Finalmente consegui ver alguns números que confirmaram minha impressão visual da quebradeira que continua inundando as ruas da Europa, como as enchentes fatais no Rio de Janeiro.
A impressão que eu tinha, desde o fatal setembro de 2008, vem do fato de que todos os dias, ao sair de minha casa em Berlim, eu me perguntava e ainda me pergunto sobre o que eu vou encontrar fechado da noite para o dia. Ou anunciando que vai fechar, e queimando tudo para sobreviver às dívidas.
Vivo num bairro de Schöneberg, no setor classe média-média e alta. É um bairro de alguma boemia, tradicionalmente tem um consumo sofisticado, tanto em serviços e lojas como em gastronomia. Mas de setembro de 2008 o bairro vem mudando de aspecto. O tradicional restaurante canadense da vizinhança fechou, assim como a tradicional loja de vinhos em frente e a tradicional livraria da rua ao lado, e assim por diante.
Nem sempre isso traduz uma quebra, ou uma falência; às vezes é “só” um encolhimento, como no caso da livraria e da loja de vinhos: aquelas lojas fecharam, a cadeia, de médio porte, continua ainda de pé. Mas, de todo modo, empregos vão para o brejo, e a paisagem muda. Comércios mais agressivos, seja em que sentido for, entram no espaço vazio.
Na livraria instalou-se uma “currywurst” (traduzindo grosseiramente, uma salsicharia) de aspecto (falo do ambiente) duvidoso. No lugar do restaurante canadense instalou-se outro, mais “chique”, lugar onde, confesso, não tenho vontade de por os pés nem a boca: não é para o meu bico, se me entendem. O lugar da loja de vinhos continua vazio, uma cárie no meio da rua.
Mas isso é apenas a ponta do iceberg. Falei de lugares que eu gostava de frequentar. Mas há muitos e muitos outros, como a loja de móveis carésimos da esquina (que eu jamais compraria, mas enfim, acho que no comércio deve haver lugar para tudo e todos), onde tudo está pela metade e o anúncio de fechar em breve paira sobre os artigos à venda e sobre a rua, como um agouro.
Mas vamos aos tais de números.
Artigo do conservador Wall Street Journal (de 6 de abril, por Laura Stevens), referindo-se, sobretudo, ao setor industrial, diz que na Alemanha, em 2009, houve 33.600 falências decretadas. A maioria se deu no chamado “Mittelstand” – o setor de médias ou pequenas empresas, na maioria do molde de companhias limitadas ou até mesmo de tipo familiar, ainda que fornecedoras, por vezes, para grandes indústrias, como no caso da automotiva.
O levantamento, feito pela MittelstandMonitor e pela Creditreform, empresas de consultoria no setor, aponta uma previsão de mais de 40.000 insolvências em 2010, o que seria um recorde para o presente século (até aqui o maior número anual de falências foi o de 2003, com 39.470). Embora o foco esteja no setor industrial, os números são globais, abrangendo todos os setores. É claro que nele não está o número de estabelecimentos que fecham antes da falência, ou de empresas que, como no caso das saudosas livraria e loja de vinhos, simplesmente “encolheram”. O número total de empresas médias e pequenas na Alemanha sobe a três milhões, e é responsável pela grande maioria de empregos no país, inclusive no setor exportador.
Há uma grita generalizada, mas sem muito efeito até o momento, sobre o governo ter apoiado a grande indústria (como no caso da Opel) e aos grandes do setor financeiro, sem ter feito movimento semelhante em relação à pequena e média empresa. Segundo as reclamações, o dinheiro vai para o melhor lobby, não para os mais necessitados.
Em outros países a situação não é melhor. Na França o número de falências em 2009 chegou a 70 mil e preveem-se 78800 em 2010. Na Grã-Bretanha esperava-se que os números de 2009 passassem dos 30 mil e chegassem a 32.400 em 2010.
Enquanto isso, no Brasil, em 2009 o número de pedidos de falência em 2009 chegou a 2.731, com concessão de 908. Dessas, 831 eram microempresas, e 77 médias e grandes.
Quanto a empregos, os números também são dramáticos e as previsões continuam sombrias. O principal fabricante de trailers de grande porte para caminhões da Alemanha viu seus negócios caírem de 450 milhões de euros (1,17 bilhão de reais) em 2008, para 50 milhões de euros (130 milhões de reais) em 2009. Isso significou despedir 40% de seus trabalhadores. Assim mesmo, os 440 restantes têm trabalho, na verdade, para dois dias por mês, tamanha foi a queda no movimento.
A única compensação dentro desse quadro devastador é a de que a desvalorização do euro aumentou as exportações. Assim mesmo isso favorece as grandes economias, como as da Alemanha e a da França; na relativamente pequena Grécia, ou em Portugal e na Espanha, atreladas ao euro (leia-se ao câmbio, sobretudo, da Alemanha, país forte da região), isso não adianta muito.
Tudo isso quer dizer que a recuperação econômica por aqui vai demorar muito, ainda. E que a livraria, o restaurante canadense e a loja de vinhos da vizinhança, assim como os sonhos do Raimundo Correia, não voltarão mais para o meu pombal.