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Crimes (quase) perfeitos

Frei Betto*

Às 11 da manhã, a mulher parou na Avenida Paulista, junto a um ponto de ônibus. Buscava um táxi. Súbito, um sujeito se aproximou. Aos berros, disse: “Vagabunda! Sai de casa, arruma outro e ainda quer usar o que comprei com meu dinheiro!” Arrancou o colar, a pulseira, enfiou a mão na bolsa e se afastou resmungando.

A mulher ficou paralisada, lívida. Cerca de dez pessoas no ponto de ônibus assistiram à cena, convictos de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Ao se recuperar do susto, conseguiu dizer que era bem casada e nunca vira o ladrão que desaparecera na esquina.

Ele apareceu em uma concessionária de veículos às 16h30. Examinou as ofertas e escolheu um Land Rover Discovery 4×4, zero quilômetro. Após apresentar documentos e atestado de residência, pagou, no cheque, R$ 244 mil. Feliz, saiu dirigindo.

Quarenta minutos depois o mesmo veículo retornou à concessionária; agora, conduzido por outro motorista. Queria comprar equipamentos. O gerente indagou se era parente do comprador. “Não” – disse o cliente – “acabo de pagar, em dinheiro, cento e setenta mil por este carro”.

O gerente entrou em pânico, sentiu-se vítima do cheque sem fundo. Chamou a polícia e, acompanhado do delegado, bateu na casa do primeiro comprador. Lá estava ele, tranquilo, arrumando as malas. Tinha passagem aérea para embarcar, naquela noite, para Buenos Aires.

Diante da fúria do gerente e da inquirição do delegado, o sujeito convocou seu advogado. O carro não era dele? Se quisesse, podia tê-lo vendido por R$ 1. Ou doado.

“OK” – retrucou o delegado – “mas o senhor só viaja depois que o banco abrir amanhã e ficar comprovado que o cheque tem fundos.” Impossível adiar a viagem. Na manhã seguinte teria que assinar um contrato na capital argentina e, se não aparecesse, perderia em multa US$ 200 mil. O gerente, convencido de se tratar de um estelionatário, aceitou o acordo proposto pelo advogado: o cliente suspenderia a viagem, mas se o cheque tivesse fundos ele seria ressarcido em US$ 200 mil.

O homem cancelou a viagem. Na manhã seguinte, confirmou-se: o cheque tinha fundos.

Reunida a diretoria do banco, o presidente abriu o jogo: havia provas de que o diretor-tesoureiro desviara alguns milhões de reais para a sua conta privada. Surpresos, todos encararam o acusado. Antes que ele pudesse fazer uso da palavra, o presidente acrescentou que o banco preferia evitar escândalos, de modo a preservar seu bom nome na praça. Bastava o diretor devolver o valor, em dinheiro e bens, e assinar a carta de demissão.

O acusado, imbuído de fleuma britânica, advertiu: “Em todos esses anos na tesouraria documentei inúmeras falcatruas cometidas pelos senhores e pela própria instituição bancária. Se eu for preso, os senhores também irão. Que fique bem claro: deixo hoje o banco, viajo esta noite para o exterior e a minha conta permanece intocada. De acordo?”

Ninguém discordou.

O caminhão-reboque do Detran parou à porta da faculdade. Várias motos se encontravam estacionadas de modo irregular. Os fiscais armaram a rampa na carroceria e passaram a recolhê-las. Para evitar arranhões em suas máquinas possantes, alguns motoqueiros ainda ajudaram a subi-las.

Passados menos de 30 minutos, confirmaram não se tratar do Detran…

O deputado Paulo Maluf foi acusado de pagar R$ 4,901 milhões, em 1996, quando prefeito de São Paulo, por um serviço que não foi feito na construção do Complexo Ayrton Senna, em São Paulo. Pagou com dinheiro seu (não dele), meu, nosso.

Na terça, 7 de agosto de 2007, o STF mandou arquivar o processo. Alegou que, mesmo que Maluf fosse culpado, o crime prescrevera.

Portanto, no Brasil basta prolongar o processo até o crime prescrever.

* Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto


Copyright 2015 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária ([email protected])

Fonte: Frei Betto

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A culpa é nossa, eleitor!

Frei Betto*

Continua na moda falar mal dos políticos, embora haja centenas deles éticos, competentes e atuantes em favor do povo. Infelizmente são exceções.

A maioria dos eleitos não representa os interesses populares. São lobistas investidos de mandatos e imunidade para favorecer interesses corporativos. Como a bancada do B no Congresso: bala, bola e Bíblia. Somam-se a ela a do agronegócio, a da homofobia, a das bebidas alcoólicas, a da criminalização dos menores etc.

E haja corrupção! Deputados prestigiados por empresas que financiam eleições são bajulados por colegas que fazem a fila do beija-mão para merecer grana que lhes assegure a campanha de reeleição. O mesmo se passa entre vereadores e senadores.

Essa patifaria toda é culpa dos políticos? São eles os safados? É cômodo pôr a culpa nos outros. Como o ladrão que, preso, declara que a culpa é da vítima que deixou o dinheiro à vista…

Culpados somos nós, eleitores. Nenhum parlamentar chegou lá por meio de golpe ou medida provisória. Todos foram alavancados pelo nosso voto e, sobretudo, pela força do poder econômico no processo eleitoral.

É este poder que faz a cabeça dos eleitores. Em época de eleições, capricha na embalagem sem revelar o conteúdo. Infla a demagogia. Promete o que não será cumprido. E até dá a muitos eleitores um “cala-boca” para, em troca de um saco de cimento ou uma promessa de emprego, obter o voto em favor do candidato.

Nós, eleitores, somos os culpados de toda a safadeza e a corrupção que assolam a política brasileira. Nós escolhemos quem faz as leis e governa o país. Não adianta declarar “mas eu não votei em fulano” ou “votei no candidato derrotado”.

E quando seu candidato ganhou, foi diferente? Deu exemplo de ética, fez leis favoráveis aos mais pobres, introduziu mudanças estruturais no país?

Onde reside o problema? Reside na falta de politização. Somos, hoje, uma nação despolitizada e raivosa. Diariamente somos inebriados e embriagados por propagandas que em nada contribuem para o despertar de nossa consciência.

Grande parte do que se exibe na TV e na internet é mero entretenimento, voltado ao consumismo. Ou centrada na exacerbação da violência e da pornografia. Sexo, sangue e saúde: eis a trinca que comanda o noticiário. As notícias exemplares, que exaltam a solidariedade e o altruísmo, merecem pouca ou nenhuma repercussão.

Nessa sociedade consumista, ficamos presos ao próprio umbigo. Pouco ou nada nos interessa a sorte dos mais pobres, das crianças fora da escola, dos sem- terra e dos sem-teto. Carecemos de consciência crítica e, na hora da eleição, votamos em que nos seduz com frases de efeito ou manipula os nossos medos, apregoando que bandido bom é bandido morto…

Portanto, eles chegam lá por nosso voto. E daqui de baixo a galera se contenta em falar mal deles durante quatro anos, enquanto, lá em cima, eles exibem aquele sorriso de hiena saciada.


 


 


 


* Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano – novo olhar sobre Jesus” (Fontanar), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto


 


 





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Fonte: Frei Betto

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Dois dias e duas lutas históricas para a Igualdade Racial

Almir Aguiar*

A semana marca dois fatos importantes para a população afrodescendente: os cinco anos do Estatuto da Igualdade Racial, comemorados na última segunda-feira (20), e o lançamento da Década Internacional de Afrodescendentes pela Organização das Nações Unidas (ONU) e o governo brasileiro, nesta quarta-feira (22).

A Década Internacional de Afrodescendentes, aprovada em assembleia-geral da ONU, por meio de sua Resolução n. 68/237, de 23 de dezembro de 2013, se estende até 2024 e consiste em assegurar o respeito, a proteção e a promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais aos afrodescendentes, como reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Estivemos com representantes da Central Única dos Trabalhadores no Itamaraty, no início do mês, debatendo a participação dos trabalhadores na Década. Decidimos articular ações em conjunto com artistas brasileiros e sindicatos para tornar visível a mobilização e fazer valer a resolução da ONU.

Em relação ao Estatuto da Igualdade Racial, seus 65 artigos tratam de políticas afirmativas e promoção da igualdade, na educação, cultura, lazer, saúde e trabalho, além da defesa dos direitos das comunidades quilombolas e dos adeptos de religiões de matrizes africanas.

São objetivos importantes, principalmente no que tange às cotas raciais, porém, o fato da maior parte das normas não ser obrigatória e sem previsão de penas, para seu descumprimento. Ela não desestimula situações de preconceito e racismo em nosso País, alguns escancarados, como nos casos do goleiro Aranha (ex-Santos e hoje Palmeiras) e muitos outros.

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, do IBGE, mostram que os negros são mais da metade da população brasileira. São 52,9 % do total daqueles que se declaram pretos e pardos.

Na Câmara dos Deputados, por exemplo, quase 80 % dos deputados se declararam brancos. Nos espaços acadêmicos, de um total de 387,4 mil pós-graduandos, somente 112 mil são negros. Mesmo com todos os avanços das políticas afirmativas e do Estatuto da Igualdade Racial, ainda assim, o espaço dos negros no meio acadêmico representa apenas 28,9 % do total.

Temos uma série de desafios pela frente, como a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. A população afrodescendente continua desempenhando as atividades mais precarizadas e com distorções salariais em relação aos trabalhadores brancos.

No setor bancário, o Segundo Censo da Diversidade, conquistado com muita luta pela categoria, mostrou, no ano passado, que somente 24,7 % dos trabalhadores nos bancos brasileiros são negros. Deste percentual, apenas 3,4 % se declararam pretos. A maioria se identificou como parda.

Dados do Dieese mostram que os negros ganham em média 23,7 % menos do que os bancários brancos. Em relação às mulheres negras, elas sofrem dupla discriminação. E a diferença de remuneração, em relação aos homens brancos, alcança 31,8 % .

É necessário avançar contra a discriminação no setor bancário, já que, até mesmo na questão da ascensão profissional, a dificuldade é gritante. Também é indispensável que aprofundemos a discussão sobre a reparação histórica ao povo negro e enxerguemos as péssimas condições sociais em que este segmento étnico se encontra, em razão de crimes praticados em nossa história contra seus antepassados.

É também papel dos segmentos organizados da sociedade, entre eles os sindicatos de trabalhadores, refletir e apontar ações que diminuam a desigualdade e eliminem a discriminação.

* Almir Aguiar é secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT

Fonte: Almir Aguiar

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O exemplo da Grécia

Frei Betto *


 


O governo alemão de Angela Merkel é impiedoso. Trata a Grécia como Hitler tratou a Polônia, com supremo desprezo.


 


Os nazistas invadiram a Polônia e, hoje, Merkel age com a Grécia como quem asfixia um doente terminal. O país tem uma dívida equivalente a 177 % do seu PIB e o desemprego atinge 25,6 % da força de trabalho.


 


O mundo é movido a dinheiro. A Alemanha, o Banco Central Europeu e o FMI exigem que a Grécia pague sua dívida externa. O país não tem como fazê-lo. Está quebrado. E acuado pelas potências europeias.


 


Merkel não se importa com a sorte do povo grego. Quer arrancar-lhe o pão da boca e  entregá-lo aos credores. O pão que o diabo amassaria se os gregos aceitassem o que ela propõe: aumento de impostos, corte de gastos e profunda reforma do sistema previdenciário.


 


Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego, preza o fato de seu país ser o berço da democracia. Coerente com as suas raízes, decidiu consultar o povo. Aceitamos ou não as imposições dos credores? O povo decidiu pelo “não” no domingo, 5 de julho. Nas urnas, 61 % dos eleitores votaram pelo “não”.


 


Merkel não gostou da consulta democrática e muito menos de seu resultado. E sabe que, agora, deve buscar uma saída para evitar o pior: a Grécia se retirar da zona do euro. Isso pode significar o início do fim da União Europeia. E nada impede que, amanhã, o exemplo seja seguido por outros países, como Espanha e Portugal, que estão com a corda no pescoço e acuados pela ganância alemã.


 


“Faça o que digo e não o que faço”. O adágio resume a atitude alemã. A Alemanha nunca pagou as dívidas contraídas após as duas Grandes Guerras, das quais saiu derrotada e destroçada. Para se soerguer, contraiu dívidas. E se tornou o mais rico país europeu.


 


O Acordo de Londres, de 1953, anulou mais de 60 % da dívida alemã. Em 1945, esta dívida equivalia a mais de 200 % do PIB do país. Dez anos depois caiu para menos de 20 % do PIB. Jamais a Alemanha teria feito tão significativa redução se tivesse adotado o arrocho que, agora, pretende impor à Grécia como “ajuste fiscal”.


 


Merkel se recusa a aceitar que a Grécia, para sair do buraco, adote a receita que salvou o seu país: imposto sobre as grandes fortunas e perdão de parcela significativa da dívida.


 


O governo grego pediu aos credores ampliar o programa de ajuda ao país, o que permitiria à Grécia obter mais € 7,2 bilhões e ter condições de pagar o funcionalismo e a dívida de € 1,6 bilhão com o FMI. O pedido foi negado.


 


Agora, nas negociações de Bruxelas, os gregos tentam a aprovação de uma segunda proposta: ter acesso ao programa europeu de ajuda, lançado em 2012.


 


Se não houver acordo, os gregos poderão abandonar o euro, volta ao dracma e ficar fora da União Europeia. E o exemplo pode ser seguido até mesmo pela Itália, frustrando o sonho de uma Europa unida… ao menos no uso de uma única moeda.


 


Se a crise grega se alastrar pela Europa, da qual dependem 20 % das exportações brasileiras, o Brasil sofrerá o seu reflexo.


 


 


* Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso Perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.


 





Copyright 2015 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (
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Fonte: Frei Betto

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Comunicação, novas tecnologias e formação política

na luta contra a mídia empresarial monopolista e a direita

Por Helder Molina*

A formação política e a comunicação se constituem como ferramentas e  áreas estratégicas do movimento sindical e popular, para disputa de hegemonia contra a ideologia, a política e a economia capitalistas. Disputar hegemonia é disputar projetos de mundo, de Estado, de sociedade e de seres humanos. É verdade que vivemos um tempo complexo, com profundas e aceleradas mudanças.

Já há consenso nas esquerdas políticas e sociais brasileiras de que a mídia privada, controlada por meia dúzia de famílias, manipula informações e deforma valores. Ela atua como “aparelho privado de hegemonia do capital”, conforme a clássica definição de Antonio Gramsci. Ainda segundo o intelectual italiano, ela cumpre o papel de autêntico partido das forças da direita.

Diante desse poder ditatorial, inúmeros atores sociais já perceberam que têm dois desafios simultâneos e titânicos pela frente.

O primeiro é o de quebrar a força deste exército regular das classes dominantes. Daí a urgência da luta pelo novo marco regulatório do setor.

O segundo é o de multiplicar e fortalecer os veículos próprios de comunicação das forças populares, construindo uma mídia contra-hegemônica que se contraponha às manipulações do monopólio midiático.

Estes instrumentos atuam como uma guerrilha no enfrentamento ao exército regular dos impérios midiáticos, numa prolongada operação de cerco e fustigamento.

A história do Brasil está repleta de ricas experiências de construção desta “imprensa alternativa” – desde os anarquistas, no início do século XX, passando pelos comunistas durante várias décadas, até chegar à heroica fase do jornalismo de resistência à ditadura militar. Na fase recente, estas iniciativas se multiplicaram, conectaram-se com as novas tecnologias e adquiriram novo impulso. Elas ainda não conseguiram se constituir em fortes veículos nacionais contra-hegemônicos, como já ocorre em outros países da rebelde América Latina. Mesmo dispersos, porém, estes veículos promovem a guerrilha informativa e incomodam os barões da mídia.

A força da imprensa sindica, dos blogueiros progressistas, de revistas impressas e eletrônicas como Brasil Atual, Brasil de Fato, Fórum, Caros Amigos, Carta Capital, Carta Maior, de blogs como Viomundo, do Azenha, como GGN, do Luis Nassif, Conversa Afiada, do Paulo Henrique Amorim, Brasil 247, Tijolaço, Diário do Centro do Mundo, Correio da Cidadania, Megacidadania, Altamiro Borges, Ricardo Kotscho, Eduardo Guimarães, Miguel do Rosário e seu Cafezinho, Maria Frô, Adital, Ópera Mundi, e dos partidos de esquerda, como Fundação Perseu Abramo, do PT, Fundação Lauro Campos, do PSOL, Vermelho, do PCdoB, e de entidades como CNTE, CONTRAF, CUT, CTB, entre tantos outros, são contrapontos à mídia empresarial de direita.

As formas de organização da sociedade, como sindicatos, entidades estudantis e movimentos comunitários. Neste sentido, a brecha tecnológica aberta com a descoberta e a difusão da internet permite que novos atores entrem em cena, produzam conteúdo e ampliem ainda mais o vasto campo da chamada “mídia alternativa”. No mundo inteiro, a experiência do ciberativismo, que ganhou impulso no início do século, desafia o poder dos impérios midiáticos, resultando na queda abrupta da tiragem dos jornalões, na redução da audiência de emissoras de televisão e na crise do seu modelo de gestão.

No Brasil, o mesmo fenômeno está em curso e já provoca muito barulho, incomodando os barões da mídia. Através de sites e blogs, milhares de ativistas digitais fazem o contraponto às manipulações da velha imprensa, divulgam os movimentos sociais, lutam pela ampliação da democracia no país. No seu esforço cotidiano da guerrilha informativa, eles ajudam a quebrar o monopólio da palavra da mídia monopolizada. Não é para menos que geram tanto ódio das forças autoritárias, contrárias à verdadeira liberdade de expressão. José Serra, o eterno candidato deste setor, inclusive criou o rótulo de “blogs sujos” para tentar estigmatizar estes militantes virtuais. Na sua irreverência, os blogueiros até adotaram o título.

O surgimento da blogosfera política no Brasil, caracterizada pela divergência com relação ao posicionamento de grande parte da mídia tradicional, ocorreu ao longo da década de 2000”. O primeiro “blog sujo” foi o Viomundo, criado pelo jornalista Luiz Carlos Azenha em 2003. Em 2005 nasceram os blogs de Renato Rovai e Antônio Mello; Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim, e o blog de Luis Nassif surgem em 2006; no ano seguinte nasce o Blog da Cidadania, criado por Eduardo Guimarães; já o blog Escrevinhador, de Rodrigo Vianna, apareceu em 2008.

Neste período, por todos os cantos do país – nas capitais e também em importantes cidades do interior – brotaram centenas de páginas pessoais que se contrapõem às forças políticas conservadoras e que polemizam com a mídia tradicional. Muitos jornalistas, descontentes com a cobertura enviesada da chamada grande imprensa, utilizam esta ferramenta para expor as suas posições criticas e independentes. Mas a blogosfera não se limita a este setor, permitindo que profissionais de diversas áreas exponham seus pontos de vista sobre vários temas. A maioria dos blogs ainda é produzida de forma amadora, sem recursos financeiros ou apoio logístico. Em função destes obstáculos, muitos não resistem por muito tempo.

Mesmo assim, a blogosfera foi se constituído num importante espaço da mídia contra-hegemônica. Ela atua como uma rede horizontal, sem a organicidade dos sindicatos e dos movimentos sociais estruturados, mas demonstra grande capacidade de interferir nos debates nacionais.

Na disputa de hegemonia ideológica, política e social, de classe e ação política dos trabalhadores, mais do que nunca os sindicatos precisam investir na formação político-ideológica  junto aos dirigentes, militantes, trabalhadores sindicalizados e na sociedade.

Os sindicatos devem atuar como educadores coletivos da classe para sua emancipação, e para disputar hegemonia na luta contra o capital e suas ideologias. A crise social e seus elementos sócio-regressivos só aprofundaram as tentações neocorporativas e as práticas burocráticas sob o discurso de sobrevivência e da prática possível diante das dificuldades da ofensiva do capital.

Reiteramos que, para a produção de seus valores, a burguesia conta com os aparelhos de hegemonia como o próprio Estado e suas instituições, os meios de comunicação, a educação, e etc. No caso da classe trabalhadora, ela conta com os sindicatos, os movimentos sociais e os partidos operários.

A formação humana, política e ideológica, historicamente, têm tido um papel importante e estratégico na construção coletiva da concepção sindical, de uma cultura de classe e da identidade da classe trabalhadora. Trabalha com o resgate da trajetória dos trabalhadores (as) e do seu papel enquanto agentes de transformação da sociedade. Cria as condições para que esses trabalhadores (as) possam questionar e teorizar a partir da apropriação do seu conhecimento acumulado e de sua própria prática. É um instrumento capaz de, cotidianamente, aumentar o potencial e a qualidade de intervenção do sindicato na sociedade.

O sindicato como elemento de mediação essencial para organização e consciência de classe, tem como uma de suas funções possibilitar aos trabalhadores o pleno desenvolvimento de suas potencialidades, em contraposição a modelos que se centram no discurso do educador sobre o objeto de estudo, com poder de qualificar o conhecimento do educando como certo ou errado.

Como a formação e a ação política devem enfrentar questões como racismo, machismo, e outros preconceitos na nossa sociedade e nos sindicatos? Não basta criar secretarias de mulheres e de negros ou antirracismo, a verdade é que o movimento sindical é machista, é racista, isso só se supera com combate político, enfrentando cotidianamente as manifestações, posturas, falas e gestos machistas ou preconceituosos nos sindicatos, nas assembleias, nos locais de trabalho, ajudando a problematizar, discutir e elaborar propostas, mas é preciso que isso se desdobre em outros espaços, como na empresa, no serviço público, na escola, na família, nas relações informais, na comunidade.

* Helder Molina é Professor da Faculdade de Educação da UERJ, , historiador, mestre em Educação, doutor em Políticas Publicas e Formação Humana, assessor e educador sindical

Fonte: Helder Molina

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Deus e a diversidade de gêneros

Frei Betto*

Diego Neria Lejárraga, 48, é espanhol. Nasceu mulher. Mas desde criança se sentia homem. Aos 40 anos se submeteu a cirurgias para redesignar sua sexualidade. Virou homem. O padre de sua cidade, Plasencia, acusou-o de “filha do diabo”.

Diego escreveu ao papa Francisco antes do Natal de 2014. Indagou qual o seu lugar na “casa de Deus”. Francisco telefonou duas vezes para ele. Convidou-o a Roma, a 24 de janeiro. Diego, em companhia de sua noiva, foi recebido na casa Santa Marta, onde reside o papa. Francisco demonstrou que a Igreja Católica está aberta à diversidade sexual. Ao sair do encontro, Diego disse sentir uma imensa paz.

O papa abraça a ousadia de Jesus, que defendeu a mulher adúltera do ataque dos fariseus; acolheu Madalena, que portava “sete demônios”, como discípula e primeira testemunha de sua ressurreição; e elogiou a veracidade de samaritana, que estava no sexto marido, e fez dela a primeira apóstola.

O amor e, com ele, a compaixão e a misericórdia, deve soterrar preconceitos e discriminações. “Quem sou eu para julgar os gays?”, expressou Francisco em julho de 2013, ao deixar a Jornada Mundial da Juventude, no Rio. “Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”

O papa está à frente da Igreja Católica no duplo sentido – como seu chefe e por sua atitude profeticamente evangélica. Em outubro de 2014, durante o sínodo dos bispos sobre a família, em Roma, cardeais rejeitaram a proposta de maior aceitação, na Igreja, de casais homossexuais. Francisco, que prefere a democracia a se impor como soberano absoluto (aliás, ele é o único do Ocidente), não contrariou os cardeais. Preferiu levantar uma pergunta que encurralou os prelados homofóbicos: casais homossexuais têm filhos. “Vamos deixar essas crianças fora da catequese?”

Na Parada Gay de São Paulo, a 7 de junho, a atriz transexual, Viviany Beledoni, se apresentou seminua pregada à cruz. Muitos cristãos a acusaram de “blasfêmia”. Os mesmos que não consideram pecado ou crime a homofobia, e não mexem um dedo para combater a servidão da mulher como corpo-objeto abusado e explorado por homens de todas as épocas.

No Brasil colonial os pregadores exaltavam Jesus Crucificado para que escravos se submetessem resignadamente à chibata dos senhores. Quando uma transexual utiliza a cruz como símbolo dos sofrimentos de LGBTodos, os fariseus de hoje jogam pedras na Geni… Como se a cultura machista decorresse da vontade de Deus. Isso, sim, é tomar o seu Santo Nome em vão. E querer reduzir a moralidade social à questão sexual, como enfatiza a teóloga Ivone Gebara.

Quando a violência à diversidade de gêneros se reveste de roupagem religiosa, acende o alarme de que se choca o ovo da serpente. O nazismo resultou também da perversa ideologia religiosa que acusa os judeus de “assassinos de Cristo”.

Matar é pecado mortal. Matar em nome de Deus é ainda mais grave. E não se mata apenas pela eliminação física. A morte simbólica usa as armas do preconceito e da discriminação para demonizar também os gays criados à imagem e semelhança de Deus – que não é homem nem mulher – e por ele são amados como filhos e filhas diletos.

* Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso Perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.


Copyright 2015 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária ([email protected])

Fonte: Frei Betto

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Saúde mental do trabalhador

Adilma Nunes*

O ambiente de trabalho é fator determinante em nossas vidas. Seja por que passamos a maior parte do nosso tempo, seja porque dele depende nossa representação social.

Neste sentido o ambiente organizacional reflete no nosso bem estar e na nossa SAÚDE MENTAL. As mudanças sociais  ocorridas a partir de 1980 transformaram as relações humanas tão competitivas que tornou  o trabalhador um objeto a ser manipulado pelo capital passível de  ser descartado a qualquer momento. Assim sendo  o mundo do trabalho tornou-se palco onde os atores lançam mão de todos os recursos para sua sobrevivência e muitas vezes de forma perversa, levando o trabalhador a um sentimento de angustia pela desvalorização e pelo  isolamento da quebra dos  laços sociais que antes lhe fortalecia.

Nós, enquanto dirigentes sindicais devemos discutir a forma como o trabalho está organizado em nossa sociedade, as consequências físicas e psíquicas deixando no corpo marcas visíveis e na mente a dor invisível onde ninguém tem acesso e que por muitas vezes somos julgados e injustiçados.

Os fundamentos da política  de saúde mental nos diz que todo cidadão é digno de ser identificado como pessoa e que não pode ser discriminado por exercer a sua singularidade que lhe é de direito.

*Adilma Nunes é psicóloga clínica e dirigente sindical bancária

Fonte: Adilma Nunes