Giowana Cambrone Araujo *
A escritora e filósofa francesa Simone de Beauvoir, escreveu em certa feita que “Não se nasce mulher, torna-se mulher.” Essa máxima foi e me toca muito. Na época em que foi redigida, a autora traduzia para essas breves linhas que a opinião de que mulher é uma construção social. Se nasce menina, mas não necessariamente se é mulher. Somente com o contato da vida social que vai se aculturando, domesticando, aprendendo os comportamentos, condutas e afazeres que transformariam meninas em mulheres, ou pelo menos, em mulheres como a sociedade vê: mães, donas de casa, boas esposas, femininas, vaidosas e demais comportamentos tidos como femininos.
No entanto ser mulher vai muito além deste padrão. Há mulheres, que não se submetem ao controle do homem, e nem por isso deixam de ser mulheres. Há outras, que são totalmente independentes e não desejam ser esposas ou mães. Há ainda outras, que vivenciam a experiência de uma feminilidade standart, ou em stand by, que foge dos padrões de vaidade e beleza estéticas consideradas femininas, e que a sociedade transforma quase que em uma obrigação – nem todas tem paciência, para aturar horas de salão e compromissos estéticos semanais, para manter essa feminilidade imposta.
E também há aquelas mulheres que não nascem meninas. Sim, falo de travestis e transexuais. E são todas mulheres. Por que não seriam? O sexo biológico é determinado ali, quando o bebê nasce, e a sociedade impõe como se fosse o gênero certo, enquanto na verdade, a identidade de gênero é construída ao longo da vida. Então há mulheres que não nasceram meninas, mas que se tornaram mulheres.
Nascem com um sexo, mas sentem e se apercebem sendo de outro sexo. De outro gênero. Desde crianças não se sentem pertencentes aquele gênero que lhes são submetidas pela definição que lhe atribuem pela genitália. Algumas mais ousadas, logo na adolescência buscam evidenciar o desejo de ser e sentir-se mulher. Outras se aprisionam, naquela figura que não é, num corpo que não lhes pertencem.
Guerreiras, subvertem o gênero que lhes é imposto pela sociedade para buscarem a felicidade. Transformam os corpos, passando por vezes por enormes dores, para expressar a corporalidade com o qual se identificam. Se submetem aos tratamentos hormonais, que alteram o metabolismo do corpo e dos humores, para se aproximar mais da sonhada felicidade. E por muitas vezes, somente a cirurgia de readequação genital – procedimento longo e doloroso – podem transformar o corpo naquele que realmente almeja.
Muitas pessoas podem imaginar que é uma bobagem tudo isso, mas te convido para um exercício simples: imagine-se olhar o seu corpo em um espelho e ver um corpo do gênero diferente do seu. Imagine-se com um corpo invertido, trocado ao que realmente tem, e tente se colocar no lugar dessas mulheres. Ter na mente ser mulher e estar aprisionada em um corpo masculino é um sentimento de tortura, de não reconhecimento de si mesmo, de rejeição de si mesmo e que causa muita dor emocional e psíquica. E somente adequando o corpo ao que se vê, torna-se possível viver em paz e com menos sofrimento.
Digo menos, porque alivia, no entanto a sociedade estigmatiza de tal forma as mulheres trans – travestis e transexuais – que as tornam em seres invisíveis socialmente. A maioria é expulsa de casa, ou renegada pela família, não conseguem concluir os estudos por discriminação, sofrem todas as formas de preconceito e bullying, e violências diversas – psíquicas, de direitos, agressões físicas.
Nesse contexto, sobram a marginalidade social, a invisibilidade, e ganham a calçada para trabalhar, como prostitutas. Não se pode mais ver as mulheres trans como cidadãs de segunda classe, são pessoas dignas e merecedoras de direitos e respeito.
Direitos de mudança de nome e sexo, a tratamentos médicos dignos, ao uso dos nomes femininos e tratamentos adequados – principalmente em repartições públicas – o uso do banheiro feminino, oportunidade de estudo e emprego são somente algumas reivindicações que as mulheres trans lutam.
Mulheres trans, travestis ou transexuais, são ilhas cercadas de violências por todos os lados. Ajude a modificar essas concepções de preconceito e estigma. Travestis e transexuais são mulheres que transitam, transformam e acima de tudo TRANSCENDEM os próprios corpos para serem mulheres, mas sobretudo para serem FELIZES.
* Giowana Cambrone Araujo, é mulher transexual, bacharel em Administração de Empresas e Direito, advogada transexual no Estado do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Direito Constitucional e mestranda em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Foi a primeira transexual a integrar o Conselho Nacional de Políticas Culturais.
Fonte: Giowana Cambrone Araujo