Que temas do programa de governo terão destaque na campanha? O que mais incomoda o eleitor do Rio Janeiro no atual governo?
Primeiro devem ser consideradas algumas questões de política nacional, como a questão do emprego. Vamos ter que discutir uma visão de desenvolvimento econômica para o Estado mais equilibrada que não se baseie somente no petróleo, que é a única coisa que realmente vai bem no Estado. O resto vai muito mal. Vamos tentar dar uma reorganizada na economia de forma a criar mais empregos no Estado.
A questão mais candente no Estado é a questão da criminalidade. O crime domina o Estado, as quadrilhas dominam os bairros pobres e favelas, fazendo autênticos contragovernos. A reação normal dos governantes é mandar a política fardada, a PM, para cima dos morros e favelas. O que não resolve coisa nenhuma. Eles entram, trocam tiros com bandidos, volta e meia morre gente inocente e, enfim, quando saem a quadrilha continua lá. O que nós queremos, além da tarefa de limpar a polícia que está muito infiltrada de bandidos, – uma relação muito complicada entre polícia e bandidos-, queremos montar uma polícia de investigação. Algo que permita desmontar essas quadrilhas. Com isso, pretendemos cumprir uma primeira etapa, que é desmontar a quadrilha, coisa que até agora não fizeram. Numa segunda etapa é fazer a “ocupação social” da favela e dos bairros pobres. Não adianta só tirar a quadrilha, porque se não fizer mais nada, vai voltar outra. E não adianta só colocar um quartel em cada favela. Isso é absolutamente ineficaz. Aliás, aqui no Rio, tentaram e fracassaram. Nós temos é que fazer política social. Colocar escola, posto de saúde, colocar medicina de família, criar centros culturais para dar expressão à juventude pobre. A gente quer deixar a favela e o bairro pobre com um policiamento normal como outro bairro qualquer. Essa é uma questão central, porque, hoje, muitas vezes, você não pode fazer nada na educação e na saúde, porque simplesmente o tráfico não deixa. Por isso, a tarefa da segurança pública assume um alcance muito grande para que você possa fazer sua política social.
Nosso Estado está falido, mas temos recursos constitucionais na educação e na saúde. Então, vamos fazer na educação uma autêntica revolução. Vamos aumentar a qualidade do ensino. Nosso problema não é tanto de escola, de espaço físico. Nosso problema é de qualidade do ensino. A grade curricular de um estudante de escola pública é a metade da de uma boa escola privada. Precisamos contratar professor, aumentar a grade curricular e instaurar o ensino integral. Este é o primeiro passo. Em seguida temos que aumentar as condições de vida dos professores, que ganham muito mal e têm que correr atrás do tempo e ter uma matrícula no Estado, correm atrás da escola privada e terminam sem condições de preparar aula e dar um ensino de qualidade.
A saúde é um outro elemento em que temos recursos, que são mal gastos. O Estado não tem uma função tão direta assim na saúde, porque a ele cabe a coordenação do trabalho dos municípios, mas também tem uma rede hospitalar. Nós pretendemos fazer o Estado exercer essa função de coordenação do SUS e entrar em parceria com as prefeituras. Com isso, pode fazer a medicina de família na estrutura de postos de saúde que coloque à disposição uma assistência local, que evite a superpopulação dos hospitais. Muita gente vai aos hospitais para questões que não são hospitalares, simplesmente porque não tem uma rede de postos de saúde.
O que a intervenção federal acabou mostrando sobre a saúde do Rio?
A intervenção federal foi no município e mostrou que a saúde do município vai mal. É um horror. Mas não é nossa função exata. Vamos tratar de coordenar. Em todo o caso, a situação não é muito diferente nos hospitais do Estado. Mas temos que trabalhar em convênio e colaboração com as prefeituras para melhorar essa situação.
Depois, há dois pontos que a gente pode fazer, sem grandes despesas. Uma mudança de natureza institucional, a defesa do meio ambiente e dos direitos dos setores oprimidos. Por que isso? Normalmente, as secretarias de meio ambiente plantam árvore no Dia da Árvore e fazem uma ciclovia, mas não têm uma política efetiva de defesa do meio ambiente. Às vezes gritam, fazem uma propaganda, enquanto as outras secretarias poluem. É preciso dar poder institucional à secretaria. Eu vou fazer, então, uma super-secretaria de meio ambiente, que entre nas secretarias de educação, de saúde, nos contratos do Estado, garantindo peso de governo para essa questão. É completamente diferente quando a empresa que faz um contrato com o Estado não respeita o meio ambiente. Vamos fazer um trabalho na educação em relação ao meio ambiente. Vamos entrar em todos os setores. Vai ser uma secretaria com poder. O mesmo vale para a secretaria de direitos, que vai tratar a questão do negro, da mulher. Geralmente estas secretarias têm um papel muito decorativo. Bota uma secretaria negra, faz a média e fica fazendo festa pra Zumbi, todo ano. Mas não tem poder efetivo para lutar contra a discriminação. Nós queremos que a secretaria dos Direitos tenha influência nas demais, e entre nos contratos do Estado, garanta cota para negros na publicidade, e assim por diante. Isso vale para os homossexuais e outros setores discriminados na sociedade. Isso é o central para nós. Em outros pontos nós vamos ter que correr, porque não temos recursos para grandes obras no transporte ou na habitação. Vamos ter que confiar numa colaboração com o governo federal e tentar ir atrás de recursos internacionais. Mas, essas prioridades que estabelecemos são aqueles que só dependem de nós.
A crise da segurança pública sempre sofreu um certo isolamento na consciência nacional de que se tratava de um fenômeno mais presente no Rio de Janeiro. Com os ataques do Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, isto parece estar mudando. De que forma isto está contribuindo para se repensar o tema no Rio de Janeiro?
A situação de São Paulo mostra que aqui no Rio também se poderia fazer isso. Acho que há um exagero quanto ao poder de fogo dos bandidos. O fato de queimarem ônibus é algo muito fácil. Sair por aí matando gente… Parece, mas não é verdade. Se os caras quisessem fazer isso no médio prazo, eles estariam derrotados. Além do mais, é preciso não esquecer que boa parte deles está cercada nos presídios. Há certo escândalo, mas chama a atenção para um problema. O problema grave não é isso que fizeram, mas atestou que a criminalidade é muito forte e usa de qualquer meio para executar seus desígnios.
Aqui no Rio, o nosso problema é mais do contrapoder nos bairros pobres, que chegou ao limite do tolerável. Às vezes, você não pode montar um posto de saúde, uma escola, porque o tráfico não deixa. Há um mês, os pais de três escolas começaram a retirar seus filhos, porque os traficantes vão lá armados, mandam, brigam, desmoralizam os professores. Na educação ocorre muito isso, os professores sentem-se coagidos e não podem mais dar aula.
A segurança está estritamente ligada às condições em que se efetua serviço público. Esta é uma coisa que não se verifica com a mesma intensidade na cidade de São Paulo, pela estrutura com que se formou o PCC. Eles têm o tráfico mais disseminado. Essa figura do contrapoder não é tão presente. Aqui, a gente tem que desmontar esta estrutura para poder dar ao Estado as condições de prestar os serviços que a população necessita.
As pesquisas revelam um quadro bastante difícil antes do período de campanhas? Como você analisa os números revelados pelo último levantamento Datafolha? Onde estão os espaços para crescimento de uma candidatura petista?
A pesquisa confirmou aquilo que já sabíamos. Sabemos que apenas 38% das pessoas apenas têm candidato, naquela pesquisa em que se mostra a cartela com os nomes. Outros 62% não têm candidato, ampla maioria do eleitorado, mesmo quando se faz a pergunta mostrando os nomes. Isso confirma o que os analistas dizem, de que a eleição ainda está completamente em aberto. Nesta pesquisa em que se mostra o disco com nomes, são os candidatos que tiveram eleições majoritárias que predominam. Por exemplo, Sérgio Cabral (PMDB), que aparece como líder, foi eleito senador com mais de dois milhões de votos. O [Marcelo] Crivella (PRB) foi eleito senador com mais de um milhão de votos e disputou como prefeito. A Denise Frossard (PPS) não fez isso, mas aparecia todo dia no programa do prefeito como a mulher da segurança. São pessoas que têm maior exposição na mídia. É natural que os nomes mais conhecidos da cartela apareçam na frente. É uma tradição, mas não quer dizer nada. Não são votos consolidados. Isso é provado pela pesquisa espontânea. O Sérgio Cabral tem apenas 4% de indicações espontâneas. O Crivella tem um patamar de 2%. É muito baixo. O Lula, por exemplo, tem quase 30% de votos espontâneos. Está tudo pronto para uma candidatura que pode crescer. Nós acreditamos na nossa, porque apesar de haver gente de esquerda fora da nossa coligação, nós representamos mais uma política de esquerda. Há um espaço tradicional no nosso Estado para uma política de esquerda. Essa esquerda unindo PT, PCdoB e PSB, temos condições de ir para o segundo turno. Acreditamos que o quadro é bom.
Pelos programas partidários dá para ter noção da estratégia que os adversários seguirão? Como enfrentá-las?
Ainda é muito relativo. O PSDB ainda não fez o programa deles. Tinham feito um programa, no ano passado, centrado nos nomes nacionais, porque não tinham candidato. Então, não dá para julgar. O PFL fez um programa centrado no César Maia, que desistiu de disputar. Esse ano, nos spots, o César Maia apresentou o candidato dele, o Elisandro, que não repercutiu. Agora, o PSDB lançou o deputado Eduardo Paes, muito bem votado, nos spots, apresentando a biografia dele, e tal, pouca coisa. Não sabemos ainda como vão estabelecer uma estratégia. Ainda mais que estão tentando se entender, o PSDB e o PFL. O César Maia está fazendo um esforço para irem juntos. A candidatura principal, do Sérgio Cabral, está vinculada ao governo Garotinho. Todos os programas do PMDB foram de defesa do governo Garotinho, o que já dá para saber a estratégia do Serginho. O Crivela ninguém sabe o que vai dizer.
Essa candidatura governista tem programas fortes para mostrar?
Todo governo tem coisas para mostrar, porque até para roubar é preciso fazer obras. Sempre recapeou estradas… Mas eles fizeram um anúncio de dez mil obras e a imprensa mostrou a imensa falácia disso. Obras que não saíram do papel, obras que não foram realizadas, obras pelo meio. De forma que, em geral, o governo tem muito pouco a apresentar. A curva de popularidade do governo é descendente. Nas últimas eleições municipais, perderam a disputa na capital (candidato deles teve 13%), perderam em Niterói, em São Gonçalo, em Nova Iguaçu, nos principais municípios do interior. Inclusive, perderam também em Campos, duas vezes. Tudo indica que os Garotinhos estão em declínio. Minha estimativa é que, sendo o candidato da máquina, o Sérgio Cabral deve chegar ao segundo turno e esperar o candidato que vai derrotá-lo.
O PT terá condições de agregar um espectro amplo de forças políticas a sua candidatura?
Dentro do marco tirado pelo Encontro Nacional, nós procuramos alianças dentro das especificidades do RJ. Conseguimos alianças com o PCdoB e o PSB. O PSB vai dar o vice e o PCdoB a candidata Jandira Feghalli ao Senado. Conseguimos pegar um núcleo de esquerda, que esteve dividido na última eleição na capital, o que foi muito ruim para o PT, e conseguimos unificá-lo. Além disso, estamos estabelecendo também uma coligação com o PL, que tende a participar conosco. E conversamos com outros partidos, mas somos vítimas da verticalização que impede alianças que seriam possíveis, como aquela com o PDT, com quem temos uma relação histórica. Com a verticalização, o interesse do PDT em conversar se mostrou impossível.
Como a crise política que atingiu o PT se reflete no Rio de Janeiro? Que resposta dar na campanha?
A crise tem uma grande influência, sobretudo, na classe média. Somos um Estado em que a classe média tem um peso muito grande, em particular, na capital. Isso repercutiu. Nós perdemos eleitores e apoios. Nestes setores, a candidatura da Heloisa Helena (PSOL) à presidente, que tem menos de 10% na média nacional, aqui tem 11%, enquanto nas classes A e B, ela tem 17%. Certamente, isso reflete um desgaste nosso, em função da crise moral que nos assolou no ano passado. A nossa resposta tem que ser a seguinte: desde o ano passado eu me coloquei a favor da punição, porque houve irregularidade e ilegalidade no PT, sim. Agora, temos que julgar o governo federal pelo conjunto da obra. A direita quer transformar tudo num episódio de ilegalidade. Não é uma questão, meramente, de que pessoas do PT que cometeram delitos são criminosos. O julgamento do governo é muito mais amplo. Não ficou provado nada contra o governo. Eu defendo que o governo Lula é o melhor governo dos últimos 40 anos. Cito tudo aquilo que se vê na propaganda do governo, em particular a economia do país, que vai muito bem, e a distribuição de renda, além da política externa. Esses pontos são os mais importantes. Quando dizem que houve roubalheira, eu digo que houve. Agora, você não pode julgar o partido por alguns elementos. Se for julgar partido porque alguém cometeu delito, todos estarão condenados. Não é por aí que se faz diferença. Tem que fazer pela prática política. A prática política do nosso partido, do nosso governo, é muito superior aos outros. É o que defendo e não tenho dificuldade em debater. Pelo contrário, tenho chamado meus adversários para debater comigo.
Você deve estar tendo uma agenda intensa. O que se houve em suas visitas para debater com a população sobre o governo federal e a crise?
A minha agenda ainda é centrada naquele primeiro anel em volta do partido. É proibido fazer uma campanha de massa, embora eu tenha um trabalho de rua, de prestação de contas dos nossos parlamentares, em que tenho um contato direto com a população. A população do centro do Rio, que é bastante politizada, compreendeu perfeitamente isso. Sempre tem alguém que passa e grita: mensalão! Mas acho que a gente tem uma boa acolhida quando começa a discutir a política do governo. No setor mais próximo do partido, houve muito desgaste inicialmente. Um choque pelo fato de se descobrir que, afinal, podia haver irregularidade também no PT. Ninguém podia acreditar que houvesse corrupção no PT. Houve. Então as pessoas ficaram muito chocadas no início. Depois, se viu que isso é um processo de aprendizado. Que o PT é um partido feito de pessoas, que podem errar. Mas houve uma revitalização do partido e o PT se reaglutinou. Estes setores mais próximos estão fazendo uma opção, de fato, de defesa da posição do partido. Há um desgaste. Há uma margem de crescimento, que já havia independente da crise moral, pela aparição de elementos descontentes que vão votar na extrema-esquerda, que acho que é um setor muito pequeno. A maior parte do eleitorado é perfeitamente possível de ser ganha, nós vamos para o segundo turno e o presidente Lula vai ganhar aqui.