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A crise e a dívida pública

Frei Betto *


Desde de 2008, quando estourou a crise do capitalismo, os governos afetados fazem das tripas coração para salvar, não a população ameaçada de desemprego (já são 25 milhões de desempregados na Europa), e sim o sistema financeiro.


Democracia é, hoje, mera expressão retórica. O que temos, de fato, é uma moneycracia.


Segundo o FED (Banco Central estadunidense), o governo de Tio Sam repassou aos bancos privados, como boia de salvação, US$ 16 trilhões. Como a lista é longa, assinalo aqui a gordura do Papai Noel dos três principais beneficiados nos EUA: Citigroup, US$ 2,5 trilhões; Morgan Stanley, US$ 2,04 trilhões; Merrill Lynch, US$ 1,949 trilhão.


No Brasil, a crise começa a bater à porta. Onde a porca torce o rabo é na dívida pública. Em 2011, juros e amortizações da dívida consumiram 45,05 % do orçamento da União, ou seja, R$ 708 bilhões. Você imagina o quanto se poderia fazer com tamanho recurso? Daria para promover 28 Copas do Mundo! A Copa de 2014 está orçada em R$ 25 bilhões. Para se ter ideia desse dinossauro que sustentamos, no mesmo ano de 2011 a Saúde mereceu 4,07 % do orçamento e a Educação 2,99 % .


Se os dados acima impressionam, veja os atualizados: de janeiro a fevereiro deste ano a dívida pública subiu mais R$ 26 bilhões, atingindo R$ 1,95 trilhão! E a previsão é de que alcançará a cifra de R$ 2,24 trilhões até o fim do ano! Isso significa mais R$ 232 bilhões em relação ao montante da dívida em 2012. Os dados são do Plano Anual de Financiamento do Tesouro Nacional, divulgados em março.


Você, eu, todos nós pagamos a dívida pública ao receber salário e consumir. E pagamos ou padecemos ao NÃO RECEBER melhores serviços públicos: Saúde, Educação, Segurança, Transporte, Cultura etc.


O governo não divulga o montante dos juros nominais da dívida pública efetivamente pagos. Nem a CPI da Dívida, encerrada em 2010 na Câmara dos Deputados, quebrou o lacre desse segredo. Daí a importância de uma Auditoria Cidadã da dívida pública. Meta que deveria constar da pauta de partidos progressistas, sindicatos, movimentos sociais e ONGs voltadas à cidadania.


Os sinais de que a marolinha brasileira pode terminar em tsunami estão à vista: privatização das jazidas do pré-sal, de portos, aeroportos e hospitais universitários; menos recursos aos programas sociais; leilões de rodovias; inflação em alta etc.


O modelo desenvolvimentista está esgotado. O resultado dele é nefasto: 1 % de habitantes do planeta concentra, em mãos, riqueza equivalente à renda de 57 % da população mundial!


Mas quem de fato articula alternativas viáveis? Cadê a esquerda com os pés na base popular e a cabeça na formulação de estratégias a longo prazo?


“Naquele tempo nós fizemos História; agora vocês fazem política”, diz o personagem Rubashov no romance O zero e o infinito, de Arthur Koestler.



* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
www.freibetto.org   twitter: @freibetto





Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (
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Fonte: Frei Betto

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Recado das ruas

Frei Betto *



As manifestações de rua no Brasil fundem a cuca de analistas e cientistas políticos. Dirigentes partidários e lideranças políticas se perguntam perplexos: quem lidera, se não estamos lá?


Recordo quando deixei a prisão, em fins de 1973. Ao entrar, quatro anos antes, predominava o movimento estudantil na contestação à ditadura. Ao sair, encontrei um movimento social – Comunidades Eclesiais de Base, oposição sindical, grupos de mães, luta contra a carestia – que me surpreendeu. Do alto de meu vanguardismo elitista fiz a pergunta: como é possível se nós, os líderes, estávamos na cadeia?


Como essa mesma perplexidade Marx encarou a Comuna de Paris, em 1871; a esquerda francesa, o Maio de 1968; e a esquerda mundial, a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento da União Soviética, em 1989.


“A vida extrapola o conceito”, já dizia meu confrade Santo Tomás de Aquino, no século 13. Agora, aqui no Brasil, todas as lideranças políticas encaram confusas e despeitadas as recentes manifestações de rua. Com a mesma interrogação invejosa que a esquerda histórica do Brasil mirou o surgimento do PT em 1980: que história é essa de, agora, os proletários quererem ser a vanguarda do proletariado?


Historicamente eram os líderes da esquerda brasileira homens oriundos da classe média (Astrogildo Pereira, Mário Alves e João Amazonas), dos círculos militares (Prestes, Gregório Bezerra, Apolônio de Carvalho) e da intelectualidade (Gorender e Caio Prado Júnior). Marighella foi das raras lideranças provenientes das classes populares.


O recado das ruas é simples: nossos governos se descolaram da base social. Para usar uma categoria marxista, a sociedade política se divorciou da sociedade civil, risco que previ e analisei no livro “A mosca azul – reflexão sobre o poder” (Rocco, 2005).


A sociedade política – executivo, legislativo e judiciário – se convenceu de que representava de fato o povo brasileiro, e mantinha sob seu controle os movimentos de representação da sociedade civil, como ocorre, hoje, com a UNE e a CUT.


Nem só de pão vive o homem, alertou Jesus. Embora 10 anos de governo petista tenham melhorado as condições sociais e econômicas do Brasil, o povo não viu saciada sua fome de beleza – educação, cultura e participação política.


O governo petista optou por uma governabilidade assegurada pelo Congresso Nacional – onde ainda perduram os “300 picaretas” denunciados por Lula. Desprezou a governabilidade apoiada nos movimentos sociais, como fez Evo Morales, com êxito, na Bolívia.


Assim, nosso governo aos poucos perdeu os anéis para conservar os dedos. Acreditou que tudo permaneceria como dantes no quartel de Abrantes. Seja porque a oposição anda enfraquecida por suas próprias disputas internas, seja porque considera Eduardo Campos e Marina Silva meros balões de ensaio.


O que nem a Abin (olhos e ouvidos secretos do governo) previu foi o súbito tsunami popular invadindo as ruas do Brasil em pleno período da Copa das Confederações – quando se esperava que todos estivessem com a atenção concentrada nos jogos.


Agora o governo inventa o discurso de que sem partidos não há política nem democracia. Ora, basta uma aula de história de ensino médio para aprender que a democracia nasceu na Grécia muitos séculos antes da era cristã, e mais ainda do aparecimento de partidos políticos.


Hoje, a maioria dos partidos nega a democracia ao impedir um governo do povo com o povo. Não basta pretender governar para o povo e, assim, considerar-se democrata. O povo nas ruas exige novos mecanismos de participação democrática, enquanto manifesta sua descrença nos partidos. Estes são intimados a renovar seus métodos políticos ou serão atropelados pela sociedade civil.


Eis o recado das ruas: democracia participativa, não apenas delegativa, ou seja, governo do povo, com o povo e para o povo. Isso não é utopia, desde que não se considere modelo perpétuo o pluripartidarismo e se admita que o regime democrático pode e deve ganhar novos desenhos de participação popular nas esferas de poder.



* Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.






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Fonte: Frei Betto

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A plebe e a nobreza

Frei Betto *


Era uma vez um reino governado por um rei despótico. Sua majestade oprimia os súditos e mandava prender, torturar, assassinar quem lhe fizesse oposição. O reino de terror prolongou-se por 21 anos.


Os plebeus, inconformados, reagiram ao déspota. Provaram que ele estava nu, denunciaram suas atrocidades, ocuparam os caminhos e as praças do reino, até que o rei perdesse a coroa.


Vários ministros do rei deposto ocuparam sucessivamente o trono, sem que as condições econômicas dos súditos conhecessem melhoras. Decidiu-se inclusive mudar a moeda e batizar a nova com um título nobiliárquico: real.


Tal medida, se não trouxe benefícios expressivos à plebe, ao menos reduziu as turbulências que, com frequência, afetavam as finanças da corte.


Ainda insatisfeita, a plebe logrou conduzir ao trono um dos seus. Uma vez coroado, o rei plebeu tratou de combater a fome no reino, facilitar créditos aos súditos, desonerar produtos de primeira necessidade, ao mesmo tempo em que favorecia os negócios de duques, condes e barões, sem atender aos apelos dos servos que labutavam nas terras de extensos feudos e clamavam pelo direito de possuir a própria gleba.


O reino obteve, de fato, sucessivas melhoras com o rei plebeu. Este, porém, aos poucos deixou de dar ouvidos à vassalagem comum e cercou-se de nobres e senhores feudais, de quem escutava conselhos e beneficiava com recursos do tesouro real. Obras suntuosas foram erguidas, devastando matas, poluindo rios e, o mais grave, ameaçando a vida dos primitivos habitantes do reino.


Para assegurar-se no poder, a casa real fez um pacto com todas as estirpes de sangue azul, ainda que muitos tivessem os dedos multiplicados sobre o tesouro real.


Do lado de fora do castelo, os plebeus sentiam-se contemplados por melhorias de vida, viam a miséria se reduzir, tinham até acesso a créditos para adquirirem carruagens próprias.


Porém, uma insatisfação pairava no reino. Os vassalos eram conduzidos ao trabalho em carroças apertadas e pagavam caros reais pelo transporte precário. As escolas quase nada ensinavam além do beabá, e os cuidados com a saúde eram tão inacessíveis quanto as joias da coroa. Em caso de doença, os súditos padeciam, além das dores do mal que os afetava, o descaso da casa real e a inoperância de um SUStema que, com frequência, matava na fila o paciente em busca de cura.


Os plebeus se queixavam. Mas a casa real não dava ouvidos, exceto aos aplausos refletidos nas pesquisas realizadas pelos arautos do reino.


O castelo isolou-se do clamor dos súditos, sobretudo depois que o rei abdicou em favor da rainha. Infestado de crocodilos o fosso em torno, as pontes levadiças foram recolhidas e as audiências com os representantes da plebe canceladas ou, quando muito, concedidas por um afável ministro que quase nenhum poder tinha para mudar o rumo das coisas.


Em meados do ano, a corte promoveu, com grande alarde, os jogos reais. Vieram atletas de todos os recantos do mundo. Arenas magníficas foram construídas em tempo recorde, e o tesouro real fez a alegria e a fortuna de muitos que orçavam um e embolsavam cem.


Foi então que o caldo entornou. A plebe, inconformada com o alto preço dos ingressos e o aumento dos bilhetes de transporte em carroças, ocupou caminhos e praças. Pesou ainda a indignação frente a impunidade dos corruptos e a tentativa de calar os defensores dos direitos dos súditos contra os abusos dos nobres.


A vassalagem queria mais: educação da qualidade à que se oferecia aos filhos da nobreza; saúde assegurada a todos; controle do dragão inflacionário cuja bocarra voltara a vomitar chamas ameaçadoras, capazes de calcinar, em poucos minutos, os parcos reais de que dispunha a plebe.


Então a casa real acordou! Archotes foram acesos no castelo. A rainha, perplexa, buscou conselhos junto ao rei que abdicara. Os preços dos bilhetes de carroças foram logo reduzidos.


Agora, o reino, em meio à turbulência, lembra que o povo existe e detém um poder invencível. O castelo promete abrir o diálogo com representantes da plebe. Príncipes hostis à rainha ameaçam tomar-lhe o trono. Paira no horizonte o perigo de algum déspota se valer do descontentamento popular para, de novo, impor ao reino o regime de terror.


A esperança é que se abram os canais entre a plebe e o trono, o clamor popular encontre ouvidos no castelo, as demandas sejam prontamente atendidas.


Sobretudo, dê a casa real ouvidos à voz dos jovens reinóis que ainda não sabem como transformar sua indignação e revolta em propostas e projetos de uma verdadeira democracia, para que não haja o risco de retornarem ao castelo déspotas corruptos e demagogos, lacaios dos senhores feudais e de casas reais estrangeiras.



* Frei Betto é escritor, autor de “Aldeia do silêncio” (Rocco), entre outros livros.
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Todos sob controle

Frei Betto *


O novo herói da transparência democrática se chama Edward Snowden, tem 29 anos, e nasceu em Maryland, vizinho do Fort Meade, sede da poderosa NSA (sigla em inglês para designar a Agência de Segurança Nacional dos EUA). Ele nunca completou o ensino médio e foi dispensado do serviço militar, em 2003, devido a um ferimento. Como demonstrava grande talento para a informática, a CIA o recrutou.


Agora ele se encontra refugiado em Hong Kong por denunciar, com provas, que o governo dos EUA, através da NSA, controla a vida privada de milhões de cidadãos. Os jornais The Guardian, britânico, e Washington Post, estadunidense, publicaram os documentos sobre o projeto Prisma, vazados por Snowden em maio deste ano. Ele trabalhava para empresas contratadas pela NSA, como a Dell e, nos últimos meses, para a Booz Allen Hamilton.


Os documentos comprovam que a NSA tornou-se o verdadeiro Big Brother, descrito no célebre romance 1984, de George Orwell. Ela pode entrar em seu email, gravar todos os seus telefonemas, apropriar-se de todos os dados de seu cartão de crédito, como já vem monitorando a vida privada de quase 5 milhões de cidadãos. Segundo Snowden, basta conhecer o email de uma pessoa para se ter acesso a todo conteúdo do computador dela.


Com a invenção do Facebook já não é preciso recrutar espiões. Muitos usuários descrevem ali sua rotina diária, preferências e até intimidades amorosas. Mark Zuckerberg, seu inventor, admite que “utilizamos as informações (divulgadas pelos internautas) para prevenir atividades potencialmente ilegais.” Todo adepto do Facebook, ao clicar seu acordo às normas, aceita que todos os seus dados sejam “transferidos e estocados nos EUA”.


“Não quero viver num mundo em que tudo que faço e digo fica registrado”, justificou-se Snowden. Acrescentou que agiu assim porque “progressivamente tomei consciência de que os presidentes podem mentir para se manter no poder e ignorar suas promessas públicas sem consequências.”


O governo Obama não sabe onde enfiar a cara. Os documentos comprovam que a NSA burla inúmeras leis dos EUA, além de ser protegida por “leis secretas”, recurso que, ao arrepio dos princípios do Direito, é adotado pelas ditaduras. A esperança de Snowden é que a Justiça de seu país venha a contestar a vigilância eletrônica praticada em larga escala pela NSA.


Edward Snowden ingressa, agora, na seleta lista dos whistleblowers (acionadores de alertas). Um dos mais famosos deles é Daniel Ellsberg, funcionário do Departamento de Estado que, em 1971, vazou os papéis do Pentágono denunciando o verdadeiro caráter da guerra do Vietnam. Na época, ele trabalhava para a Rand Corporation, um instituto de pesquisa estreitamente vinculado aos serviços secretos estadunidenses.


Ellsberg fez vazar 43 volumes ultra confidenciais, com 7 mil páginas, provando que, de Eisenhower a Nixon, todos os presidentes mentiram sobre o envolvimento dos EUA no Vietnam. Isso fez mudar a opinião pública que, a partir de então, passou a exigir o fim da guerra, que terminou com a derrota de Tio Sam.


Nixon ficou tão furioso que, após ofender a progenitora do denunciante, mandou invadir o consultório do psiquiatra dele, em busca de informações que pudessem desacreditá-lo, e tentou colocar LSD em sua sopa. O processo se encerrou em 1973, quando a defesa de Ellsberg comprovou que houve escutas ilegais e “provas” fabricadas. Hoje, aos 82 anos, ele defende os jovens acionadores de alertas.


Outro é Bradley Manning, analista militar no Iraque que, aos 22 anos, repassou ao WikiLeaks de Julian Assange 700 mil documentos.


Como Snowden e Manning, funcionários subalternos, puderam ter acesso a documentos ultra secretos? A resposta, segundo analistas, é o pânico que tomou conta dos EUA após a queda das Torres Gêmeas, em 2001. A pressa em recrutar agentes para os serviços de espionagem impede uma seleção mais criteriosa.


“Uma de nossas obrigações é garantir que os EUA permaneçam seguros”, declarou a senadora democrata Dianne Feinstein após a denúncia de Snowden. Obama não foi menos enfático: “É preciso admitir que não se pode ter 100 % de segurança e, ao mesmo tempo, 100 % de privacidade e nenhum inconveniente.”


Eis a consagração do Estado Policial, capaz de controlar todos os seus cidadãos. O medo do terrorismo doméstico faz com que, hoje, 56 % dos estadunidenses apoiem a vigilância telefônica e eletrônica da população.


Temos, então, um arremedo de democracia. Uma democracia sem liberdade e privacidade. Comprovar que democracia e liberdade individual não são compatíveis é, sem dúvida, uma vitória de Osama Bin Laden.


 


* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
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Como evitar bandidos precoces

Frei Betto *


Já que o assunto é redução da maioridade penal, tenho uma sugestão que, com certeza, facilitará, e muito, a prevenção à criminalidade.


Supondo que reduzir de 18 para 16 anos é mero paliativo juridicês, tendo em vista que há assassinos com menos de 16 anos, deve-se encontrar uma solução para que, em breve, não haja nova campanha para criminalizar pivetes de 14, 12 ou 10 anos de idade. Sei inclusive de casos em que o criminoso tinha 6 e 5 anos. O que fazer?


Não sendo eu jurista, mas apenas opinista, meto a colher nesse caldeirão para sugerir que se instale uma delegacia de polícia em cada maternidade. Assim, como somos todos tratados como potenciais terroristas em aeroportos, o que obriga a nos submeter a controles eletrônicos e revistas pessoais (talvez o leitor nem desconfie que uma fivela de cinto ou um adorno de metal no sapato é capaz de derrubar um avião!), todo bebê passa a ser considerado, pela legislação vigente, um bandido em potencial.


Até os filhos de ricos?, pergunta minha tia Maroca. Até eles, tia. Não sabe a senhora que entre filhos de famílias abastadas há viciados em drogas que, fora de si, são capazes de hediondas atrocidades?


A senhora não lê jornais? (Não lê, bem sei, só se informa pela TV, que, em geral, omite crimes de gente rica). Não sabe que, infelizmente, os pobres são mantidos presos sem culpa formada e sentença decretada, enquanto os ricos criminosos contratam bons advogados que os mantêm em liberdade?


Até os bebês nascidos em berço esplêndido deveriam ser preventivamente fichados na delegacia maternal. Todo exame pré-natal seria remetido ao Instituto Médico Legal, onde se faria também, via gota de sangue, o exame genético.


Como todos sabemos, alguns fetos trazem de berço, ou melhor, de barriga, o gene da compulsividade assassina. Você, leitor, e eu, por exemplo, graças a Deus nascemos livres desse maldito gene. Nunca matamos ninguém além de baratas e aulas.


Aqueles, entretanto, que a perícia identificar dotados do referido gene (que, curiosamente, predomina entre bebês das classes desfavorecidas) seriam sumariamente abortados.


Calma, tia Maroca, calma! Nenhum problema com a Santa Madre Igreja. Ela não apregoa o pecado original, versão bíblica do gene maldito? Não defende que é preciso cortar o mal pela raiz?


Os bebês que, por acaso, lograrem nascer antes de emitido o laudo pericial, não seriam registrados em cartório, mas fichados na polícia. Não receberiam certidão de nascimento, e sim prontuário. Não iriam ao berçário, mas ao crechário, a creche do sistema penitenciário. Não teriam direito a carrinhos, e sim a gaiolas.


Tia Maroca, ao ter o privilégio de ser a primeira a conhecer minha magistral ideia, objetou se a criminalidade não seria decorrente da falta de educação, tanto na família quanto na escola, e das precárias condições sociais nas quais muitos nascem e são criados.


Nada disso, querida tia! A senhora se refere a pais desempregados ou submetidos a subempregos, que mal podem criar seus filhos? E a mão invisível do Mercado, cometeríamos o grave erro de amputá-la?


A tia argumenta que pais alcoólatras espancam suas crianças que, revoltadas, se tornam violentas. Ora, tia, como prejudicar a promissora indústria de bebidas alcoólicas, que tantos tributos pagam ao governo? Com esse moralismo inócuo?


Sim, sei que a senhora vive propalando que a maioria de nossas escolas não oferece educação de qualidade, a matricula é cara, não há aulas em tempo integral, os índices de reprovação e evasão escolares são altos.


O que espera a senhora? Que o governo gaste seu rico dinheirinho com educação? Cada família que se vire! O que seria de nossos nobres deputados, senadores, juízes, ministros, andando por aí mal vestidos, parados no ponto de ônibus à espera de condução ou espremidos no metrô, viajando por via terrestre em nossas estradas esburacadas, morando em cortiços e desprovidos de gabinetes bem equipados?


Seria uma vergonha para a nação! A falência do poder público! Imagina a cara de um político vendo a sua piscina vazia! Não combina com a beleza de uma mansão. Água em banheiro e cozinha de escola pública não faz tanta falta. É até educativa essa estiagem. Obriga a garotada a economizar água e limpar as partes pudendas com jornal velho.


Ora, não quero fugir ao tema nem aborrecer o leitor. Proponho, em resumo, que toda criança vadia seja recolhida por viaturas semelhantes às antigas carrocinhas de cachorro e tratada pelo método Lombroso. E para evitar arrastões, que haja nos restaurantes equipamentos de controle eletrônico iguais aos de aeroportos, o que impediria a entrada de armas ilegais. Os frequentadores, desde que portadores de armas legais, seriam admitidos.


(Só falta tia Maroca gritar em favor do desarmamento geral, prejudicando os robustos negócios da indústria e do comércio de armas).


Tenho dito. O feito fica por conta do poder público.



* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
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Fonte: Frei Betto

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Drogas, equívocos e soluções

Frei Betto *


O fenômeno das drogas atinge todos nós. Não há exceção. Ainda que você não tenha um dependente químico na família, o perigo reside no assalto. Nada pior do que ser assaltado por uma pessoa drogada. Qualquer gesto, por mais inocente, pode representar na cabeça dele uma reação que merece a morte.


Não é apenas nas ruas que a existência de grande número de viciados preocupa. Em todas as classes sociais há quem seja dependente de drogas. Não somente das proibidas, como cocaína e ópio, mas também das que se podem adquirir em farmácias (com receitas falsas) ou em hospitais (por desvio). Nos dois casos, uma grana extra faz do funcionário um corrupto, e a droga de tarja preta chega fácil às mãos do usuário.


Famílias de classes média e alta conhecem a tortura do que significa ter um parente dependente químico. Por sua vez, o poder público, incomodado com a paisagem urbana das cracolândias, advoga a internação compulsória. Medida, aliás, adotada por certas famílias com recursos para pagar internação em clínicas de (suposta) recuperação.


Restam as perguntas que não querem calar, mas que famílias e poder público insistem em abafar: o que induz uma pessoa a consumir drogas? Qual a solução para o problema?


Se amanhã hóstia de igreja, que é oferecida gratuitamente, virar grife, terá preço de mercado, como jeans esfarrapados vendidos hoje em lojas sofisticadas. Ocorre que só quem comunga por razões religiosas consome hóstias. Do mesmo modo, o narcotráfico – que deve ser combatido com todo rigor – só existe porque há um amplo e voraz mercado de consumo.


O que leva uma pessoa a consumir drogas é a carência de autoestima. Sentindo-se inferior, desamada, pressionada pelo estresse competitivo, ela encontra nas drogas o recurso para alterar seu estado de consciência. Assim, se sente bem melhor do que ao enfrentar, de cuca limpa, a realidade. Sobretudo com certas drogas, como a cocaína, que imprimem sensação de onipotência.


Todo drogado é um místico em potencial. Sabe que a felicidade é uma experiência da subjetividade. Nada fora do ser humano é capaz de trazer felicidade. Dê a um dependente químico barras de ouro para que abandone a droga e inicie vida nova. Ele logo tratará de vendê-las para comprar drogas.


A droga decorre de nossa escala de valores. Há nisso forte componente educativo. Se um jovem é educado priorizando como valores riqueza, sucesso, poder e beleza, tende a se tornar vulnerável às drogas. Elas funcionarão, periódica e provisoriamente, como cobertor ao frio de suas ambições frustradas.


Alerto meus amigos que têm filhos pequenos: deem a eles muita atenção e carinho, especialmente até que completem 12 anos. Internações podem ser úteis em situações de crise ou surto. Nunca como solução. Todo drogado grita em outra linguagem: “Eu quero ser amado!”


E o poder público, o que fazer diante desta epidemia química? Internação compulsória? Funciona provisoriamente como limpeza da paisagem urbana. Em um país como o nosso, em que o sistema de saúde é tão precário, difícil acreditar que existam clínicas de internação em número suficiente para atender todos os dependentes e que tenham suficiente pedagogia de recuperação.


A solução talvez não seja fácil para aqueles que já romperam vínculos familiares. Contudo, há, sim, solução preventiva se o poder público cumprir seu dever de assegurar a todas as crianças e jovens educação de qualidade. Um jovem que sonha ser um profissional competente jamais entrará nas drogas se tiver educação garantida, sobretudo centrada em valores altruístas, solidários, espirituais.


Morei cinco anos em favela. Aprendi que nenhum traficante deseja que seu filho siga os seus passos. O sonho é que o filho seja doutor. Portanto, no dia em que o poder público levar aos ninhos do tráfico mais escolas, música, teatro, academias de ginástica, bibliotecas, e menos batidas policiais e balas “perdidas”, teremos menos viciados e traficantes.


Portugal ensinou muito ao Brasil: o idioma, o prazer do queijo, a religiosidade cristã, a arte sacra, o gosto pela literatura etc. É hora de aprendermos também com Portugal como lidar com as drogas. Lisboa é a capital europeia com menor índice de homicídios.


 


* Frei Betto é escritor, autor do romance sobre drogas “O Vencedor” (Ática), entre outros livros.
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Fonte: Frei Betto

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O trabalhador como mercadoria

Miguel Pereira *


Um tema que deve ser debatido em breve no Congresso Nacional é a terceirização.


Desde o ano passado, o assunto ganhou espaço e foi objeto da primeira audiência pública do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Há vários mitos, verdades e interesses que precisam ser identificados e discutidos pelos deputados, pelos senadores e pela sociedade.


O que muitos costumam chamar de terceirização não passa, na maioria das vezes, de prática ilegal de intermediação de mão de obra.


O critério da atividade-fim ou atividade-meio de nada vale se estiverem presentes os elementos caracterizadores da relação formal de emprego: pessoalidade, subordinação, habitualidade e onerosidade.


Essa forma de contratação tem sido usada pelas empresas para reduzir custos com pessoal e aumentar a rentabilidade e o lucro.


Afirmações como “a terceirização é geradora de empregos”, “é através dela que se eleva a eficiência do trabalho”, “é um jeito moderno de gestão e organização da produção” e “é um processo irreversível e um avanço trabalhista” não passam de mitos forjados para tentar acobertar a precarização que não se sustentam à luz dos fatos.


Nos últimos anos, o Brasil voltou a crescer e gerou milhões de empregos com carteira assinada. Isso não foi resultado da flexibilização de direitos trabalhistas, como pregavam os neoliberais de plantão na década de 1990, mas de investimentos e de políticas públicas, do crescimento da economia e da valorização do trabalho, com formalização e aumentos reais de salários.


Entretanto, o Brasil é o segundo país com maior desigualdade do G20. Apenas a África do Sul fica atrás. Essa dura realidade não mudará com terceirização, “quarteirização” e “pejotização”, que têm produzido empresas sem qualquer trabalhador.


O aumento da produtividade das empresas é positivo, mas não pode ser fruto da submissão a novas divisão e organização do trabalho que só focam a lucratividade. Sobram para os trabalhadores baixos salários, menos direitos, rotatividade, quebra da identidade de classe e da solidariedade e enfraquecimento sindical -além de maiores níveis de adoecimento, insegurança e mortes.


A negligência por parte das contratadas no cumprimento dos contratos tem provocado uma série de prejuízos aos empregados, como o não pagamento dos direitos trabalhistas, previdenciários e, particularmente, rescisórios.


Não é à toa que milhares de ações judiciais questionam a legalidade do processo e cobram os direitos dos trabalhadores. Esses passivos são, na verdade, os reais interesses que estão por trás do chamado “risco jurídico” a que as empresas alegam estarem submetidas.


Na intermediação de mão de obra, o trabalhador é tratado como mercadoria, a exemplo da época da escravidão, já varrida há mais de um século. A superexploração do trabalho não combina com modernidade e com desenvolvimento econômico e social.


Cabe ao Congresso Nacional aprovar uma lei que realmente fortaleça as relações de emprego e os direitos dos trabalhadores. Uma legislação precarizante pode comprometer o futuro da nação. O Brasil precisa de trabalho decente, qualidade de produtos e serviços, distribuição de renda, inclusão social, segurança e proteção da vida dos trabalhadores e da população.


 


* Miguel Pereira é bancário, secretário de Organização da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e advogado.

Fonte: Miguel Pereira

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PL 4330 precariza emprego e ameaça direitos da classe trabalhadora

Carlos Cordeiro *


Sob o pretexto de regulamentar o trabalho terceirizado no Brasil, está na pauta da reunião desta terça-feira, dia 11, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC), o projeto de lei (PL) nº 4330/2004, do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), com o substitutivo do deputado Artur Maia (PMDB-BA), que, se aprovado, irá legalizar a precarização das relações de trabalho no Brasil.


Sem maiores alardes da mídia nacional, um dos setores que mais se utiliza de mão de obra terceirizada, a proposta avança no Congresso Nacional e coloca em risco todas as conquistas da classe trabalhadora em quase um século de lutas e mobilizações.


O primeiro grande prejuízo, já de saída, é que a proposta de lei estabelece a divisão dos trabalhadores entre aqueles contratados diretamente pelas empresas, chamadas de empresas contratantes, e “com mais direitos”, e aqueles terceiros, considerados pela lei, como trabalhadores de segunda classe, contratados pelas empresas chamadas de prestadoras de serviços, e “com menores direitos”, mesmo que atuem no mesmo espaço de trabalho e realizem o mesmo tipo de trabalho ou tarefa.


Mesmo sem uma lei que autorize esse tipo de contratação, e uma grande parte ser ilegal frente ao que está estabelecido na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), já temos hoje no Brasil mais de 10 milhões de trabalhadores nessa condição. São os chamados terceirizados ou prestadores de serviços. Representam 22 % do total de cerca de 45 milhões de trabalhadores no mercado formal de trabalho, considerados aqueles que têm carteira de trabalho assinada.


As empresas utilizam a terceirização da mão de obra e de serviços, principalmente com o objetivo de reduzir seus custos, substituindo trabalhadores contratados diretamente e por prazo indeterminado, com direitos assegurados na lei e nos acordos coletivos negociados com os sindicatos, por outros contratados geralmente de forma temporária e, sobretudo, com salários e benefícios menores e em condições de trabalho inferiores.


Precisamos de uma legislação que proteja os trabalhadores terceirizados, ampare e equipare seus direitos. Além de terem seus salários reduzidos, jornadas de trabalho mais extensas, os terceirizados ainda sofrem todo o tipo de discriminações no ambiente de trabalho. A maioria das empresas terceirizadas fecha as portas, sem cumprir com os direitos trabalhistas e rescisórios. Geralmente os trabalhadores terceirizados ficam com salários atrasados, sem pagamento ou gozo das férias, sem recebimento do 13º salário. Enfim, prejuízos de toda ordem. Pior, a terceirização vem matando trabalhadores. A cada 10 acidentes de trabalho fatais, oito acontecem com os terceirizados, obviamente por falta de investimentos das empresas em treinamento e qualificação profissional.


O risco que corremos é que a proposta do PL 4330 e seu substitutivo, que poderá ser votado nesta terça, além de não resolverem esses problemas, ampliam de forma ilimitada as possibilidades para que as empresas possam terceirizar toda sua produção, desde que apenas seja definida como empresa especializada. E quem definirá essa especialização será a própria empresa prestadora dos serviços. No médio prazo, corremos o risco de todos os trabalhadores serem substituídos por essa modalidade de trabalho eventual e temporário, na condição de prestadores de serviços. Não teremos mais bancários, professores, médicos, metalúrgicos, químicos, etc. Seremos um país de terceirizados.


Aliás, com a definição no PL de empresas especializadas para se terceirizar, os bancos ainda conseguiram assegurar única exceção a essa regra, que é a possibilidade de legalizar os correspondentes bancários, onde não têm bancários nem vigilantes, precarizando o atendimento e fragilizando a segurança.


No serviço público, onde a terceirização já é conhecida como fonte de corrupção, desvios do dinheiro público e piora na qualidade dos serviços prestados à população, o PL afronta a nossa Constituição Federal, configurando fraude ao concurso público, hoje possibilidade única de entrada no serviço público.


A classe trabalhadora não pode sofrer esse verdadeiro golpe, justamente no momento em que o Brasil começa a trilhar o caminho do crescimento econômico e iniciar um resgate histórico de sua imensa dívida social que o país ainda tem com sua classe trabalhadora.


Iniciamos há poucos anos uma melhor distribuição de renda, com o aumento real nos salários, particularmente do valor do salário mínimo e a geração de mais postos de trabalho. E é justamente isso que tem assegurado o crescimento da economia e a inclusão de milhões de brasileiros.


Queremos e precisamos, sim, de uma legislação que estabeleça os mesmos direitos aos trabalhadores terceirizados e que não haja nenhuma distinção de tratamento entre aqueles que são contratados diretamente e os que venham a prestar algum tipo de serviço à contratante. Além disso, a nova lei precisará assegurar o trabalho decente, o valor social do trabalho e a dignidade do trabalhador, como valor humano universal e inalienável.


Participe da mobilização nacional contra a aprovação do PL 4430.


Envie e-mail aos deputados que integram a CCJC da Câmara Federal.


Assine também o abaixo assinado eletrônico no site http://combateaprecarizacao.cut.org.br


Um país de primeira não pode reservar para o seu futuro e de seus filhos um tratamento de terceira.


 


* Carlos Cordeiro é bancário e presidente da Contraf-CUT


 

Fonte: Carlos Cordeiro

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Os perigos e ameaças do projeto de terceirização

Marcello Azevedo *


O projeto de lei 4330/2004, do deputado Sandro Mabel (PMDB-MG), que procurava regulamentar a terceirização no Brasil, foi trocado pelo substitutivo de autoria do Deputado Roberto Santiago (PSD-SP) e, posteriormente, pelo substitutivo do Deputado Arthur Maia (PMDB-BA). Se aprovado como está, traz prejuízos enormes à classe trabalhadora e na prática se transforma numa reforma trabalhista que escancara a terceirização e a precarização do trabalho no Brasil.


Veja abaixo as ameaças e os perigos do projeto de terceirização dos Deputados Sandro Mabel e Arthur Maia:



  1. Legislação – Se trata de um projeto de Lei e se for aprovada faz cair por terra o enunciado 331 do TST que coloca limites à terceirização.  No enunciado 331 está, por exemplo, a distinção entre área meio e área fim, o que impede em tese que a terceirização seja estendida a todos os setores das empresas. No substitutivo não existe esta diferenciação, o que na prática permitirá a terceirização de todas as funções.
  2. Fiscalização – O substitutivo não prevê nenhum poder de fiscalização do Ministério do Trabalho ou de qualquer outro órgão público ou sindical. A fiscalização deverá ser feita pela empresa contratante sobre a empresa contratada e sobre o cumprimento do contrato. O Ministério do Trabalho será notificado pela empresa contratante sobre o descumprimento da legislação trabalhista pela empresa contratada.
  3. Representação – A nossa proposta é que os terceirizados sejam representados pelo sindicato preponderante da categoria, mas no substitutivo do Dep. a representação sindical é do sindicato do ramo de atividade da empresa contratada.  
  4. Serviço público– O substitutivo inclui além da iniciativa privada as sociedades de economia mista, assim como suas fundações públicas e controladas, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No mesmo projeto também estão incluídos os órgãos de Administração Direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Na prática a lei pode estar acabando com o Concurso Público e permitindo a terceirização em toda a esfera pública.
  5. Garantias trabalhistas – A responsabilidade da empresa contratante continua sendo subsidiária, mas o capital social previsto para o cumprimento de obrigações trabalhistas em caso de falência não é o suficiente para a cobertura de qualquer passivo trabalhista e tem que ser integralizado pelos sócios da contratada até 30 dias antes do fim do contrato entre a contratante e a contratada. Por exemplo, uma empresa com mais de 5.000 trabalhadores tem que ter o capital de 1 milhão de reais, o que na prática não garante nada.   O fato é agravado ainda mais com a exigência de garantias por parte da empresa contatada de 4 % do valor do contrato e sendo limitada a 50 % do valor equivalente a um mês de faturamento do contrato em que será prestada a garantia.
  6. Sucessão de empresas na terceirização – O substitutivo permite a contratação do mesmo trabalhador por sucessivas empresas para continuar exercendo o mesmo trabalho no mesmo local e, pior ainda, coloca que é da responsabilidade da nova empresa contratada a concessão das férias pendentes da contratada anterior, ou seja, os trabalhadores e trabalhadoras terceirizadas com certeza serão pressionados a abrir mão desse direito para conseguir manter o seu emprego.
  7. Isonomia entre trabalhadores primarizados e terceirizados – Não existe nenhuma previsão de qualquer isonomia em qualquer aspecto, entre os terceirizados e os primarizados (contratados diretamente pela empresa contratante).   No substitutivo está claro que as condições de trabalho estão explicitas na convenção coletiva dos trabalhadores do ramo de atividade da empresa contratada, exclusivamente. 
  8. Pessoas físicas e jurídicas – O substitutivo coloca a possibilidade de que contratações de empresas podem ser feitas por pessoas físicas e jurídicas, ou seja, na prática pode estar retornando com força a ideia de que Pessoa Física vira Pessoa Jurídica. Ou seja, a famosa Emenda 3, onde os trabalhadores são obrigados a virar “empresas” para prestar serviços. É admitida, inclusive, a possibilidade de empresas sem trabalhadores.    

 


* Marcello Azevedo é bancário e secretário de Relações do Trabalho da CUT-RJ.

Fonte: Marcello Azevedo

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Balé de corpos

Frei Betto *



Na festa do Corpo de Cristo, deixarei meu corpo flutuar em alturas abissais. Acariciarei uma por uma de minhas rugas, cantarei hinos ao alvorecer da velhice, desvelarei histórias do futuro, apreenderei, na ponta dos dedos, meu perfil interior.


Não recorrerei ao bisturi das falsas impressões. Nem ao espectro da magreza anoréxica. O tempo prosseguirá massageando meus músculos até torná-los flácidos como as delicadezas do espírito.


Suspenderei todas as flexões, exceto as que aprendo na academia dos místicos. Beberei do próprio poço e abrirei o coração para o anjo da faxina atirar pela janela da compaixão iras, invejas e amarguras.


Pisarei sem sapatos o calor da terra viva. Bailarino ambiental, dançarei abraçado à Gaia ao som ardente de canções primevas. Dela receberei o pão, a ela darei a paz. E aguardarei suas manhãs como quem empina pipas ao som de cítaras.


Acesas as estrelas, contemplarei na penumbra do mistério esse corpo glorioso que nos funde, eu e Gaia, num único sacramento divino. Seu trigo brotará como alimento para todas as bocas, suas uvas farão correr rios inebriantes de saciedade, seu Espírito haverá de se impregnar em todas as ranhuras do humano.


Na mesa cósmica, ofertarei as primícias de meus sonhos. De mãos vazias, acolherei o corpo do Senhor no cálice de minhas carências. Dobrarei os joelhos ao mistério da vida e contemplarei o rosto divino na face daqueles que nunca souberam que cosmo e cosmético são gregas palavras gêmeas, e deitam raízes na mesma beleza.


Despirei os meus olhos de todos os preconceitos e rogarei pela fé acima de todos os preceitos. Como Ezequiel, contemplarei o campo dos mortos até ver a poeira consolidar-se em ossos, os ossos se juntarem em esqueletos, os esqueletos se recobrirem de carne e a carne inflar-se de vida no Espírito de Deus.


Proclamarei o silêncio como ato de profunda subversão. Desconectado do mundo, banirei da alma todos os ruídos que me inquietam e, vazio de mim mesmo, serei plenificado por Aquele que me envolve por dentro e por fora, por cima e por baixo.


Suspenderei da mente a profusão de imagens e represarei no olvido o turbilhão de ideias. Privarei de sentido as palavras. Absorvido pelo silêncio, apurarei os ouvidos para escutar a brisa de Elias e, os olhos, para admirar o que extasiou Simeão.


Não mais farei de meu corpo mero adereço estranho ao espírito. Serei uma só unidade, onda e partícula, verso e reverso, anima e animus. O pão, e não mais a cruz, será o símbolo de minha fé, pois ele é grávido de vida, sacramento de ressurreição.


Recolherei pelas esquinas todos os corpos indesejados para lavá-los no sangue de Cristo, antes que se soltem de seus casulos para alçar o voo das borboletas.


Curarei da cegueira os que se miram no olhar alheio e besuntarei de cremes bíblicos o rosto de todos que se julgam feios, até que neles transpareça o esplendor da semelhança divina.


Arrancarei do chão de ferro os pés congelados da dessolidariedade e farei vir vento forte aos que temem o peso das próprias asas. Ao alçarem o topo do mundo, verão que todos somos um só corpo e um só espírito.


Farei do meu corpo hóstia viva; do sangue, vinho de alegria. Ébrio de efusões e graças, enlaçarei num amplexo cósmico todos os corpos e, no salão dourado da Via Láctea, valsaremos até que a música sideral tenha esgotado a sinfonia escatológica.


Na concretude da fé cristã, anunciarei aos quatro ventos a certeza de ressurreição da carne e de todo o Universo redimido pelo corpo místico de Cristo. Então, quando a morte transvivenciar-nos, o que é terno tornar-se-á, nos limites da vida, eterno.



* Frei Betto é escritor, autor de “Aldeia do Silêncio” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto






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Fonte: Frei Betto