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Dona Europa e suas filhas

Frei Betto *



Dona Europa livrou-se, há séculos, da tutela do Senhor Feudal, ao qual esteve submetida ao longo de mil anos. Cabeça feita por Copérnico, Galileu e Descartes, casou-se com o Senhor Moderno Liberal e montou casa no bairro da Democracia.



Dona Europa puxou o tapete dos nobres, deu um chega pra lá no papa e elegeu governos constitucionais que trocaram a permuta pela moeda, evitaram fazer uso de mão de obra escrava, transformaram antigos camponeses em operários merecedores de salários.



Dona Europa passou a nutrir ambições desmedidas. Fitou com olho gordo o imenso mapa-múndi que enfeitava a sala de sua casa. Quantas riquezas naquelas terras habitadas por nativos ignorantes! Quantas áreas cultiváveis cobertas pela exuberância paradisíaca da natureza!



Dona Europa lançou ao mar sua frota em busca de ricas prendas situadas em terras alheias. Os navegantes invadiram territórios, saquearam aldeias, disseminaram epidemias, extraíram minerais preciosos, estenderam cercas onde tudo, até então, era de uso comum.



Dona Europa praticou, em outros povos, o que se negava a fazer na própria casa: impôs impérios, reinados e ditadores; inibiu o acesso à cultura letrada; implantou o trabalho escravo; proibiu a industrialização; internacionalizou normas econômicas que lhe eram favoráveis, em detrimento dos povos alhures.



Um dos povos de além-mar dominados por Dona Europa ousou rebelar-se em 1776, emancipou-se da tutela e se tornou mais poderoso do que ela – o Tio Sam.



O professor Maquiavel ensinou à Dona Europa que, quando não se pode vencer o inimigo, é melhor aliar-se a ele. Assim, ela associou-se a Tio Sam para exercer domínio sobre o mundo.



Dona Europa e Tio Sam acumularam tão espantosa riqueza, que cederam à ilusão de que seriam eternos o luxo e a ostentação em que viviam. Tudo em suas casas era maravilhoso. E suas moedas reluziam acima de todas as outras.



Ora, não há casa sem alicerce, árvore sem raiz, riqueza sem lastro. Para manter o estilo de vida a que se acostumaram, Dona Europa e Tio Sam gastavam mais do que podiam. E, de repente, constataram que se encontravam esmagados sob dívidas astronômicas. O que fazer?



A primeira medida foi a adotada em turbulência de viagem de avião: apertar os cintos. Não deles, óbvio. Mas de seus empregados: despediram alguns, reduziram, os salários de outros, deixaram de consumir produtos importados. Assim, a crise da dupla se alastrou mundo afora.



Dona Europa e Tio Sam não são burros. Sabem onde mora o dinheiro: nos bancos. Tio Sam, ao ver o rombo em sua economia, tratou de rodar a maquininha da Casa da Moeda e socorreu os bancos com pelo menos US$ 18 trilhões.



Dona Europa tem várias filhas. Segundo ela, algumas não souberam administrar bem suas fortunas. A formosa Grécia parece ter perdido a sabedoria. Gastou muito mais do que podia. Os mesmo aconteceu com a sedutora Itália, a encantadora Espanha e a inibida Irlanda.



Como o cofre da família é de uso comum, Dona Europa se cobriu de aflições. Puniu as filhas gastadoras e apelou à mais rica de todas, a severa Alemanha, para ajudá-la a socorrer as endividadas.



A Alemanha é manhosa. Disse que só socorre as irmãs se puder controlar os gastos delas. O que significa cortar as asinhas das moças – o que em política equivale a anular a soberania.



Soberana hoje, na casa de Dona Europa, só a pudica Alemanha. O resto da família é dependente e está de castigo. A mais cheirosa das filhas, a França, anda rebelde. Após aparecer de mãos dadas com a Alemanha, agora que arrumou namorado novo encara a irmã com desconfiança.



Nós, aqui do sul do mundo, que ainda não cortamos o cordão umbilical com Tio Sam e Dona Europa, corremos o risco de ficar gripados se Dona Europa continuar a espirrar tanto, alérgica ao espectro de um futuro tenebroso: a agonia e morte do deus Mercado, cujos fiéis devotos mergulharam em profunda crise de descrença.




* Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. Site: www.freibetto.org  /  Twitter:@freibetto.





Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquermeio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

Fonte: Por Frei Betto

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Paraguai, democracia falsificada

Frei Betto *

Você compraria uísque Blue Label ou bolsa Louis Vuitton contrabandeados do Paraguai? Com certeza desconfiaria da qualidade. Isso vale para a “nova democracia” imposta pelo golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo.

O país foi governado, durante 61 anos, pelo Partido Colorado, ao qual pertencia o general Stroessner, e também se filia o atual presidente golpista, Federico Franco. Após 35 anos sob a ditadura Stroessner, o povo paraguaio elegeu Lugo presidente, em abril de 2008. Eu estava em Assunção e o acompanhei às urnas. Havia esperança de que o país, resgatada a democracia, haveria de reduzir a desigualdade social.

O novo governo tornou-se vulnerável ao não cumprir importantes promessas de campanha, como a reforma agrária, e se distanciar dos movimentos sociais. Apenas 20 % dos proprietários rurais do país são donos de 80 % das terras. Há que incluir na cota os “brasilguaios”, grileiros brasileiros que expulsaram pequenos agricultores de suas terras para expandirem ali seus latifúndios.


 


Lugo errou ao aprovar a lei antiterrorista e a militarização do norte do Paraguai, detendo lideranças camponesas e criminalizando movimentos sociais. Não soube depurar o aparelho policial, herança maldita de Stroessner.

Em rito sumaríssimo, a 22 de junho o Congresso paraguaio destituiu Lugo, sem assegurar-lhe amplo direito de defesa. É o chamado “golpe constitucional”, adotado pelos EUA em Honduras e, agora, no Paraguai. Preocupa a Casa Branca o progressivo número de países latino-americanos governados por lideranças identificadas com os anseios populares e incômodas aos interesses da oligarquia.

Ao contrário de Zelaya, em Honduras, Lugo sequer pensou, ao ser derrubado, em convocar os movimentos sociais a apresentar resistência, embora contasse com a unânime solidariedade dos governos da UNASUL.

É o segundo sacerdote católico eleito presidente de um país no continente americano. O primeiro foi Jean-Bertrand Aristide, que governou o Haiti em 1991, de 1994 a 1996, e de 2000 a 2004. Os dois decepcionaram suas bases de apoio. Não souberam levar à prática o discurso da “opção pelos pobres”. Receosos diante das elites, a quem fizeram importantes concessões, não confiaram nas organizações populares.

Os bispos paraguaios apoiaram a destituição de Lugo. E o Vaticano os respaldou. Isso não surpreende quem conhece a história da Igreja Católica no Paraguai e sua cumplicidade à ditadura Stroessner, enquanto camponeses eram massacrados e opositores políticos torturados, exilados e assassinados.

A lógica institucional da Igreja Católica julga positivo um governo que a favoreça, e não que favoreça o povo. Exatamente o contrário do que ensina o Evangelho, para o qual o direito dos pobres é o critério prioritário na avaliação de qualquer exercício de poder.

A derrubada de Zelaya e Lugo demonstra que a política intervencionista dos EUA prossegue. Agora em nova modalidade: valer-se de artimanhas legais para promover ritos sumários. Já que a última tentativa de golpe, em 2002, ao presidente Chávez, da Venezuela, não deu resultado. Ao contrário, toda a América Latina reagiu em defesa da legalidade e da democracia.

Uma importante lição fica para os governos progressistas de Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai, Bolívia, Equador, Nicarágua, e vacilantes como El Salvador e Peru. Eleição não é revolução. Muda dirigentes mas não a natureza do poder e o caráter do Estado. Nem revoga a luta de classes. Portanto, há que assegurar a governabilidade no bojo desse paradoxo. Como fazê-lo?

Há dois caminhos: através de alianças e concessões às forças oligárquicas ou mediante mobilização dos movimentos sociais e implantação de políticas que se traduzam em mudanças estruturais.

A primeira opção é mais sedutora para quem se elegeu, porém mais fácil de ficar vulnerável à “mosca azul” e acabar cooptado pelas mesmas forças políticas e econômicas outrora identificadas como inimigas. A segunda via é mais estreita e árdua, mas apresenta a vantagem de democratizar o poder e tornar os movimentos sociais sujeitos políticos.

A primavera democrática em que vive a América Latina pode, em breve, se transformar em longo inverno, caso os governos progressistas e suas instituições como UNASUL, MERCOSUL e ALBA não se convençam de que fora do povo mobilizado e organizado não há salvação.

* Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul – reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org <http://www.freibetto.org> Twitter:@freibetto.

Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

Fonte: Frei Betto

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Trabalho doméstico no Brasil: quase oito milhões na invisibilidade

O tempo passa, a sociedade hoje está globalizada, interligada, os meios de comunicação, de ação social e sindical são outros, são muito mais eficientes que há 20 anos. Contudo, não caminhamos e nem avançamos tanto assim. Ainda existe escravidão no Brasil, mais de 20 mil trabalhadores, dentre eles, muitos homens, mulheres e até crianças submetidas à condição análoga a de escravos. Uma vergonha, uma chaga que precisamos por fim.  A grande maioria em áreas rurais, mas existem vários casos de trabalho escravo urbano. É nosso dever libertar esses trabalhadores do horror e do sofrimento.

A nossa história está impregnada, permeada e cheia de ranço da escravidão. O trabalho doméstico é outro que traz essa reflexão. Ele é executado por cerca de oito milhões de trabalhadores, destes, 95 % são mulheres, a maioria negras. E ainda temos mais de 300 mil crianças, na sua maioria meninas, executando a tarefa de trabalhadoras domésticas. Meninas em busca de uma vida melhor, mas tiveram a infância roubada, muitas trabalhando em troca de casa e comida. Estão fora da escola, excluídas da sociedade e são tratadas como mercadoria.

Apenas 20 % das trabalhadoras domésticas têm carteira assinada. As demais não tem esse direito mínimo garantido. Trabalham de forma precária, muitas são assediadas moralmente e sexualmente, vivem em completa invisibilidade social. O trabalho doméstico está muito longe do trabalho decente, de garantir a dignidade humana às pessoas que o executam. Trabalho desvalorizado, baixa remuneração, é como se as trabalhadoras vivessem, muitas delas, em regime de servidão.


 


Se o trabalho doméstico é fundamental para o funcionamento e fortalecimento da economia, deveria ser reconhecido como profissão e ter todos os direitos garantidos. Não podemos falar do empoderamento das mulheres, quando tantas outras mulheres são invisibilizadas, discriminalizadas e exploradas pela sociedade patriarcal, machista e capitalista.

Ratificar a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho é garantir à igualdade de direitos e proteção às trabalhadoras domésticas no Brasil. É necessário que pelo menos dois países ratifiquem a Convenção para que ela entre em vigor.

Clamamos tanto por uma sociedade mais justa, igualitária e desenvolvida, porém, parece que estamos cegos, ou não queremos enxergar o óbvio: o desenvolvimento não se dá através da exploração de pessoas, principalmente quando a maioria delas são mulheres, negras, com pouco estudo. Esta reflexão deve ser feita por todo o movimento sindical, mas também por toda a classe trabalhadora do país que deve ser solidária e agir, buscando mecanismos de pressão junto ao poder público para garantir a ratificação da Convenção 189 da OIT.

O desenvolvimento se constrói com trabalho doméstico digno, com o fim da invisibilidade e o reconhecimento total de direitos. Não podemos mais tolerar desigualdade.




*Virgínia Berriel é secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-RJ


 

Fonte: Por Virgínia Berriel

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Desafios sociais e ambientais

 


Frei Betto *

Documento divulgado em dezembro de 2011 pelo Projeto Milênio, que monitora os Objetivos do Milênio, estabelecidos pela ONU, constata que, na última década, o mortalidade infantil teve redução mundial de 30 % . Aumentou a escolaridade no ensino médio e diminuíram os conflitos armados.

Os principais problemas globais na atual década são as mudanças climáticas, a corrupção, o terrorismo e o narcotráfico. Em 2010, 90 % dos desastres naturais foram causados por mudanças climáticas. Ceifaram a vida de 295 mil pessoas e deram um prejuízo US$ 130 bilhões!

Em junho, o Brasil abrigará, no Rio, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Paralelo ao evento oficial, haverá a Cúpula dos Povos, que congrega os movimentos sociais e ambientalistas. A disputa será entre a “economia verde”, defendida pelos arautos do neoliberalismo, e a “economia solidária”, proposta por aqueles que acreditam que não haverá preservação ambiental sem superação do atual modelo de desenvolvimento predatório baseado da acumulação privada da riqueza.
Constata a ONU que, embora tenha havido melhoria nos itens saúde e educação, comparados às décadas anteriores, ainda hoje cerca de 900 milhões de pessoas carecem de acesso à água potável, e 2,6 bilhões não dispõem de saneamento básico (no Brasil, 34,5 milhões de pessoas vivem sem este direito elementar, segundo o IPEA).

A desigualdade entre ricos e pobres se aprofunda, informa o documento. Mais de 900 milhões de pessoas (13 % da população global) sobrevivem em extrema pobreza, e apenas 17 milhões terão saído desse estado de penúria em 2015 (cf. Banco Mundial, “Estado do Futuro 2011”).

O Projeto Milênio alerta para a importância de se promover o desarmamento, reduzir o consumo de energia proveniente de combustíveis fósseis, e combater a corrupção e o narcotráfico. A ONU calcula que o crime organizado movimenta anualmente mais de US$ 3 trilhões, o dobro do orçamento militar do mundo. E cálculos do Banco Mundial indicam que os subornos absorvem US$ 1 trilhão por ano.

Para o Projeto Milênio, os governos devem implementar medidas educacionais e de transparência para conter a corrupção. Famílias e escolas precisam incutir nos mais jovens o horror à falta de ética e a autoestima baseada no caráter. Empresas já começam a premiar com salários extras funcionários que, no sistema de Disque-denúncia, apontam a corrupção de colegas. E é preciso aumentar o controle da sociedade sobre a administração pública, como é o exemplo da Ficha Limpa no Brasil.

Para se ajustar aos Objetivos do Milênio, nosso país clama por reformas: política, judiciária, agrária e tantas outras que corrijam os desmandos que ainda imperam, resquícios de uma mentalidade colonialista que considerava cidadãos apenas aqueles que possuíam propriedades.




* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de “O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir). www.freibetto.org <http://www.freibetto.org>  Twitter:@freibetto.


 

Fonte: Por Frei Betto

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A face nazista da ditadura brasileira

Frei Betto*


 


 


A notícia é estarrecedora: militantes políticos envolvidos no combate à ditadura militar tiveram seus corpos incinerados no forno de uma usina de cana de açúcar em Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro, entre 1970 e 1980.


 


O regime militar, que governou o Brasil entre 1964 e 1985, merece, agora, ser comparado ao nazismo.


 


A revelação é do ex-delegado do DOPS (polícia política) do Espírito Santo, Cláudio Guerra, hoje com 71 anos.


 


Segundo seu depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, no livro “Memórias de uma guerra suja” (Topbooks), no forno da usina Cambahyba – de priedade de Heli Ribeiro Gomes, ex-vice-governador do Rio de Janeiro entre 1967 e 1971, já falecido –, foram incinerados Davi Capistrano, o casal Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva, João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, João Massena Melo, José Roman, Luiz Ignácio Maranhão Filho, Eduardo Collier Filho e Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira.


 


Os militantes teriam sido retirados de órgãos de repressão de São Paulo – DEOPS e DOI-CODI – e do centro clandestino de tortura e assassinato conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis.


 


Cláudio Guerra acrescenta às suas denúncias que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, um dos mais notórios torturadores de São Paulo, teria participado, em 1981, do atentado no Riocentro, na capital carioca, na véspera do feriado de 1º. de Maio.


 


Se a bomba levada pelos oficiais do Exército não tivesse estourado no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, ceifando-lhe a vida, centenas de pessoas que assistiam a um show de música popular teriam sido mortas ou feridas.


 


O objetivo da repressão era culpar os “terroristas” pelo hediondo crime e, assim, justificar a ação perversa da ditadura.


 


Guerra aponta ainda os agentes que teriam participado, em 1979, da Chacina da Lapa, na capital paulista, quando três dirigentes do PCdoB foram executados. Acrescenta que a “comunidade de informação”, como eram conhecidos os serviços secretos da ditadura, espalhou panfletos da candidatura Lula à Presidência da República no local em que ficou retido o empresário Abílio Diniz, vítima de um sequestro em 1989, em São Paulo, de modo a tentar envolver o PT.


 


Uma das revelações mais bombásticas de Cláudio Guerra é sobre o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o mais impiedoso torturador e assassino da regime militar, morto em 1979 por afogamento. Tido até agora como um acidente, segundo o ex-delegado, teria sido “queima de arquivo”, crime praticado pelo CENIMAR, o serviço secreto da Marinha.


 


Guerra assume ter assassinado o militante Nestor Veras, em 1975, alegando que apenas deu “o tiro de misericórdia” porque ele havia sido “muito torturado e estava moribundo”.


 


Das notícias da repressão há sempre que desconfiar. Guerra fala a verdade ou mente? Tudo indica que o ex-delegado, agora travestido de pastor adventista, não se limitou, na prática de crimes, à repressão política. Em 1982, a Justiça o condenou a 42 anos de prisão pela morte de um bicheiro, dos quais cumpriu 10 anos. Em seguida mereceu 18 anos de condenação por assassinar sua mulher, Rosa Maria Cleto, com 19 tiros, e a cunhada, no lixão de Cariacica, em 1980.


 


Ele alega inocência nos três casos, embora admita que matou o tenente Odilon Carlos de Souza, a quem acusa de ter liquidado sua mulher Rosa.


 


Espera-se que a presidente Dilma anuncie, o quanto antes, os nomes dos sete integrantes da Comissão da Verdade, que deverá apurar crimes e criminosos da ditadura. E investigar as denúncias do policial capixaba. Infelizmente a comissão ainda não será da Verdade e da Justiça.


 


O Brasil é o único país da América Latina que se recusa a punir aqueles que cometeram crimes em nome do Estado, entre 1964 e 1985. O pretexto é a esdrúxula Lei da Anistia, consagrada pelo STF, que pretende tornar inimputáveis algozes do regime militar.


 


Ora, como anistiar quem nunca foi julgado e punido? Nós, as vítimas, sofremos prisões, torturas, exílios, banimentos, assassinatos e desaparecimentos. E os que provocaram tudo isso merecem o prêmio de uma lei injusta e permanecer imunes e impunes como se nada houvessem feito?


 


O nazismo foi derrotado há quase 70 anos, e ainda hoje novas revelações vêm à tona. Enganam-se os que julgam que a Lei da Anistia, o silêncio das Forças Armadas e a leniência dos três poderes da República haverão de transformar a anistia em amnésia. Como afirmou Walter Benjamin, a memória das vítimas jamais se apaga.


 


 








* Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira”(Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org <http://www.freibetto.org> Twitter:@freibetto.

Fonte: Frei Betto

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A terceira crise do capitalismo

 


Frei Betto *

A atual crise econômica do capitalismo manifestou seus primeiros sinais nos EUA em 2007 e já faz despontar no Brasil sinais de incertezas. 

O sistema é um gato de sete fôlegos. No século passado, enfrentou duas grandes crises. A primeira, no início do século XX, nos primórdios do imperialismo, ao passar do laissez-faire (liberalismo econômico) à concentração do capital por parte dos monopólios. A guerra econômica por conquista de mercados ensejou a bélica: a Primeira Guerra Mundial. Resultou numa “saída” à esquerda: a Revolução Russa de 1917. 


 


Em 1929, nova crise, a Grande Depressão. Da noite para o dia milhares de pessoas perderam seus empregos, a Bolsa de Nova York quebrou, a recessão se estendeu por longo período, com reflexos em todo o mundo. Desta vez a “saída” veio pela direita: o nazismo. E, em consequência, a Segunda Guerra Mundial. 


 


E agora, José?


 


Essa terceira crise difere das anteriores. E surpreende em alguns aspectos: os países que antes compunham a periferia do sistema (Brasil, China, Índia, Indonésia), por enquanto estão melhor que os metropolitanos. Neste ano, o crescimento dos países latino-americanos deve superar o dos EUA e da Europa. Deste lado do mundo são melhores as condições para o crescimento da economia: salários em elevação, desemprego em queda, crédito farto e redução das taxas de juros. 


 


Nos países ricos se acentuam o déficit fiscal, o desemprego (24,3 milhões de desempregados na União Europeia), o endividamento dos Estados. E, na Europa, parece que a história – para quem já viu este filme na América Latina – está sendo rebobinada: o FMI passa a administrar as finanças dos países, intervém na Grécia e na Itália e, em breve, em Portugal, e a Alemanha consegue, como credora, o que Hitler tentou pelas armas – impor aos países da zona do euro as regras do jogo.


 


Até agora não há saída para esta terceira crise. Todas as medidas tomadas pelos EUA são paliativas e a Europa não vê luz no fim do túnel. E tudo pode se agravar com a já anunciada desaceleração do crescimento de China e consequente redução de suas importações. Para a economia brasileira será drástico.


 


O comércio mundial já despencou 20 % . Há progressiva desindustrialização da economia, que já afeta o Brasil. O que sustenta, por enquanto, o lucro das empresas é que elas operam, hoje, tanto na produção quanto na especulação. E, via bancos, promovem a financeirização do consumo. Haja crédito! Até que a bolha estoure e a inadimplência se propague como peste.


 


A “saída” dessa terceira crise será pela esquerda ou pela direita? Temo que a humanidade esteja sob dois graves riscos. O primeiro, já é óbvio: as mudanças climáticas. Produzidas inclusive pela perda do valor de uso dos alimentos, agora sujeitos ao valor de compra estabelecido pelo mercado financeiro.


 


Há uma crescente reprimarização das economias dos chamados emergentes. Países, como o Brasil, regridem no tempo e voltam a depender das exportações de commodities (produtos agrícolas, petróleo e minério de ferro, cujos preços são determinados pelas transnacionais e pelo mercado financeiro). 


 


Neste esquema global, diante do poder das gigantescas corporações transnacionais, que controlam das sementes transgênicas aos venenos agrícolas, o latifúndio brasileiro passa a ser o elo mais fraco.


 


O segundo risco é a guerra nuclear. As duas crises anteriores tiveram nas grandes guerras suas válvulas de escape. Diante do desemprego massivo, nada como a indústria bélica para empregar trabalhadores desocupados. Hoje, milhares de artefatos nucleares estão estocados mundo afora. E há inclusive minibombas nucleares, com precisão para destruições localizadas, como em Hiroshima e Nagasaki.


 


É hora de rejeitar a antecipação do apocalipse e reagir. Buscar uma saída ao sistema capitalista, intrinsecamente perverso, a ponto de destinar trilhões para salvar o mercado financeiro e dar as costas aos bilhões de serem humanos que padecem entre a pobreza e a miséria. 


 


Resta, pois, organizar a esperança e criar, a partir de ampla mobilização, alternativas viáveis que conduzam a humanidade, como se reza na celebração eucarística, “a repartir os bens da Terra e os frutos do trabalho humano”.
 
 


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* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros.
 

Fonte: Frei Betto

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Casa da sogra

 
Frei Betto *


 


Sábado, 28 de abril, comemora-se, no Brasil, o Dia da Sogra. O calendário de efemérides está repleto de dias consagrados a quase todos os galhos da árvore genealógica. Predomina, por razões óbvias, o Dia das Mães. Mãe todos temos, com certeza.

O Dia da Sogra deve ter sido incluído por proposta de algum político corrupto que, tendo escutado ofensas óbvias à sua progenitora, decidiu homenagear a mãe de sua mulher. Ou de suas mulheres, embora o calendário singularize (sogra) o que pluraliza na efeméride de maio (mães).

Sogras padecem no anedotário. “Feliz foi Adão que não teve sogra nem caminhão”, li no para-choque de uma jamanta na Via Dutra. Cinco coisas que ninguém jamais viu: cabeça de bacalhau; mendigo careca; ex-corrupto; santo de óculos; e retrato de sogra na sala.

Faz-se de um lugar ou ambiente “casa da sogra” quando alguém se julga no direito de abusar da hospitalidade de parentes ou amigos. Na casa da sogra tudo é permitido, até a má educação e a falta de higiene.

A cascata de escândalos do caso Carlinhos Cachoeira, com perdão da redundância, projeta o Brasil como a própria casa da sogra. Muitos políticos – há exceções, felizmente – adotam três discursos: o eleitoral, da captação de votos; o partidário, das articulações de bastidores; e o salafrário, para amealhar dinheiro e poder.

Inúmeros empresários e comerciantes se queixam de que, no Brasil, não se vence licitações nem se obtém recurso público sem “molhar” a mão de políticos e funcionários do governo. A prática já está incorporada às negociações entre empresas privadas ou pessoas e agentes públicos. Amigo meu, ao ver sua moto recuperada pela polícia, se espantou com a lisura do investigador, que não lhe pediu nem um centavo.

Raros os políticos brasileiros que vieram de berço esplêndido. E todos sabem quão cara é uma campanha eleitoral. Essa vulnerabilidade é a porta de entrada dos corruptores, em geral travestidos de lobistas. Aproximam-se do político e se tornam facilitadores de suas vontades e necessidades: empregos aos parentes; viagens em jatinhos; férias em locais paradisíacos; presentes caros etc.

Na primeira fase, o corruptor nada pede, apenas oferece. Demonstra um desprendimento e dedicação ao político de fazer inveja a madre Teresa de Calcutá. Essa aproximação, que socialmente faz o político passar da classe econômica à executiva, introduzido aos prazeres privativos do mundo dos ricos, cria vínculos de amizade.

A segunda fase se inicia quando o político se sente na obrigação de ser grato ao amigo. Em que posso ajudá-lo? Ora, o amigo tem seus amigos: as empresas que o abastecem de recursos para abrir caminhos na intrincada burocracia da floresta governamental. Começam então as facilitações obtidas pelo político: licitações fajutas; informações privilegiadas; nomeações convenientes; tráfico de influência etc.

A terceira fase da transformação do exercício de um mandato popular em casa da sogra é o caixa de campanha. O político não pode perder eleição. E para ganhá-la precisa de visibilidade (poucos a alcançam) e dinheiro (imprescindível). Criam-se o caixa um, legal, declarado à Justiça Eleitoral, e o caixa dois, por baixo dos panos, abastecido pelo amigo lobista e outras vias escusas.

É possível acabar com a corrupção? No coração humano, anabolizado por ambições desmedidas, jamais. Há, contudo, antídotos objetivos: financiamento público das campanhas eleitorais; controle da administração pública pela sociedade civil; ficha limpa também quanto ao patrimônio familiar acumulado; apurações rápidas e punições rigorosas aos corruptos.

Isso depende de reforma política, que o governo e o Congresso tanto protelam. Enquanto perdurar o atual sistema político, contaminado por 21 anos de ditadura militar, como a isonomia de representações estaduais no Senado, os ratos da corrupção haverão de trafegar à vontade pelos buracos do queijo suíço das maracutaias.

O Brasil deixará de ser a casa da sogra quando nossa indignação se converter em mobilização e proposta.


 


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* Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org <http://www.freibetto.org> Twitter:@freibetto.



 

Fonte: Frei Betto

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Vende-se a natureza

 


Frei Betto*

Às vésperas da Rio+20 é imprescindível denunciar a nova ofensiva do capitalismo neoliberal: a mercantilização da natureza. Já existe o mercado de carbono, estabelecido pelo Protocolo de Kyoto (1997). Ele determina que países desenvolvidos, principais poluidores, reduzam as emissões de gases de efeito estufa em 5,2 % .

Reduzir o volume de veneno vomitado por aqueles países na atmosfera implica subtrair lucros. Assim, inventou-se o crédito de carbono. Uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivale a um crédito de carbono. O país rico ou suas empresas, ao ultrapassar o limite de poluição permitida, compra o crédito do país pobre ou de suas empresas que ainda não atingiram seus respectivos limites de emissão de CO2 e, assim, fica autorizado a emitir gases de efeito estufa. O valor dessa permissão deve ser inferior à multa que o país ricos pagaria, caso ultrapassasse seu limite de emissão de CO2.

Surge agora nova proposta: a venda de serviços ambientais. Leia-se: apropriação e mercantilização das florestas tropicais, florestas plantadas (semeadas pelo ser humano) e ecossistemas. Devido à crise financeira que afeta os países desenvolvidos, o capital busca novas fontes de lucro. Ao capital industrial (produção) e ao capital financeiro (especulação), soma-se agora o capital natural (apropriação da natureza), também conhecido por economia verde.

A diferença dos serviços ambientais é que não são prestados por uma pessoa ou empresa; são ofertados, gratuitamente, pela natureza: água, alimentos, plantas medicinais, carbono (sua absorção e armazenamento), minérios, madeira etc. A proposta é dar um basta a essa gratuidade. Na lógica capitalista, o valor de troca de um bem está acima de seu valor de uso. Portanto, tais bens naturais devem ter preços.

Os consumidores dos bens da natureza passariam a pagar, não apenas pela administração da “manufatura” do produto (como pagamos pela água que sai da torneira em casa), mas pelo próprio bem. Ocorre que a natureza não tem conta bancária para receber o dinheiro pago pelos serviços que presta. Os defensores dessa proposta afirmam que, portanto, alguém ou alguma instituição deve receber o pagamento – o dono da floresta ou do ecossistema.

A proposta não leva em conta as comunidades que vivem nas florestas. Uma moradora da comunidade de Katobo, floresta da República Democrática do Congo, relata:

“Na floresta, coletamos lenha, cultivamos alimentos e comemos. A floresta fornece tudo, legumes, todo tipo de animal, e isso nos permite viver bem. Por isso que somos muito felizes com nossa floresta, porque nos permite conseguir tudo que precisamos. Quando ouvimos que a floresta poderia estar em perigo, isso nos preocupa, porque nunca poderíamos viver fora da floresta. E se alguém nos dissesse para abandonar a floresta, ficaríamos com muita raiva, porque não podemos imaginar uma vida que não seja dentro ou perto da floresta. Quando plantamos alimentos, temos comida, temos agricultura e também caça, e as mulheres pegam siri e peixe nos rios. Temos diferentes tipos de legumes, e também plantas comestíveis da floresta, e frutas, e todo de tipo de coisa que comemos, que nos dá força e energia, proteínas, e tudo mais que precisamos.”

O comércio de serviços ambientais ignora essa visão dos povos da floresta. Trata-se de um novo mecanismo de mercado, pelo qual a natureza é quantificada em unidades comercializáveis.

Essa ideia, que soa como absurda, surgiu nos países industrializados do hemisfério Norte na década de 1970, quando houve a crise ambiental. Europa e EUA tomaram consciência de que os recursos naturais são limitados. A Terra não tem como ser ampliada. E está doente, contaminada e degradada.

Frente a isso, os ideólogos do capitalismo propuseram valorizar os recursos naturais para salvá-los. Calcularam o valor dos serviços ambientais entre US$ 16 e 54 trilhões (o PIB mundial, a soma de bens e serviços, totaliza atualmente US$ 62 trilhões). “Está na hora de reconhecer que a natureza é a maior empresa do mundo, trabalhando para beneficiar 100 % da humanidade – e faz isso de graça”, afirmou Jean-Cristophe Vié, diretor do Programa de Espécies da IUCN, principal rede global pela conservação da natureza, financiada por governos, agências multilaterais e empresas multinacionais.

Em 1969, Garret Hardin publicou o artigo “A tragédia dos comuns” para justificar a necessidade de cercar a natureza, privatizá-la, e assim garantir sua preservação. Segundo o autor, o uso local e gratuito da natureza, como o faz uma tribo indígena, resulta em destruição (o que não corresponde à verdade). A única forma de preservá-la para o bem comum é torná-la administrável por quem possui competência – as grandes corporações empresariais. Eis a tese da economia verde.

Ora, sabemos como elas encaram a natureza: como mera produtora de ‘commodities’. Por isso, empresas estrangeiras compram, no Brasil, cada vez mais terras, o que significa uma desapropriação mercantil de nosso território.


 



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* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de “O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros livros.
www.freibetto.org <http://www.freibetto.org> Twitter:@freibetto.

Fonte: Frei Betto

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Ninguém tem o direito de comemorar o 31 de Março

Por Almir Aguiar *


 


Os algozes da ditadura militar e seus seguidores, muitos deles atualmente entrincheirados em blogs e em associações, a bradar contra a democracia voltam a promover um ato no Clube Militar do Rio de Janeiro para comemorar os anos de chumbo, repressão e tortura. As viúvas da ditadura defendem o golpe militar de 31 de março de 1964, que teve o apoio da burguesia imperialista. Implantaram uma ditadura em nosso país e querem agora se utilizar da liberdade de expressão, fruto da nossa luta e de muitos companheiros que deram a vida por ela, hoje garantida pela Constituição soberana e democrática de 1988, para festejar os 48 anos do início de um golpe que manchou de sangue a História do Brasil.

Nós, militantes pela democracia, que lutamos para que o governo federal implante uma Comissão da Verdade capaz de recuperar para o povo brasileiro a sua história, também vamos nos manifestar. Em artigos e em atos públicos denunciaremos os crimes daqueles que destituíram um governo legitimamente eleito pelo povo em 1960 e, tendo como desculpa a salvação do Brasil do “perigo da ditadura comunista”, sufocaram a liberdade, suprimiram as eleições livres, prenderam e torturaram trabalhadores, estudantes, intelectuais, sequestraram, mataram e desapareceram com os corpos de centenas de brasileiros de todas as idades, que ofereceram à Pátria os seus melhores anos, as suas vidas, os seus ideais.


 


Nós, bancários, sempre na vanguarda do sindicalismo e ativos participantes dos movimentos sociais libertários, também demos a nossa dolorosa contribuição ao resgate da democracia,  com as vidas de muitos trabalhadores bancários. Nos remetemos sempre à figura do bravo companheiro Aluisio Palhano Pedreira Ferreira, ex-presidente do Sindicato dos Bancários,  preso, torturado e cujo corpo  jamais foi encontrado.


 


Todo país, cada povo, tem o direito de conhecer a sua trajetória, de honrar a sua memória. Nações do mundo todo que passaram por ditaduras reconstruíram, a seguir, os fatos históricos, condenando à prisão ou ao limbo do esquecimento aqueles que ousaram se insurgir ilegalmente contra a vontade do povo.
Que o Brasil possa vir a conhecer a realidade do que se passou entre 1964 e 1985. Que possamos ter uma Comissão da Verdade representativa, capaz de reconstruir com serenidade os atos e fatos que se abateram sobre o nosso país durante o longo período em que a ditadura militar reinou violentamente, suprimindo, entre outras, a liberdade de expressão, de reunião e da livre manifestação do pensamento.


 


Se a história oficial é a dos vencedores, a deles, a dos golpistas de 64, acabou em 1985. Apesar de todos os entraves e obstáculos que até agora vêm retardando a sua instalação, que venha imediatamente a Comissão da Verdade, independentemente de ser mantida ou não a Lei da Anistia. Uma coisa não exclui a outra. O tempo passa e os dias não se repetem.


 


A democracia que foi conquistada com sangue, prisões, torturas e exílios garante a liberdade de expressão. Mas será que a liberdade dá direito a nazistas comemorarem o holocausto e a militares brasileiros, de pijama, festejarem o golpe e a ditadura? Inaceitável. Ninguém tem o direito de comemorar as anomalias da história que foram extirpadas com o mais alto preço da vida humana.

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*Almir Aguiar é presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.

Fonte: Almir Aguiar

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ESPECIAL MÊS DA MULHER: A cidadania social como caminho para a cidadania politica – Parte II

Rita da Costa Pereira *


Após a paralisia provocada pela instalação da ditadura militar no Brasil, o país viveu um momento muito particular e rico politicamente no período de 1979 a 1985. Apesar de asfixiado, o movimento sindical recebeu uma importante ajuda para a retomada da luta dos trabalhadores e trabalhadoras. Com a pauperização da classe trabalhadora as periferias das grandes cidades se organizaram em associações de bairros e movimentos sociais que acabaram por pressionar os governos. É neste momento que condições de vida e trabalho se encontram, e nesse encontro as necessidades e reivindicações são assexuadas. Homens e mulheres se unem em um objetivo comum: por melhora da qualidade de vida.



No campo, seja pela “mãos” das pastorais ou grupo laicos, as mulheres começam o debate sobre seu papel como cidadãs – não que isso não tivesse acontecido antes, só que agora ele começa a tomar corpo. Num espaço onde o trabalho doméstico se confunde com o trabalho do campo, as trabalhadoras rurais começam a questionar o trabalho exaustivo e sua responsabilidade na renda familiar. Em um primeiro momento, essas organizações denunciaram a ausência do Estado nos seus direitos básicos à saúde e educação. Neste contexto nasceram abaixo-assinados, passeatas e encontros. Apesar de lutarem por inclusão social, esses movimentos levaram as trabalhadoras rurais a questionamentos mais profundos ligados ao feminino. Quando a discussão é saúde, despontam a maternidade e suas responsabilidades. Daí para o questionamento do “porque somente à mulher cabe a responsabilidade pela criação de seus filhos?”, é um pulo.



Com a redemocratização do Brasil, surgiu em 28 de agosto de 1983, em São Bernardo do Campo, SP, a Central Única dos Trabalhadores – CUT. Em seu estatuto, seus objetivos principais são: “… o compromisso com a defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, a luta por melhores condições de vida e trabalho e o engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo;”. As mulheres participaram ativamente deste processo histórico, e do mundo do trabalho surgiu seu principal palanque político: o movimento sindical. Neste espaço suas demandas foram expostas e soluções cobradas. Contra a discriminação por sexo – demanda que rompia as paredes de casa, reconhecimento da sua contribuição social e econômica pela sua força de trabalho – na casa ou na empresa. Enfim, a mulher conquistou sua cidadania social, antes restrita apenas aos homens. Finalmente saiu da sombra do trabalho masculino e mostrou sua força produtiva. Mas existiam demandas específicas das trabalhadoras, o que acabou na criação, no ano de 1986, da Comissão da Questão da Mulher Trabalhadorada CUT, em nível nacional.



Apesar do crescente aumento da presença das mulheres nos espaços políticos, esse número ainda é pequeno nas direções das entidades sindicais. Uma das tentativas da CUT para diminuir essa diferença de gêneros nas direções foi a implantação, em 1993, do sistema de cotas mínimas de mulheres. Mesmo com esta iniciativa, ainda temos poucas mulheres nas diretorias executivas das entidades. Não vou entrar aqui na questão do machismo que ainda faz parte de nossa sociedade, e que por isso também está presente dentro do movimento sindical. Essa prática é visível, porém cada vez a mulher se torna mais autônoma, mais crítica, mais escolarizada, o que tem dado a ela mecanismos para enfrentar e lidar com mais tranquilidade com essa prática. Prefiro pensar que o principal entrave da vivência política da mulher trabalhadora brasileira ainda é fruto de sua jornada dupla de trabalho: empresa e lar. As creches liberaram as mulheres para o trabalho, mas não para a vida política.



Neste importante espaço de atuação política conquistado pelas trabalhadoras brasileiras – as entidades sindicais –, seria interessante que fossem criadas unidades sindicais não por local de trabalho, mas pelo de moradia do trabalhador. Essas unidades devem ser equipadas com creches para que essas trabalhadoras possam participar mais ativamente das discussões sem comprometer suas outras tarefas diárias.



É preciso diminuir a distância entre o espaço político e a trabalhadora. Afinal os dados do último senso do IBGE, do ano de 2010, mostraram que em nosso país quase 40\ % \ das famílias são chefiadas por mulheres, ou seja, de cada dez famílias, quatro têm chefia feminina. Já é hora de aumentarmos, também, o número de participantes femininas em suas entidades sindicais de base. É preciso que dirigentes sindicais de ambos os gêneros pensem em soluções práticas para aumentarmos a participação das mulheres.


 



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* Rita da Costa Pereira é graduada em História pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em História Contemporânea pela Universidade Cândido Mendes

Fonte: Rita da Costa Pereira