agravado (contraditoriamente) a barbárie da PRF. Faltou humanidade”, disse ele.

Através do texto, Fabrício Coelho acha importante ter afetado outras pessoas, também: “o meu grito ter sido reconhecido como representante da dor de tantos nesse momento, é importante. Ainda mais numa categoria organizada, como a nossa, a bancária”.

O Diretor do SEEB Espírito Santo também citou o comportamento do Presidente da República: “A indignação do inominável, maior autoridade executiva hierárquica, de falar e não falar, ter feito antes (andar sem capacete com escolta da PRF algumas vezes), e não falar desfilando, de novo, com ministro sem capacete, tripudiando do ocorrido. As dúvidas de enquadramento de tipo de governo se acabaram pra mim. O que parecia só características, pra mim, passou a ser, literalmente, fascismo”

Fabrício também deixou um recado importante: “Não podemos naturalizar a desigualdade, a violência, a barbárie. Nós, bancários, sempre fomos protagonistas na luta e defesa de direitos. Somos todos Genivaldo. Somos irmãos trabalhadores.”

CONFIRA O TEXTO NA ÍNTEGRA

Capacetes, Carapuças
(Fabrício Coelho)

Um trabalhador negro precarizado, na sua moto de trabalho, com transtorno mental estável, em tratamento contínuo, com todas as dificuldades impostas por esse estado no mundo do trabalho, da saúde, da educação, da segurança… pai de 2 filhos, morador de uma casa de 4 cômodos no interior de Sergipe. Numa conjuntura onde é difícil colocar comida na mesa, e capacete novo na cabeça, numa cidade onde isso nem é prática. Pobreza extrema, ausência do estado. Em seu encontro com o “estado”, abordado pela PRF, condenado a tortura e morte, em poucos minutos, finalizado numa câmara de gás improvisado num porta malas, por não saber, não conseguir reagir a tanta violência verbal e física. Não saber reagir a tanto “estado”, em tão pouco tempo.
Quais seus crimes?
Ser negro
Ser pobre
Ser trabalhador
Ter uma deficiência, que mesmo não evidente e controlada no dia a dia, pode ter ficado aparente na abordagem violenta – mesmo ele não reagindo com violência, ou nem sabendo como falar ou até se mexer na situação.
*Culpado. Pré-culpado!* Condenado. *Condenado à morte*. EXECUTADO!

O presidente inominável, entrevistado sobre a barbárie de repercussão mundial, respondeu no sentido de “aguardar informes da sua PRF pra saber o que manifestar, pois via de regra boa coisa a pessoa não fez”. A PRF que em seu governo, não tem mais cursos sobre direitos humanos, ou abordagens humanizadas a populações incapazes / vulneráveis.

Pois ficou sabendo.
E 48h depois da barbárie, vídeos flagrantes, noticiários, se manifestou:
Desfilou de moto, com o seu ministro Ônix Lorenzoni *sem capacete*, os dois *rindo horrores*. O ministro do inominável, que admitiu desvio de 200mil e foi “desculpado” por seu também ministro parcial político juiz Moro.
Sem capacete, sem capacidade, sem consciência, sem humanidade, sem carapuça…
*Desculpado.* *Pré-desculpado*.
Capacetes, carapuças…

Tem muita polícia
Tem muita milícia
Tem muito preconceito
Tem muito manicômio.
Falta tanta coisa. Sobra tanta ausência e tanta violência.
Pro pobre, pro negro, pro deficiente, pro trabalhador.
E tão tirando os poucos que o povo tem.

Tantos Genivaldos.
Choro por Genivaldo por ser Genivaldo, pai de Genivaldo, irmão de Genivaldo, sobrinho de Genivaldo, Cunhado de Genivaldo, vizinho de Genivaldo, conhecido de Genivaldo, conterrâneo de Genivaldo…
Tenho Genivaldo em casa, cuido de Genivaldo, espero meu Genivaldo poder trabalhar um dia como Genivaldo podia trabalhar, vejo Genivaldo na rua, vejo Genivaldo na base…
A vida anda difícil. A humanidade desumanizando.

Faltam capacetes, sobram carapuças.

Não parece com fascismo.
É fascismo.

Fabrício Coelho.
Final de maio de 2022, meio de outono mais triste ainda, no Brasil.

*Fabrício faz parte da Comissão de Organização dos Empregados (COE) Bradesco, banco onde é funcionário há 31 anos. Também é diretor do Sindicato dos Bancários do Espírito Santo há 20 anos, e foi Diretor da Fetraf RJ/ES entre os anos de 2002 e 2006.