A implantação da TV Digital no Brasil vem sendo há alguns
meses um dos assuntos mais debatidos pela mídia
(especialmente a independente) e por diversos setores da
sociedade. Boa parte da discussão tem sido centrada na
escolha do padrão tecnológico que será utilizado e
provavelmente a maior parte da sociedade brasileira que já
ouviu falar sobre o assunto imagina que a TV Digital significará
apenas uma melhoria na qualidade de imagem e som dos
televisores de suas casas, sem ter conhecimento das
mudanças profundas que esse sistema poderá representar
para o cotidiano dos brasileiros.
Os pontos mais importantes e urgentes desse debate são
outros, e estão relacionados com questões como a
democratização da comunicação, a difusão da diversidade
cultural brasileira, o desenvolvimento da indústria nacional (e
não somente a audiovisual), o acesso à informação e
educação, a inclusão digital e a garantia de direitos
fundamentais que estão previstos na nossa Constituição.
Alguns poucos dados revelam o quadro atual de monopólio na
televisão brasileira: apenas duas emissoras de TV concentram
cerca de 77% da audiência, e apenas seis redes privadas,
através de 138 grupos afiliados, controlam 668 veículos de
mídia, entre TVs, rádios e jornais.
O significado de toda a discussão ganha ainda mais relevância
se considerarmos que a televisão é o meio de comunicação
mais presente e influente no Brasil, e pensarmos no potencial
interativo que a TV Digital representa. Através desse sistema,
todo brasileiro com televisão em casa (87,7% dos domicílios
no Brasil, segundo pesquisa de 2002 feita pelo Epcom) poderia
ter acesso a serviços educacionais, conta de email, acesso à
Internet, declaração de imposto de renda, transações
bancárias e comerciais, extrato do fundo de garantia, votação…
citando apenas algumas possibilidades.
Outra característica de suma importância da TV Digital que
vem sendo pouco debatida é a multiprogramação. O sistema
permite que no mesmo espaço onde hoje se transmite um
único canal, sejam inseridos quatro novos canais. Ao final do
processo de implantação, a TV Digital deverá ocupar do canal
7 ao 69 do VHF, o que permitiria uma ampliação em larga
escala dos emissores de programação e conseqüentemente,
dos produtores de conteúdo televisivo. Isso significaria que
ONGs, sindicatos, movimentos coletivos e similares poderiam
ter seus próprios canais, tirando a concentração (e o controle)
da televisão brasileira das emissoras públicas e privadas,
dando espaço para a difusão da cultura brasileira e voz a
segmentos marginalizados pela TV atual.
No entanto, a multiprogramação só será possível caso não
seja escolhido o modelo de alta definição, que não permite a
entrada dos novos canais. Atualmente, se discute a adoção
de um entre três sistemas internacionais de TV Digital –
americano, europeu e japonês – ou de um sistema desenvolvido
no Brasil, o chamado SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital).
É em torno da seleção desse sistema que vem ocorrendo a
maior parte dos debates. As grandes emissoras se articulam
para não perderem o monopólio que sempre esteve em suas
mãos, e defendem o sistema japonês (de alta definição),
alegando a melhoria na qualidade da imagem que ela
representa. Mas a verdade é que essa imagem só poderia ser
desfrutada por quem tivesse televisores de alta resolução, ou
seja, uma parcela mínima da população. Para as empresas de
mídia, a interatividade só atenderia aos seus interesses se
permitir serviços que gerem lucro (comércio eletrônico, por
exemplo).
Já um sistema desenvolvido no Brasil pode representar novos
empregos, mão-de-obra qualificada, desenvolvimento do setor
de pesquisas, dimunuição da dependência externa e o não
pagamento de royalties de patentes. Portanto, uma decisão
equivocada poderá comprometer o desenvolvimento da
indústria nacional de televisão.
Antes da definição sobre o padrão a ser adotado, há uma outra
ação mais urgente: a mudança na legislação brasileira de
radiodifusão e telecomunicações. A lei atual separa a
radiodifusão de telecomunicações, medida adotada no governo
Fernando Henrique Cardoso para poder privatizar a telefonia e
que é hoje considerada um erro colossal. É necessária uma
nova regulamentação que lide com necessidades tecnológicas
atuais como a convergência de mídias (fundamental devido ao
caráter interativo que a TV Digital possibilita), impeça a
concentração da mídia e possibilite a democratização da
comunicação. Mas a urgência em definir o sistema pode deixar
a legislação para um segundo plano, o que pode provocar novos
erros colossais.
Até o momento, as discussões sobre o processo vinham
acontecendo em circuitos restritos, sem que houvesse um
debate público realmente transparente sobre o assunto. Hélio
Costa, à frente do Ministério das Comunicações, vinha
assumindo as decisões, todas de interesses privados,
especialmente das Organizações Globo. Nos últimos dias,
porém, sua autonomia no processo diminuiu, pois o governo
criou um comitê de ministros para tratar do assunto,
provavelmente dando atenção às criticas freqüentes que o
comportamento de Costa vinha recebendo por parte de
diversos setores da sociedade.
Outra ação de ampliação do debate ocorreu no último dia 08,
quando foi realizada uma reunião da Comissão Geral da
Câmara dos Deputados para debater a TV Digital.
Representantes dos mais diversos setores interessados e
envolvidos na questão estiveram presentes. As divergências
ficaram bem claras, mas em linhas gerais, podem-se dividir
esses setores em dois grandes grupos: os que lutam pela
prevalência do interesse público e os que lutam pela
prevalência do interesse privado.
Dia 10 de março é a data escolhida para uma definição do
modelo a ser adotado. Gustavo Gindre, do coletivo Intervozes,
define bem o momento atual do debate: “Precisamos resolver
se o Brasil pretende deixar este novo bem público nas mãos
do oligopólio de mídia que há anos controla as comunicações
no país ou se pretende realmente democratizar a comunicação,
estimulando a diversidade cultural e regional e a produção
independente”.
O Intervozes lançou um abaixo-assinado por um sistema
brasileiro de TV Digital de interesse público, que pode ser
acessado pelo site ww.intervozes.org.br
(Por André Fonseca – Cultura e Mercado – em 15/fev)