Começa a ganhar força entre setores de claro viés progressista argumento que carece de base concreta real, que o prefeito de São Paulo, José Serra, faria um governo de cunho mais nacional desenvolvimentista que o atual governo de Lula ou que um possível segundo mandato do atual presidente.
Há gente como Luiz Gonzaga Belluzzo, intelectual sério e honesto, conselheiro da revista Fórum, que anunciou recentemente seu apoio a José Serra com esse argumento. O próprio José Dirceu de certa forma corroborou o princípio da tese ao afirmar que “Serra não ganharia a eleição por não ter a confiança do mercado”.
O fato de Lula ter mantido uma política macroeconômica conservadora e financista, sem criatividade, e de cunho ortodoxo, não resume seu governo. Há ações em diversas áreas que mudaram o perfil do Estado tanto no plano interno quanto externo, mas isso fica para outra hora.
Por outro lado, durante seus primeiros 14 meses de gestão à frente da prefeitura de São Paulo, descontando o tempo que ficou no ministério do Planejamento, no qual conduziu o modelo de privatização do primeiro governo de FHC em conjunto com Bresser Pereira e Sérgio Motta, o prefeito Serra não fez nenhum movimento que o colocasse como um representante legítimo de um pensamento alternativo ao modelo vigente.
A prática de José Serra como prefeito, ao inverso, aponta para um caminho ainda pior. A “privatização” dos uniformes escolares; a expulsão dos indicativos de pobreza no Centro, com um projeto de uma “cidade limpa” no que é visível; a entrega das contas municipais para bancos privados e a ausência total de uma política de desenvolvimento local são indicativos que merecem reflexão. Em que o atual prefeito pode gabar-se de estar fazendo um governo mais progressista e desenvolvimentista que o de sua antecessora?
Os que têm participado da opinião de que Serra pode fazer um governo mais autêntico que o de Lula crêem que o prefeito terá mais força política e menos compromissos do que o atual presidente para mudar o caminho. Há no mínimo duas questões a serem abordadas, que vão no contrapé desse entendimento.
A primeira, a de que Serra faz hoje o movimento que lhe cabe. Sua disputa atual é para ser indicado candidato do PSDB. Seu adversário é o governador Geraldo Alckmin que, como indicou recente pesquisa da revista Exame, é o favorito entre os maiores empresários do país. Ao mesmo tempo, Serra já conseguiu a preferência do PFL pelo seu nome, porque tem a prefeitura de São Paulo a oferecer como contrapartida. Para a partida de agora não precisa mostrar que pode ir mais longe no apoio do campo conservador. Precisa crescer para o outro lado. Mostrar internamente que pode obter apoios de partidos como PPS, PDT, PV e mesmo de setores do PMDB. Se conseguir isso, deve ser o indicado tucano. Vencendo as prévias internas, terá de se movimentar para o outro lado. Aí começa o jogo.
A segunda questão é que as opções da economia não caminham isoladas das do jogo da política. E isso parece estar sendo ignorado pelos que acreditam no nacional-desenvolvimentismo do prefeito de São Paulo. Serra, como poucos, sabe que não ganha a eleição como o candidato da ruptura. Até porque parte desse espaço será ocupado por Heloísa Helena e Garotinho, se esse vier a ser o candidato do PMDB. Sendo assim, terá que fazer sinais ao mercado e um deles já vem sendo discutido. A entrega da vaga de vice-presidente ao banqueiro-senador Jorge Bornhausen. O catarinense tem seu mandato vencendo neste ano. Apesar de se manter cacique-mor do PFL nacional, sua imagem está bastante desgastada no plano local, onde terá uma disputa de alto risco pela vaga ao Senado. Por outro lado, sua indicação para parceiro de Serra seria o remédio que o mercado necessita para não desconfiar do prefeito paulistano. A parceria tucano-pefelê estaria selada nos moldes que levaram FHC à presidência. Em grande estilo conservador.
Esse estilo tem a ver com uma série de opções que um governo tem a fazer que não se restringem tão-somente a taxa de juros, algo que de fato impede o progresso do país, mas que não o molda com um todo. Tem a ver, entre outras coisas, também com a relação com os movimentos sociais e a não criminalização deles, com o papel que o Brasil tem e joga na América Latina; com a função que o Estado deve ter na promoção de políticas sociais; com a estratégia dos bancos públicos, incluindo o BNDES; com a visão e a ação em relação a temas como desigualdade racial, regional e de gênero e com o entendimento de que a escola deve ser o mais pública quanto possível em contraponto a uma opção privatista.
É a visão conservadora em relação a uma série desses temas que permite ao PFL apoiar Serra mesmo quando este faz críticas consideradas progressistas em relação aos caminhos macroeconômicos.
Se por um lado o conservadorismo macroeconômico do governo Lula faz de fato mal ao desenvolvimento do país, faz mal também ao debate político analisar todo o projeto nacional associado tão-somente à macroeconomia. Como se o destino dessas mudanças não passasse pela alteração da correlação de forças no campo da política e da sociedade. É como se apenas a alteração de rota nessa área garantisse um país mais justo e democrático. Aliás, nesse aspecto, a década de 70 responde que não.
(Fonte: Revista Fórum)
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