Deputado do PSOL diz que Congresso é conservador e impede igualdade de direitos
Pouco antes de sua palestra, em 10 de maio, último dia do seminário sobre Visibilidade LGBT no Mundo do Trabalho, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) concedeu esta entrevista ao Jornal Bancário. Nela, trata de vários assuntos ligados ao tema e denuncia o caráter conservador do Congresso Nacional que impede a aprovação de leis voltadas para a justiça social e a igualdade de direitos.
Como o senhor analisa o fato da homofobia persistir em pleno século XXI?
Acho que persiste, principalmente porque continua sendo reproduzida pelos diversos aparelhos ideológicos de Estado, entre eles a escola, as Igrejas, as religiões cristãs, a publicidade, os meios de comunicação de massa. A persistência da homofobia está ligada à ausência de enfrentamento a estes aparatos de reprodução conceitual e à falta de políticas públicas de educação eficazes, que transformassem as escolas em espaços de formação de humanistas, de cidadãos, as próximas gerações. Se isto fosse feito, a médio e longo prazos, a homofobia não desapareceria de todo, mas seria arrefecida, da mesma maneira que aconteceu com o racismo e o antissemitismo. E por que arrefeceu? Porque houve um enfrentamento sério destes espaços onde o imaginário racista é reproduzido.
Foi positivo para reduzir o racismo a criminalização deste comportamento. Como está o projeto de lei que criminaliza a homofobia?
Sabe o que acho que foi eficaz no enfrentamento e na diminuição da força do racismo nas relações sociais? Foi o casamento interracial, muito mais que a lei que equipara o racismo ao antissemitismo. Essa conquista teve um impacto profundo, além de assegurar o estado de direito, os direitos civis para todos, o princípio da igualdade. E isso aconteceu porque os filhos miscigenados, O Estado não pode fazer distinção. E esses filhos passaram a frequentar espaços que antes eram exclusivos dos brancos. A lei que criminaliza a homofobia pode até ser boa, mas eu não acho que seja a melhor forma de enfrentar a homofobia. A melhor forma é o casamento igualitário, é garantir o direito do casamento também a homossexuais. É isto o que vai produzir uma modificação na legislação infraconstitucional produzindo uma verdadeira transformação cultural. As pessoas não são obrigadas a gostar dos homossexuais, mas têm que compreender que eles não podem ser destituídos de direitos por serem diferentes.
Você apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional para garantir este direito.
Sim, em parceria com a deputada Érika Kokay (PT-DF). Para que a PEC seja protocolada precisa de 171 assinaturas, eu já consegui 110. Mas para fortalecer o debate na sociedade e provocar uma pressão de fora para dentro sobre o Congresso Nacional, que é bastante conservador, iniciamos uma campanha pelo casamento igualitário, que vem contando com o apoio da sociedade civil. A ela aderiram grandes nomes ligados às artes, ao teatro, à pintura, à música, ao cinema, à teledramaturgia. Numa segunda fase vão entrar políticos, lideranças religiosas, intelectuais e, numa terceira fase, vamos chamar os cidadãos comuns a se engajarem, com depoimentos, na campanha pela coleta de assinaturas e pela aprovação, que precisa de 308 votos em dois turnos.
Há muitas dificuldade na aprovação de projetos como esse?
Hoje a nossa briga é muito mais para garantir direitos da Constituição de 1988 do que para avançar. O Congresso Nacional é formado por uma maioria conservadora: a bancada evangélica, fundamentalista; a bancada católica; a bancada dos ruralistas; a bancada ligada aos banqueiros. Eles são maioria e impedem qualquer avanço no sentido de promover justiça social e igualdade de direitos. Há uma série de projetos para retroceder os direitos, no que diz respeito às terras dos povos indígenas e quilombolas; a redução das reservas florestais, através do Código Florestal; e a tentativa de criminalizar todas as formas de aborto, inclusive as decorrentes de estupro.
Qual a sua opinião sobre o projeto de decreto legislativo da bancada evangélica da Câmara dos Deputados que altera norma do Conselho Federal de Psicologia, permitindo que psicólogos tratem gays para que passem a ser heterossexuais?
É uma estupidez, reflexo de uma força política hoje muito bem articulada e com muito poder econômico que são as igrejas neopetencostais, na verdade, empresas neopetencostais. Elas não são tributadas, a Constituição garante a elas a isenção fiscal, que não é acompanhada de fiscalização por parte do Ministério da Fazenda. Elas não prestam contas à sociedade do dinheiro que arrecadam, o que abre brecha para que estas igrejas se transformem em pontos de lavagem de dinheiro. Tudo isto se converte numa máquina eleitoral. Eles elegeram uma quantidade muito grande de deputados. A ousadia de propor uma alteração no Código de Ética de um conselho é um abuso de um parlamentar que se acha com poderes pra contrariar um ponto pacífico na comunidade científica internacional, que é a certeza de que a homossexualidade não é uma doença, fazendo com que o Brasil altere acordos internacionais de direitos humanos.
Ainda é muito grande a violência contra homossexuais no Brasil?
É. Em 2011, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, foram assassinados 360 gays no Brasil. Uma das características deste crime de ódio é que a pessoa não se contenta em tirar a vida, arranca os órgãos, fura os olhos, corta e enfia o pênis na boca.
Apesar de toda esta situação, vemos cada vez mais a sociedade se manifestar em favor da liberdade homoafetiva, com a participação cada vez maior de famílias inteiras, inclusive de crianças, nas marchas do orgulho gay. Esta é uma mostra de que a visão em relação aos homossexuais mudou?
Esta presença pode ser pela maior compreensão da pluralidade, da diversidade entre os homens, mas também as pessoas vão pra ver o espetáculo. Mesmo assim as paradas são positivas porque dão visibilidade a algo que antes era escondido debaixo do tapete.
Você sofre discriminação por parte dos outros parlamentares no Congresso Nacional?
Não uma discriminação evidente, mas velada, que está presente na maneira como eles tratam o tema da homossexualidade, como se articulam para se contrapor a minhas proposições legislativas que dizem respeito a este assunto. Nunca houve discriminação direta, porque, se houver, eu vou reagir, botando a pessoa no lugar dela. Por isso é que não há. Se estas pessoas reproduzem o discurso de que a homossexualidade é uma desgraça para a vida de qualquer pessoa e você tem lá um homossexual que é orgulhoso de sua condição e é bem-sucedido ao ponto de estar no Congresso Nacional, as pessoas não aceitam. Mas há conservadorismo, não apenas na direita, mas também, na esquerda, principalmente no movimento sindical, que é profundamente machista, sexista e homofóbico.
Que avanços o movimento LGBT conquistou até aqui?
Todos os avanços no Legislativo são no sentido de construir uma pauta, de abrir na esfera pública, no Congresso Nacional, um espaço para discutir esse tema. Não houve conquista legislativa. De 1995, quando a (senadora) Marta Suplicy (PT-SP) propôs o projeto de parceria civil entre pessoa do mesmo sexo, a 2012, quando propus a PEC do casamento civil, de lá para cá não houve nenhuma conquista. Mesmos nos dois mandatos de Lula, governo popular, democrático, não houve qualquer avanço em termos de aprovação de lei. Mas temos avanços no Judiciário, no STF, que deu sentença favorável à união estável, em políticas públicas de governos estaduais e municipais.
Bancárias e bancários homossexuais enfrentam discriminação e muitas vezes têm que esconder que são homossexuais. Ás vezes chegando a ser demitidos quando, por exemplo, tentam colocar seu companheiro ou companheira no plano de saúde, como foi o caso da bancária Márcia Líbano, do Itaú.
Aconselho que as pessoas saiam do armário. Têm que enfrentar (o preconceito), por mais doloroso que seja. Porque, fazendo isso, ele recompõe a vida afetiva e passa a viver sem medo. Se articula com organizações que podem ajudá-lo, inclusive na defesa do direito dele, para ser reintegrado, ou ir para outro trabalho. A dica que eu dou é: saia do armário. Nenhum banco vai suportar uma série de processos por homofobia. Ele vai ter que reverter a sua política.
Como você analisa esta questão da bancária Márcia Líbano, demitida pelo Itaú por ser homossexual?
O caso da Márcia não é o único, mas é paradigmático e pode ser convertido numa grande bandeira pelo fim da discriminação nas relações trabalhistas. Os sindicatos têm que abrir a sua pauta para isto. Vai ter que entrar a política de acesso a empresa. O trabalhador precisa, também, de políticas que assegurem o direito dele de escolher a maneira de amar, de incluir no plano de saúde, o direito de juntar sua renda com a do seu companheiro ou companheira para financiamentos. Tudo isso compõe a dignidade da pessoa humana. Abrir a pauta também para a questão racial, da acessibilidade, da terceira idade.
Como a Convenção Coletiva dos Bancários poderia ajudar a acabar com a discriminação?
A Convenção poderia ter uma cláusula proibindo perseguição a bancários e bancárias homoafetivos, prevendo punições a superiores hierárquicos que se utilizem deste expediente, como foi o caso do gerente da Márcia. E, também, cobrar das entidades que representam os bancos uma parceria para produzir uma cultura de respeito à diversidade, seja através de cursos ou de campanhas internas. E que as entidades sindicais, como está fazendo o Sindicato dos Bancários e a CUT, tomem a iniciativa de abrir esta discussão com a categoria.
Você vai desistir de concorrer à Câmara dos Deputados na próxima eleição?
Ainda não sei. A função de político é desgastante, no meu caso mais ainda, porque sou o único a tocar esta temática no Congresso Nacional. Ao mesmo tempo eu sei do valor que tem a minha presença lá dentro para a comunidade LGBT
Fonte: Seeb-Rio