BRASÍLIA – O quebra-quebra com atos de vandalismo ocorrido na Câmara dos
Deputados não foi planejado pela coordenação do MLST. Pelo contrário. O
conflito ocorreu porque a ocupação foi mal planejada, pois não previa
mudança de planos para situações imprevistas. Isso está claro na fita com
uma hora e dezoito minutos de gravação apreendida pela Polícia Legislativa
em poder de um integrante do movimento que documentou as reuniões de
planejamento da ação feitas na véspera do incidente.
Os coordenadores da ação acreditavam que seria uma ocupação tranqüila, como
a que haviam feito no Ministério da Fazenda no ano passado. Sabiam que
poderiam encontrar resistência dos agentes de segurança da Câmara e que
haveria o risco da troca de agressões, mas em nenhum momento cogitaram um
confronto com as proporções e conseqüências do que ocorreu. Previam que
haveria no máximo cinco seguranças na entrada do Anexo 2 da Câmara e que
eles seriam facilmente contidos por 20 a 30 manifestantes infiltrados como
turistas meia hora antes da ocupação, com a tarefa de liberar o percurso até
o Salão Verde, que fica anexo ao Plenário.
“Nosso objetivo é o salão de baile. Vocês foram escolhidos a dedo, como
pessoas da maior confiança, para garantir que três portas não se fechem,
para que todos os outros convidados, que vão chegar amanhã, entrem para
dançar no salão de baile”, explica um dos coordenadores da ação para um
grupo de 100 manifestantes durante a preparação da ocupação. Eles chegaram a
visitar o Congresso na véspera, para se familiarizar com o local. A tarefa
deles era armar uma espécie de corredor humano, liberando a passagem de
centenas de manifestantes que desembarcariam dos ônibus por volta das 14
horas de terça-feira. Horário normalmente calmo na Câmara.
Os coordenadores da ocupação foram questionados sobre os riscos da operação.
A possibilidade de os seguranças estarem armados, de haver resistência maior
do que a prevista, de haver pressão psicológica em razão do conflito armado
ocorrido recentemente em São Paulo entre a polícia e uma organização
criminosa, de serem descobertos por terem aparência distinta das pessoas que
normalmente circulam pela Câmara, entre outras questões.
As respostas evidenciam a precariedade do planejamento. “Vocês têm a
responsabilidade do sucesso ou não da ação de amanhã”. “Tem momentos em que
nós vamos ter que improvisar”. “A segurança vai ser um pouquinho acima da de
hoje”. “Alguns estão armados, outros não. Mas eles não vão dar tiro em
ninguém. Pode ficar tranqüilo que eles não são malucos”. “Depois que a gente
entrar, a gente só sai quando e como quiser”. “Tem uma equipe cuidando disso
com o chefe deles. Tem gente conversando com o presidente da Câmara. Isso é
garantir. Não é?”.
Não era. Os coordenadores da ocupação transmitiram à tropa de elite a falsa
impressão de que estava tudo sob controle e o fator surpresa estaria ao lado
deles. Não estava. Surpreendidos pelo reforço da segurança no local para
conter a entrada de outros grupos de manifestantes, os integrantes da equipe
de vanguarda não tinham instruções sobre como proceder. Deu-se a
improvisação que resultou na ação desastrada.
Publicamente, os dirigentes do MLST não reconhecem a negligência. Mas, de
forma reservada, há quem admita que a ação deveria ter sido abortada quando
eles se depararam com uma situação imprevista no planejamento. O comando da
operação decidiu arriscar e pagou um preço alto pela imprevisibilidade.
“Nossa pauta é muito importante para a descriminalização dos movimentos
sociais”, enfatizou um dos coordenadores da ação na palestra feita na
véspera à tropa de elite. “Nós vamos dizer para o Brasil que tipo de reforma
agrária nós queremos”, conclamou outro, poupando o governo Lula e colocando
a responsabilidade do atraso na reforma agrária na oposição.
O resultado do improviso foi justamente o contrário. Reforçaram os
argumentos para a criminalização dos movimentos sociais e mostraram ao
Brasil uma maneira, no mínimo, questionável de lutar pela reforma agrária.
Para tentar desfazer essa imagem, a direção do MLST convocou a imprensa de
Brasília para uma entrevista nesta quinta-feira. Dois dirigentes
distribuíram uma nota pública, na qual é lembrada a história do movimento, é
apresentada sua versão dos fatos, são repudiadas as interpretações correntes
sobre a premeditação de ações violentas, as ações que provocaram danos ao
patrimônio público e ferimentos em pessoas são condenadas, o conflito é
lamentado e o presidente da Câmara criticado, mas ninguém assume a
responsabilidade pela lambança, a não ser a abstrata “responsabilidade
política”. “O planejamento deu errado. Mas a responsabilidade é individual”,
afirmou o dirigente do MLST Jutai Maraes.
Fonte: Nelson Breve – Carta Maior