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Senhora CLT

Clemente Ganz Lúcio*


 


– Senhora CLT!


Imersa em pensamentos, não atentara para o chamado. Era estanho que, naquele ano, em que completava 70 anos, declinassem tantas referências, especialmente ao seu legado.


– Senhora CLT!


Olhou, levantou-se e, como fizera outras 69 vezes, acompanhou o atendente que a conduziria à sala que bem conhecia. Encontraria velhos amigos, que cuidavam da saúde dela. A chefe geral era muito mais nova que todos. Nascera em 1988, em um parto difícil. Maternidade e paternidade atribuídas a muitos. Apesar de jovem, já sustentava o mais longo período democrático do país, o que revelava sua força e beleza. Sabia que jovem a admirava e queria vê-la forte e com muita saúde. Os demais já eram velhos conhecidos. Sindicatos, federações, confederações, centrais sindicais, ministérios, justiça, associações, ordens, conselhos, entre outros.


Estava mais ansiosa. Por quê? Fazia regularmente os exames e ouvia diferentes diagnósticos. Todos valorizavam o legado dela, falavam do papel que teve no passado e os desafios que teria no futuro, preconizavam condutas, valores e ideários. Sempre que entrava naquela sala ampla, admirava a beleza da chefe geral, capaz de reunir nos frágeis braços o interesse geral de todos. Conhecia os interesses específicos de cada um e sabia que a soma destes não resultavam no interesse geral. Sempre se perguntava: Como consegue?


– Como vai? – perguntaram a ela.


Sabia que teria uma recomendação para qualquer resposta, por isso, simplesmente sorriu. Trouxera uma pilha de exames, mas sabia que todos tinham cópias. Um de cada vez, os vários especialistas anunciaram o diagnóstico de cada órgão e função. Nada ficava sem crítica.


– Obrigada pela atenção e pelos cuidados e recomendações. Quero falar o que se passa aqui – disse indicando o coração e o peito. Sentia-se diferente, queria falar!


– Nasci há 70 anos, também de parto difícil. Levei um tempo para me situar. A história é longa. Mas, o que me angustia hoje é o nosso futuro e o meu papel nisso tudo.
Todos se mexiam nas cadeiras, não gostavam de falar sobre o futuro. A chefe geral redobrou a atenção. Sorria.


– Conheço a vida dos brasileiros e de outros que aqui vivem e trabalham. País rico e dramaticamente desigual, onde milhões de trabalhadores vivem sem bem-estar social e sem qualidade de vida. Curioso, trabalham e vivem mal! Ah! Há aqueles que vivem mal porque não conseguem trabalho. Outros são tão pobres que…


Calou-se. Não entendia como isso podia ser possível. Depois, continuou.


– Fui criada para elevar o padrão de humanidade para homens e mulheres no mundo do trabalho. Cada pessoa é uma humanidade, disse Mia Couto em um conto. Trouxe-me alívio porque, a cada nova pessoa que protejo, é a humanidade que promovo. Essa humanidade que deveria ser óbvia, produzida e promovida a cada encontro, em cada relação.


Todos se olhavam preocupados. Pensavam: afinal, onde vai parar aquela conversa?


– Tenho a tarefa de proteger e promover a qualidade de vida no mundo do trabalho. Sei que, apesar das diferenças, todos reconhecem o nosso esforço. Alguns me consideram complicada, cheia de detalhes ou querendo tudo resolver. Fizeram-me assim! Perguntam-me se posso mudar. Respondo: devo mudar! Afinal, são tantas as mudanças no mundo do trabalho que somente isso já exigiria a minha permanente adequação, aperfeiçoando minha capacidade de promover boas condições de trabalho. Mas, no fundo, não é isso que me preocupa. Quero ajudar o desenvolvimento do meu país para que todos tenham bem-estar e qualidade de vida. Há algo de errado nisso?


Havia certo desconforto, mas também era possível detectar muita curiosidade entre os presentes. Estando ciente disso, a Senhora CLT continuou.


– Diferentemente dos diagnósticos do passado, continuamos surpresos com os últimos resultados. É inacreditável a mudança do quadro de proteção, com os milhões de empregos formais criados, não? Mas, ainda temos milhões de trabalhadores assalariados sem proteção. E os milhões que não são assalariados e que vivem sem a minha proteção? E mesmo entre os assalariados, há muita precarização. Não seria possível e desejável que todos tivessem os mesmos direitos? Espanta-me que me responsabilizem pela minha ausência. O que de fato querem? Uma eterna mãe? Cresçam! Sei, sei… Há enormes dificuldades para construir a proteção que demandam a partir das relações diretas, não? Por que não apostam efetivamente em ampliar as bases da proteção por meio da negociação? Porque falta o sujeito que promove capacidade, força. Pois aqui há uma mudança que deveria ser promovida: apostar e investir na negociação, em todos os níveis, desde o local de trabalho até as grandes negociações. Sinto que nisso sou meio culpada! Tenho dificuldades para me libertar. Penso muito sobre como apostar na democracia como base estruturante de um sistema de relações de trabalho construído, nas relações assalariadas, a partir da efetiva organização sindical desde o chão da empresa. Olho para minhas coirmãs no mundo e vejo que países fortes contam com sindicatos fortes, organizados desde o local de trabalho. Por que temos tanto medo de apostar nisso? Temos medo de ser grandes e fortes? Os conflitos, inerentes às relações de trabalho, poderiam ser tratados e enfrentados onde ocorrem. Mas, para isso, é preciso apostar na formação dos sujeitos de representação coletiva, que reequilibre as desigualdades presentes nas relações de trabalho. Sim, estou falando da representação sindical no local de trabalho.


Neste momento, a curiosidade entre os presentes aumentou e a Senhora CLT, ao perceber o interesse que sua fala suscitava, continuou animada.


– Perguntam-me: e a nossa cultura? Ao que respondo: falta confiança! Para que arranjar “sarna para se coçar”? São frágeis os argumentos ou será que encobrem verdadeiros motivos? Creio que é necessário que a negociação promova o pleno cumprimento do direito à proteção em cada contexto e situação concreta. A flexibilidade não é com o objeto do direito, mas como ele efetivamente se materializa em cada contexto. As diferentes situações não justificam a desigualdade na observância da proteção, mas as desigualdades econômicas das empresas devem ser consideradas para que se promova a efetiva proteção. Ou não? As questões são muitas. Mas, enfim, não difundiremos a prática da proteção se carecemos dos sujeitos coletivos capazes de fazer emergir, sempre e em cada lugar, uma cultura da melhor proteção, fruto da adaptação ao contexto, somente possível pela prática viva da sua construção na relação de regulação que a negociação permite.


Percebendo que os ouvintes permaneciam interessados e ficaram receptivos aos argumentos que usava, concluiu:


– O caminho não é longo. É permanente! Sem sujeito, não há história, não há sociedade. É no encontro que descortinamos possibilidades. A forma inteligente de descoberta, nas relações de trabalho, chama-se negociação. Seria outra, mais forte e leve, se apostássemos verdadeiramente nesse fundamento. A minha verdadeira força não está na obrigatoriedade. Apesar de saber que ela é necessária, porque a vida é dura. Serei forte mesmo quando aquilo a que me proponho for resultado de relações efetivamente construídas com essa intenção.


Todos olhavam os exames, que pouco diziam sobre o futuro. Aquela conversa exigia a construção de outro paradigma de relação. Eles também precisariam mudar.


 


* Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do Conselho de Administração do CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos.

Fonte: Clemente Ganz Lúcio

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Brasil e Nero

Frei Betto *


Ando às tontas com a conjuntura brasileira. Na economia, os índices lembram uma gangorra. Os investidores trafegam em areia movediça.


O Banco Central, frente ao dólar, lembra meu avô com seu cão Nero. Preso no quintal, este se inquietava quando à casa se aproximava uma visita. Os latidos prenunciavam a abertura do portão. Tão logo meu avô dava as boas vindas ao visitante, Nero, assanhado, livrava-se da coleira que o prendia ao canil e avançava sobre o estranho. Meu avô cobria o animal de safanões, desdobrado em desculpas.


A trégua era pouca. De novo, vinha Nero acelerado, rosnando, avançando sobre o estranho que lhe despertava o ciúme.


O dólar sobe, o Banco Central se empenha em abatê-lo, os investidores estrangeiros dão sinais de abandonar o barco Brasil, o governo acena com benesses e discursos otimistas.


Como denunciou o papa Francisco, se a Bolsa cai, acende-se nas elites o alarme da inquietação. O ouro transformado em pó de mico. Se, em consequência, a miséria aumenta, quem se importa, exceto os que não têm ações e sofrem a fome? Dois pontos a menos na Bolsa causam mais preocupação na mídia que duas mil pessoas levadas à morte por dia por falta de nutrientes básicos.


Enquanto a economia navega ao sabor de ventos imprevistos, o governo se arma de medidas “contracíclicas” a fim de manter acorrentado o dragão da inflação. Como meu avô se esforçava com Nero. “Qualquer desatenção, faça não. Pode ser a gota d’água”, alerta Chico Buarque. Tudo de olho nas eleições de 2014, o Norte que imanta a bússola Brasil.


Até maio tudo parecia sob controle, com altos índices de aprovação bafejando o ego do governo. Até que as ruas transbordaram de manifestantes. A nação, deitada em berço esplêndido, acordou.


Houve melhorias em 10 anos de governo do PT? Sem dúvida. Aí estão os Índices de Desenvolvimento Humano dos Municípios divulgados pelo IPEA; a queda significativa do valor da cesta básica; o aumento da renda e da longevidade dos brasileiros.


Vejam nossas ruas: entupidas de carros facilitados por créditos abundantes e prestações que quase se estendem ao Juízo Final.


Tudo parecia o país de Alice, uma maravilha! A desoneração da linha branca permitiu, a grande número de famílias brasileiras de baixa renda, adquirir geladeira, fogão, máquina de lavar e outros eletrodomésticos.


No interior do Nordeste o jegue deu lugar à moto e, na Amazônia, o remo ao motor de popa. Qual fênix livre das cinzas da pobreza, o brasileiro criou asas e alcançou melhores condições de vida. Os aeroportos, repletos, perderam o glamour de espaço reservado à elite. Chinelos de dedos são vistos nas salas de espera e, fora do país, o comércio aprende meia dúzia de palavras em português para bem receber esses turistas que, por semestre, despejam bilhões de dólares nos balcões das lojas.


Alice se transformou em bruxa? O que sucedeu? Se tudo ia bem, por que tantos protestos?


O governo subestimou o senso crítico do povo. Não criou canais de diálogo com os movimentos sociais (tolerados, mas não valorizados), nem com a base aliada. Súbito, viu Nero insatisfeito soltar-se da corrente.


O que deseja essa gente? Simples, caro Watson. Em países desenvolvidos, como Inglaterra, Holanda e Suécia, primeiro o governo assegurou à população bens coletivos, como transporte, educação e saúde. A “linha pública” precedeu a linha branca.


No Brasil, enveredou-se pela via contrária. Temos geladeiras, mas há que tomar cuidado para não beber muita água gelada. Pode irritar a garganta e causar rouquidão. O SUS, nosso sistema público de saúde, tem a (des)qualidade de nossos ônibus urbanos, e os planos privados de saúde se equivalem a uma matrícula mensal em escola particular.


O governo alegava falta de recursos para atender às demandas dos bens coletivos. O povo, paciente, acreditou. Até que o Brasil se transformou num imenso parque desportivo: Copa das Confederações; Copa do Mundo; Olimpíadas e Paraolimpíadas. Como na história infantil de “João e o pé de feijão”, estádios fabulosos brotaram como por encanto do chão. Até o Maracanã mereceu nova reforma, para gáudio das empreiteiras.


Ora, como não há dinheiro para ampliar o metrô, qualificar a educação e tornar acessível aos pobres o bom atendimento de saúde?


O rei está nu e a base aliada não sabe agora com que roupa comparecerá nas eleições de 2014. O governo federal vacila, ou melhor, oscila entre permanecer refém da promíscua aliança consagrada pelo “toma lá, dá cá” e as reformas de estruturas – política, tributária, agrária etc. – pelas quais a nação clama há um século e, em resposta, escuta apenas promessas que jamais se tornam realidade.


Pior que um bando de vândalos sair pelas ruas quebrando o patrimônio público e privado é usar recursos públicos para alimentar a ganância insaciável da especulação financeira e dos que mamam nas tetas do Estado graças às licitações fajutas e às obras faraônicas onde a corrupção grassa sem que os olhos da fiscalização enxerguem e o braço da punição alcance.


 


* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
www.freibetto.org    twitter: @freibetto.






Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquermeio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (
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Fonte: Frei Betto

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Carta da Vó


Frei Betto *


 


Querido neto,


Daqui das alturas celestiais, olho espantada e surpresa as mudanças no Brasil. Nunca pensei que essa garotada fosse trocar as baladas pelas ruas, o consumismo pelos protestos, a democracia delegativa pela democracia participativa.


Pegos de calça curta, o governo federal e o Congresso deram início ao debate e aprovação de questões engavetadas há décadas: reforma política, projeto que classifica as práticas de corrupção ativa e passiva de crime hediondo, voto secreto, exigência de ficha limpa para funcionários do legislativo, 75 % dos royalties do pré-sal para a educação e 25 % para a saúde. O projeto sobre a Cura Gay foi arquivado, assim como a PEC 37. O diálogo com os movimentos sociais deverá se iniciar. E governos estaduais e prefeitos reduziram tarifas de transportes públicos.


Como as velhas raposas da política brasileira não têm mesmo vergonha na cara, adotaram o Passe Livre nos jatinhos da FAB e embarcaram parentes e amigos rumo a festas de casamentos e jogos de futebol. Tiveram que ressarcir os cofres públicos e, agora, espero que haja transparência no uso de aviões pertencentes ao poder público.


Os campeões de aprovação em pesquisas de opinião pública despencaram e o jogo eleitoral de 2014 embaralhou.


Espero que essa juventude tão ousada não fique apenas nos protestos, mas tenha também propostas, projetos, programas. Ecrie condutos políticos para revolucionar o país, de modo a aprimorar a democracia participativa.


Enganam-se os partidos pensando que são os únicos condutos políticos. Democracia não é sinônimo de partidocracia. É governo do povo, para o povo, com o povo. E é isso que as ruas demonstram: o anseio de um governo que sirva ao povo e atenda as suas justas reivindicações, e não aos interesses do agronegócio e do capital financeiro. Quefaça finalmente a reforma agrária, sem a qual o Brasil digno e livre não terá futuro.


É preciso organizar a esperança. Tornar essa garotada viciada em utopia, como ocorreu com a sua geração que tinha 20 anos na década de 1960. Vocês não queriamapenas mudar o cabelo, a moda e a sexualidade. Queriam mudar o Brasil e o mundo. Para o bem ou para o mal, toda realidade é fruto de sonhos.


Peço ao bom Deus que não permita que essa juventude que inundou as ruas do Brasil seja tomada pelo cansaço, pela decepção e pela desesperança. Espero que não seja cooptada pelo sistema, como ocorreu com a esquerda europeia após a queda do Muro de Berlim, nem pelo pragmatismo da chamada governabilidade, que levou partidos progressistas do Brasil a se atrelarem ao caciquismo das velhas raposas que ainda hoje fazem da política brasileira seu galinheiro.


Minha esperança é que a reforma política venha a aposentar todos esses carreiristas que jamais governaram em defesa dos direitos dos pobres e mudar todas essas instituições que garantem a eles imunidade e impunidade.


Bênçãos de sua vó Zina.


 


* Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
www.freibetto.org    twitter: @freibetto.






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Fonte: Frei Betto

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Paradoxos da qualidade Brasil

Frei Betto *



O Brasil melhora em quantidade e tropeça em qualidade. O IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano) de 5.565 municípios brasileiros, divulgado pelo IPEA a 29 de julho, subiu 47,5 % nos últimos 20 anos.


Em 1991, o índice de municípios com IDH “muito baixo” era de 85,8 % . Hoje, apenas 0,6 % . Naquele ano, nenhum município mereceu a classificação de “muito alto”. Em 2000, apenas São Caetano do Sul, no ABC paulista. Agora, 44 municípios brasileiros têm IDH “muito alto”, entre os quais Belo Horizonte, que ocupa a 20ª posição.


Nosso país melhorou na longevidade, no crescimento da renda da população e na educação. Em 20 anos, a vida média do brasileiro passou de 64,7 anos para 73,9. A renda cresceu 14,2 % . Um ganho de R$ 346,31.


Mas é bom não esquecer que, se há dez galinhas e dez pessoas, não significa que há uma galinha para cada pessoa. Uma delas pode ser dona de 9. Nossa distribuição de renda ainda é das piores do mundo. Basta lembrar que o Brasil é a quarta maior fortuna em paraísos fiscais!


Bilionários brasileiros vivem se queixando dos impostos. Da boca para fora. Pesquisa aponta o Brasil como a quarta fortuna mundial em paraísos fiscais: US$ 520 bilhões (mais de R$ 1 trilhão ou quase 1/3 do PIB brasileiro, que foi de R$ 3,6 trilhões em 2010). Tudo dinheiro sonegado.


Nem tudo são rosas também em nosso IDH. Quase 30 % das cidades brasileiras têm IDH “muito baixo” no quesito educação. E apenas 5 cidades merecem o índice “muito alto”.


A educação é o grande entrave da qualidade Brasil. Menos da metade de nossos jovens de 18 a 20 anos termina o ensino médio: 41 % dos alunos. Há 20 anos, apenas 13 % dos alunos não se diplomavam no ensino médio. Nisso o Brasil anda a passo de caranguejo, para trás. Se 59 % dos jovens não possuem ensino médio completo, fica difícil para o nosso país suprir seu atual déficit de profissionais qualificados, como médicos e engenheiros.


“O Brasil avançou na universalização do acesso à educação. Agora é preciso universalizar a aprendizagem”, afirma Priscila Cruz, do Todos pela Educação. E resgatar a qualidade de nossas escola públicas, hoje sucateadas.


O Distrito Federal possui o melhor IDH entre as unidades de nossa federação. Minas ocupa o 9º lugar. Entre as capitais, Belo Horizonte fica em 5º lugar, atrás de Florianópolis, Vitória, Brasília e Curitiba. Alagoas e sua capital, Maceió, amargam o mais baixo IDH brasileiro.


Convém salientar que 99 % dos municípios com IDH em educação “alto” ou “muito alto” ficaram abaixo das notas consideradas satisfatórias, em Língua Portuguesa e Matemática, na Prova Brasil de 2011.


Os problemas de nosso ensino médio são a falta de qualidade (sem tempo integral, informática, laboratórios, e com professores mal remunerados e sem formação contínua) e o abismo entre o que se ensina e a realidade em que vivem os nossos jovens (falta de pedagogia e adequação às novas tecnologias).


Em 2009, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) classificou o Brasil na 53ª posição entre 65 países, atrás do México, Uruguai e Chile. Raros os alunos de nossas universidades que conseguem escrever uma simples carta sem graves erros de concordância. Falta à maioria o hábito de frequentar a boa literatura.


É preciso ouvir a voz das ruas. De nossos jovens, 85,2 % consideram a educação prioridade. O governo federal não pode continuar, em matéria de educação, em passos de escola de dança, um para frente e dois para trás, como no caso dos cursos de medicina. É urgente a aplicação de ao menos 10 % do PIB na educação, o incremento do ensino profissionalizante e o resgate da escola pública gratuita, em tempo integral e de qualidade.


Em conferência para mais de 5 mil profissionais do ensino, em Brasília, pedi que levantassem as mãos quem era professor. Quase todos o fizeram. Em seguida, pedi que fizessem o mesmo gesto quem sonha em ter o filho ou a filha no magistério. Pouquíssimas mãos se ergueram. Triste o país que não se orgulha de seus professores, concedendo-lhes condições dignas e qualificadas de trabalho.



Frei Betto é escritor, autor de “Alfabetto – autobiografia escolar” (Ática), entre outros livros.
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Fonte: Frei Betto

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Frutos da jornada

Frei Betto *


Em pleno inverno, a presença do papa Francisco no Brasil, para participar da JMJ, foi uma calorosa primavera. Ele trouxe alegria, esbanjou sorrisos, beijou crianças, apertou as mãos do povo.


Os frutos dessa inesquecível visita podem ser resumidos em 15 pontos:


1. Francisco quer uma Igreja “pra fora”, desenclausurada, missionária, engajada na periferia e servidora dos pobres;


2. Na favela de Varginha, ele delineou seu perfil de Igreja: “advogada da justiça e defensora dos pobres diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas que clamam ao céu”;


3. Nossa atuação pastoral deve dedicar especial atenção às crianças, aos jovens e aos idosos. Os primeiros, por encarnarem o futuro; os segundos, por guardarem sabedoria;


4. Há que combater a corrupção e, ao mesmo tempo, alentar a esperança em “um mundo mais justo e solidário”;


5. A solidariedade – “quase um palavrão”, disse o papa – deve ser o eixo de nossa pastoral, disposta a “colocar mais água no feijão”;


6. Devemos combater a “cultura do descartável”, que ignora o valor das pessoas e estimula o consumismo e o hedonismo;


7. Precisamos saber “perder tempo” com os pobres, saber escutá-los;


8. A Igreja deve espelhar a simplicidade de Jesus, como Francisco de Assis e o papa Francisco, que dispensou a capa de arminho, os sapatos vermelhos, o anel e a cruz de ouro, os títulos de Sumo Pontífice e Sua Santidade, por preferir ser chamado apenas de papa, bispo de Roma, servo dos servos de Deus;


9. A segurança dos cristãos deve estar na confiança em Deus, e não no excessivo conforto que nos afastam dos pobres e do povo;


10. É preciso recuperar a confiança dos jovens nas instituições políticas, alentá-los na esperança; e “reabilitar a política, uma das formas mais altas de caridade”;


11. A política deve “evitar o elitismo e erradicar a pobreza”, condenando os opressores, como fez o profeta Amós ao denunciar que “vendem o justo por dinheiro e o pobre por um par de sandálias”;


12. Precisamos promover a “cultura do encontro”, favorecendo o diálogo sem preconceitos, combatendo os fundamentalismos e as segregações;


13. A sociedade futura, “mais justa, não é um sonho fantasioso”, mas algo que podemos alcançar.


14. Os jovens devem ser os “protagonistas da história”, construtores do futuro, de um mundo melhor.


15. As manifestações dos jovens nas ruas merecem o nosso apoio, pois eles “saíram nas ruas do mundo para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna.”


Francisco iniciou a reforma da Igreja pelo papado, como quem está convencido de que, para mudar o mundo, é preciso primeiro mudar a si mesmo. Agora, há algo de novo na barca de Pedro, cujas velas são tocadas pelo sopro do Espírito Santo.


 



* Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
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Fonte: Frei Betto

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Cura gay, modesta contribuição

Frei Betto *


É esperançosa a mensagem do papa, mas ao contrário do que diz Francisco, o problema no Brasil é o lobby antigay.


“Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas integrados à sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é fazer lobby.”


São palavras do papa Francisco ao deixar o Brasil, no voo entre Rio e Roma. A mensagem é esperançosa, mas o problema no Brasil é o lobby antigay, liderado pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.


Deputados que consideram a homossexualidade uma doença propõem a Cura Gay. Querem alterar a resolução do Conselho Federal de Psicologia, que impede seus profissionais de tratar homossexuais como doentes. O que é um gay? Como diz a palavra inglesa, é uma pessoa alegre. Se os homossexuais são felizes, por que submetê-los à terapia?


Terapia é própria para obsessivos, como é o caso de quem odeia constatar que homossexual é uma pessoa feliz. Isto sim é doença: a homofobia, aliás, como toda fobia. E há inúmeras: desde a eleuterofobia, o medo da liberdade que, com certeza, caracteriza os fundamentalistas, até a malaxofobia, o medo de amar sobretudo quem de nós difere.


Sugiro aos deputados cortar o mal pela raiz: proibir a promíscua narrativa de “Branca de Neve e os Sete Anões”, a relação pedófila entre “O Lobo Mau e a Chapeuzinho Vermelho” e, na Bíblia, o relato da íntima ligação entre Jônatas e Davi, aquele que “ele amava como a sua própria alma”. (1 Livro de Samuel, 18).


Segundo censo do IBGE, há no Brasil 60 mil casais assumidamente gays. São pelo menos 120 mil pessoas que, em princípio, deveriam ser “submetidas a tratamento”. Considerando que a Parada de Orgulho LGBT reúne, em São Paulo, cerca de 4 milhões de pessoas, haveria que construir uma clínica do tamanho de 50 Maracanãs para abrigar toda essa gente.


O processo terapêutico certamente teria início com uma sessão de exorcismo, já que, no fundo, a obsessão fundamentalista considera a homossexualidade muito mais coisa do demônio do que doença.


Outra sugestão é comprar um armário para cada gay e obrigá-lo a ficar lá dentro. Dizem os moralistas que qualquer um tem direito de ser gay, não deve é sair do armário.


Imagino que, terminado o processo de Cura Gay, haverá uma grande Parada de Ex-Gays subindo a rampa da Câmara em Brasília para agradecer aos deputados que, iluminados, aprovaram a medida.


Ainda que todos os gays sejam confinados na clínica dos deputados, de uma coisa não poderão se queixar: será divertido contar ali com shows de Daniela Mercury e sir Elton Hercules John.


Saiba Feliciano que Alan Chambers, ex-presidente da associação Exodus International, destinada a curar gays, declarou em junho deste ano que também é gay, pediu perdão pelos sofrimentos causados a homossexuais e fechou a entidade.


À luz do Evangelho, o melhor é seguir o conselho de santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres.” Ou, como diz Francisco, sejamos todos irmãos.



* Frei Betto é escritor, autor de “O que a Vida me Ensinou” (Saraiva), entre outros livros
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Fonte: Frei Betto

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A jornada do papa Francisco e uma reflexão sobre o sindicalismo

Almir Aguiar *


A primeira viagem do novo Papa Francisco ao exterior, para presidir no Rio de Janeiro a Jornada Mundial da Juventude, reveste-se de uma série de significados, discutidos nas redes sociais, mas salta aos nossos olhos a necessidade do surgimento de novas lideranças cristãs em todo o mundo, para o Catolicismo.


A Folha de São Paulo mostrou-nos há dias uma pesquisa do Data Folha, segundo a qual o Brasil, que já foi o maior país católico do mundo, com 95 % de adeptos nos anos 50/60, hoje, meio século depois, detém a menor marca dos últimas décadas: 57 % , fruto da acomodação de uma maioria que permaneceu inerte, ou fruto da antiga divisão interna entre progressistas e conservadores, quem sabe comprometimentos políticos conservadores, distanciados dos interesses do povo, etc. Não seria errado supor que muitas outras organizações estão a precisar, também, de reencontrar seu fóco.


O surgimento do Cristianismo há 2000 anos foi a primeira grande revolução que mudou o Ocidente para sempre, com sua filosofia humanista e solidária a empregar o método da não violência. Segundo ele todos os homens são iguais em dignidade, são irmãos. O pensamento cristão está presente hoje na luta dos trabalhadores em diferentes ideologias por um mundo melhor, na defesa do estado democrático de direito, na construção das liberdades públicas, na solidariedade, nos direitos sociais e em todos os pleitos por justiça. Sabemos que ocorreram desvios ao longo da história da vida cristã, mas a chama do idealismo e da fraternidade nunca se apagou.


Neste momento em que o Brasil recebe o Papa Francisco, apresenta-se a oportunidade de meditarmos que até o Cristianismo quer ouvir seus fiéis, para que eles prossigam na religião e estejam preparados para enfrentar as questões do mundo atual. E Francisco se tornou pobre e simples pelo espírito para marcar seu pontificado, ao assumir o nome do santo de Assis, quem melhor compreendeu o legado de Cristo e quem mais se aproxima hoje dos que lutam por um mundo de conteúdo humanista, com menos consumismo, que recusa a ostentação da riqueza, a vaidade e o poder pelo poder. É o santo dos que não se vendem por nenhum preço e nenhum favor. E este é o Papa que tenta dar nova vida aos valores cristãos e pretende corrigir os desvios dos rumos incertos dos homens em suas aventuras pela vida.


Para mim, a atividade sindical nos ensina, no dia-a-dia, uma lição de vida parecida com a do Cristianismo: lutas e superações para conquistar o bem comum. Mas sabemos também ser preciso falar duro com os poderosos, com os insensíveis que não respeitam os direitos dos trabalhadores. E vemos neste momento o laço comum da necessidade de nos atualizarmos permanentemente, como também as nossas práticas de luta. É preciso refletir sobre o futuro e investir na formação de novos quadros para a militância democrática, porque não somos eternos. E assim como a Igreja quer ouvir e conhecer melhor seu povo, renovar-se e enfrentar as questões que o mundo atual, nós, sindicalistas, comprometidos com o aperfeiçoamento do regime democrático, também devemos procurar ouvir os novos sindicalistas: saber o que pensam da vida, quais suas metas e objetivos, o que querem os jovens trabalhadores, qual discurso devemos utilizar para caminharmos juntos, sem corrermos o risco de estarmos a viver a irrepresentatividade, há pouco revelada nas manifestações das ruas, nem estarmos dissociados daqueles a quem pensamos representar.


Está mais do que na hora de ajustarmos a prática ao discurso e avaliarmos os critérios das alianças que temos ajudado a defender no cenário político nacional, em nome da governabilidade, quando na verdade estas alianças podem estar nos afastando da pureza dos nossos ideais e nos mantendo ligados aos que reprimem e exploram os irmãos.


São pensamentos que me ocorrem e que nos devem levar a fazer uma reflexão sincera, quando ouvimos o Papa Francisco, aqui no Rio de Janeiro, a dizer palavras simples e belas voltadas para a construção de um mundo melhor. Que sejamos capazes de refletir, imbuídos do amor ao outro, do respeito ao companheiro, defendendo os direitos da coletividade e tudo aquilo que possa tornar a vida, melhor para todos os seres que nos acompanham nesta jornada sagrada que é a vida.


* Almir Aguiar é presidente reeleito do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, e coordenador do Site Observatório do Trabalho e da Cidadania

Fonte: Por Almir Aguiar

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Boas-vindas ao Papa Chico

Frei Betto*


Querido papa Francisco, o povo brasileiro o espera de braços e coração abertos. Graças à sua eleição, o papado adquire agora um rosto mais alegre.


O senhor incutiu em todos nós renovadas esperanças na Igreja Católica ao tomar atitudes mais próximas ao Evangelho de Jesus que às rubricas monárquicas predominantes no Vaticano: uma vez eleito, retornou pessoalmente ao hotel de três estrelas em que se hospedara em Roma, para pagar a conta; no Vaticano, decidiu morar na Casa Santa Marta, alojamento de hóspedes, e não na residência pontifícia, quase um palácio principesco; almoça no refeitório dos funcionários e não admite lugar marcado, variando de mesa e companhias a cada dia; mandou prender o padre diretor do banco do Vaticano, envolvido em falcatrua de 20 milhões de euros.


Em Lampedusa, onde aportam os imigrantes africanos que sobrevivem à travessia marítima (na qual já morreram 20 mil pessoas) e buscam melhores condições de vida na Europa, o senhor criticou a “globalização da indiferença” e aqueles que, no anonimato, movem os índices econômicos e financeiros, condenando multidões ao desemprego e à miséria.


Um Brasil diferente o espera. Como se Deus, para abrilhantar ainda mais a Jornada Mundial da Juventude, tivesse mobilizado os nossos jovens que, nas últimas semanas, inundam nossas ruas, expressando sonhos e reivindicações. Sobretudo, a esperança em um Brasil e um mundo melhores.


É fato que nossas autoridades eclesiásticas e civis não tiveram o cuidado de deixá-lo mais tempo com os jovens. Segundo a programação oficial, o senhor terá mais encontros com aqueles que ora nos governam ou dirigem a Igreja no Brasil do que com aqueles que são alvos e protagonistas dessa jornada.


Enquanto nosso povo vive um momento de democracia direta nas ruas, os organizadores de sua visita cuidam de aprisioná-lo em palácios e salões. Assim como seus discursos sofrem, agora, modificações em Roma para estarem mais afinados com o clamor da juventude brasileira, tomara que o senhor altere aqui o programa que lhe prepararam e dedique mais tempo ao diálogo com os jovens.


Não faz sentido, por exemplo, o senhor benzer, na prefeitura do Rio, as bandeiras dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. São eventos esportivos acima de toda diversidade religiosa, cultural, étnica, nacional e política.


Por que o chefe da Igreja Católica fazer esse gesto simbólico de abençoar bandeiras de dois eventos que nada têm de religioso, embora contenham valores evangélicos por zerar divergências entre nações e promover a paz? Talvez seja o único momento em que atletas da Coreia do Norte e dos EUA se confraternizarão.


Como nos sentiríamos se elas fossem abençoadas por um rabino ou uma autoridade religiosa muçulmana?


Nos pronunciamentos que fará no Brasil, o senhor deixará claro a que veio. Ao ser eleito e proclamado, declarou à multidão reunida na Praça de São Pedro, em Roma, que os cardeais foram buscar um pontífice “no fim do mundo.”


Tomara que o seu pontificado represente também o início de um novo tempo para a Igreja Católica, livre do moralismo, do clericalismo, da desconfiança frente à pós-modernidade.  Uma Igreja que ponha fim ao celibato obrigatório, à proibição de uso de preservativos, à exclusão da mulher do acesso ao sacerdócio.


Igreja que reincorpore os padres casados ao ministério sacerdotal, dialogue sem arrogância com as diferentes tradições religiosas, abra-se aos avanços da ciência, assuma o seu papel profético de, em nome de Jesus, denunciar as causas da miséria, das desigualdades sociais, dos fluxos migratórios, da devastação da natureza.


Os jovens esperam da Igreja uma comunidade alegre, despojada, sem luxos e ostentações, capaz de refletir a face do Jovem de Nazaré, e na qual o amor encontre sempre a sua morada.


Bem-vindo ao Brasil, papa Chico! Se os argentinos merecidamente se orgulham de ter um patrício como sucessor de Pedro, saiba que aqui todos nos contentamos em saber que Deus é brasileiro!


* Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.






Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (
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Fonte: Frei Betto

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Protesto! E o que proponho?

Frei  Betto *


Que  conceito de desenvolvimento é esse que implica na destruição do meio ambiente  e na exclusão de bilhões de pessoas do direito a uma vida digna e  feliz?


No altar da  concepção capitalista de desenvolvimento, 25 milhões de pessoas, a maioria  jovens, são condenadas ao desemprego nos países da União  Europeia.


Em todo o mundo,  uma insatisfação paira no coração dos jovens. Ela não se reflete apenas na  irreverência do corte de cabelo, no jeans esfarrapado, nas tatuagens e nos  piercings. Emerge principalmente nas manifestações de rua que se propagam  mundo afora: Seattle 1999 (contra a Organização Mundial do Comércio); Davos  2000 (contra os donos do dinheiro); Inglaterra 2010 (contra os cortes no  orçamento da Educação); Tunísia 2010-2011 (derrubada do presidente); Egito  2011 (derrubada do presidente); Nova York 2011 (Occupy Wall Street);  Istambul 2013 (por mais democracia); Brasil 2013. 


Há um denominador comum  em todos esses movimentos: os jovens sabem o que não querem (ditadura,  neoliberalismo, desemprego, corte de direitos sociais, alta do custo de vida  etc.), mas não têm clareza do que  propor.


Devido ao alto  índice de corrupção nos partidos políticos, e a cooptação operada pelo poder  do capital, a ponto de a esquerda desaparecer na Europa, a juventude não  identifica nos partidos condutos capazes de representar os anseios populares e  criarem alternativas de poder. 


Como previu Robert  Michels em 1911, os partidos progressistas facilmente se deixam domesticar  pelas benesses burguesas quando se tornam governo. Trocam o projeto de país  pelo projeto de poder; afastam-se dos movimentos sociais e se aproximam de  seus antigos adversários; deixam de questionar o capitalismo para propor  medidas cosméticas de melhorias de vida dos mais  pobres.


A queda do Muro de  Berlim, o fracasso do socialismo no Leste europeu e o capitalismo de Estado na  China fazem o socialismo se apagar no horizonte utópico dos jovens. 


Na esperança de abrir  alternativas, o Fórum Social Mundial propõe Um Outro Mundo Possível, e  a Teologia da Libertação resgata o sumak kawsay (bem viver) dos  indígenas andinos e sugere Outros Mundos Possíveis, no plural, no qual  a igualdade de direitos não ameace a diversidade de  culturas.


O capitalismo em  crise tenta, de todas as maneiras, multiplicar os sete fôlegos do gato  neoliberal. Ignora as recomendações da ONU para a crise financeira (como  fechar os paraísos fiscais) e se recusa a regulamentar o capital especulativo. 


No esforço de se  perpetuar, o sistema da idolatria do capital propõe remendos novos em pano  velho: capitalismo verde; combate à pobreza através de programas sociais  compensatórios (e não emancipatórios); troca da liberdade individual por  segurança; desprestígio dos movimentos sociais; criminalização do  descontentamento popular.


O óbvio é que o capitalismo representa um êxito para apenas 1/3 da  humanidade. Segundo a ONU, 4 bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da  pobreza. O sistema se mostra mais destrutivo que criativo. Até os partidos  progressistas, outrora considerados de esquerda, já não têm proposta  alternativa e, quando no poder, se restringem a ser meros gestores da crise  econômica.


Foi preciso o  Brasil ir às ruas para a presidente Dilma propor a reforma política, a  primeira medida estrutural em 10 anos de governo petista. Agora faltam as  demais: agrária, tributária  etc.


Não basta denunciar  as mazelas e os abusos do sistema, como costuma fazer a Igreja Católica. É  preciso apontar causas e alternativas. Caso contrário, a insatisfação dos  jovens se transformará em revolta, e esta em ninho aconchegante para o ovo da  serpente: o nazifascismo.


 


* Frei Betto é escritor, autor  de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros. 
www.freibetto.org     twitter: @freibetto.


 





Copyright 2013 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (
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Fonte: Frei Betto

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“A manifestação do pessoal de sindicatos e partidos”

Bepe Damasco *


As aspas são para os profissionais de imprensa que vendem sua penas para o PIG e para o pelotão das trevas que invade as redes sociais. Definindo dessa forma pejorativa a manifestação das centrais sindicais do dia 11 de julho, buscavam diminuir a luta das representações de trabalhadores, sempre tentando compará-la, numérica e politicamente, à revolta dos bem-nascidos de junho. Da minha parte, aceito de bom grado o desafio da comparação e peço respeito.


Quem esteve nas ruas, na última quinta-feira,foi uma parcela importante dos que conquistaram o direito para que todos pudessem se manifestar.Os que estiveram nas ruas, na última quinta-feira, em boa medida, foram os herdeiros de gerações generosas de brasileiros e brasileiras que deram a vida por liberdade, justiça  e democracia. Quem esteve nas ruas, na última quinta-feira, tem pauta de reivindicações, responsabilidade política, estratégia e sabe o que quer.


A propósito, por mais que os reacionários de sempre da mídia queiram, as manifestações de rua nunca foram, não são e jamais serão monopólio de ninguém. O problema é que comemoraram antes do tempo. Acharam que a babel despolitizada, elitista, errante e violenta de junho tinha o condão de varrer das ruas os velhos lutadores. Justamente os que se graduaram e pós-graduaram no enfrentamento às forças de segurança da ditadura, na luta pela anistia, pela Assembleia Nacional Constituinte, contra a Lei de Segurança Nacional, pelas Diretas Já e pelo impeachmment de Collor.


No Brasil, vai se cristalizando da classe média para cima, depois de anos a fio de serviço sujo feito pela mídia, um sentimento de menosprezo pelos que têm escolhas ideológicas, políticas e partidárias. Além de solapar a consolidação de democracias incipientes como a nossa, esse preconceito antirrepublicano e antidemocrático costuma adubar o terreno para saídas autoritárias, a cargo do salvador da pátria de plantão. Essa onda contra a política dever ser combatida não só pelo PT e partidos de esquerda, como também por todos que têm apreço pelo sistema democrático.


Isso não significa de forma alguma varrer para debaixo do tapete a grave crise de credibilidade que afeta os partidos políticos no Brasil. Os que me dão o prazer de ler os meus posts nesse blog são testemunhas das críticas ácidas que faço à burocratização do PT, à sua institucionalização exagerada, ao seu excesso de moderação política e ao seu afastamento dos  movimentos sociais. Esse debate, esse acerto de contas do PT consigo mesmo, é urgente para a salvação de uma das maiores e mais bem sucedidas experiências da esquerda em todo o mundo e ao longo da história : o Partido dos Trabalhadores.


 


* Bepe Damasco é jornalista. É assessor de comunicação da CUT-RJ.


 


Originalmente publicado no blog do autor, Outro Olhar.

Fonte: Bepe Damasco